quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

A known voice in the barbershop

Barbershops are places in which many people make friendship. People are used to going there and talk about many subjects, like politics, society problems, relationships and gossip, why not? These are fine places to know the news and to meet some friends.

Some day ago I went to the nearest barbershop of my house. As I am a little bold, I cut my hair by myself. So, when I go there I just have a shave. I prefer to go to the barbershop on Saturday mornings, because I think that people prefer to get up later, so I do not have to wait long time.

I arrived there at 09:00 a.m., there were two men to have a hair cut before me. While I waited I read a magazine and heard people talking about many things. The barber called me, I gave back the magazine and sat at the barber chair. While I was being shaved a friend’s husband arrived at the shop, sat on the sofa and started to read his newspaper.

As soon as the man started his reading a great friend of his arrived too. The man desisted his reading and started to talk about soccer and job with his friend. I was talking to the barber too, but was impossible not to hear their voices. They were talking very loudly, however I perceived that sometimes they talked softly. It made me be curious; consequently I paid more attention to them. My friend’s husband did not see me, so he was not worried about his words.

The man talked to his friend that he gets more money than his wife knows and that is very profitable to put money in the board of trade, like he does. I got disappointed because I thought my friend and him were a happy couple, without lie or treason. I felt sorry for my friend, because I do not believe that lovers can be happy without confidence. Immediately I looked for a way to help my friend and her relationship.

I had a great plan. I sent an anonymous letter to my friend in which were written these words: "Dear Nancy, I am so glad to be the person who will give you good news. Your husband has been planning a big surprise to you. He has been investing his money in the board of trade and it has been so profitable to him. He has been thinking of buying a new house, maybe a new car too. It will be a very special gift that he will give to his family. I am so sorry if I told you that before your loved husband, but I thought he did not have words…"

When Nancy read my letter she called me and told what was written, by the way, I am a great friend of hers. She was so happy, because her dreams could happen. Fortunately, her husband has never imagined who has sent the letter to Nancy. Nowadays, when he goes to the barbershop, he remains silent. If someone tries to say something to him, he says: “Speak softly, because the barber is a big gossipmonger."

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Pedro pintor *

Pedro Paulo Pereira Pinto, pequeno pintor, português, pintava portas, paredes, portais. Porém, pediu para parar porque preferiu pintar panfletos. Partindo para Piracicaba, pintou prateleiras para poder progredir. Posteriormente, partiu para Pirapora. Pernoitando, prosseguiu para Paranavaí, pois pretendia praticar pinturas para pessoas pobres. Porém, pouco praticou, porque Padre Paulo pediu para pintar panelas, porém posteriormente pintou pratos para poder pagar promessas. Pálido, porém personalizado, preferiu partir para Portugal para pedir permissão para papai para permanecer praticando pinturas, preferindo, portanto, Paris. Partindo para Paris, passou pelos Pirineus, pois pretendia pintá-los. Pareciam plácidos, porém, pesaroso, percebeu penhascos pedregosos, preferindo pintá-los parcialmente, pois perigosas pedras pareciam precipitar-se principalmente pelo Pico, porque pastores passavam pelas picadas para pedirem pousada, provocando provavelmente pequenas perfurações, pois, pelo passo percorriam, permanentemente, possantes potrancas. Pisando Paris, pediu permissão para pintar palácios pomposos, procurando pontos pitorescos, pois, para pintar pobreza, precisaria percorrer pontos perigosos, pestilentos, perniciosos, preferindo Pedro Paulo precaver-se. Profundas privações passou Pedro Paulo. Pensava poder prosseguir pintando, porém, pretas previsões passavam pelo pensamento, provocando profundos pesares, principalmente por pretender partir prontamente para Portugal. Povo previdente! Pensava Pedro Paulo… Preciso partir para Portugal porque pedem para prestigiar patrícios, pintando principais portos portugueses. – Paris! Paris! Proferiu Pedro Paulo. – Parto, porém penso pintá-la permanentemente, pois pretendo progredir. Pisando Portugal, Pedro Paulo procurou pelos pais, porém, Papai Procópio partira para Província. Pedindo provisões, partiu prontamente, pois precisava pedir permissão para Papai Procópio para prosseguir praticando pinturas. Profundamente pálido, perfez percurso percorrido pelo pai. Pedindo permissão, penetrou pelo portão principal. Porém, Papai Procópio puxando-o pelo pescoço proferiu:- Pediste permissão para praticar pintura, porém, praticando, pintas pior. Primo Pinduca pintou perfeitamente prima Petúnia. Porque pintas porcarias?- Papai, - proferiu Pedro Paulo - pinto porque permitiste, porém, preferindo, poderei procurar profissão própria para poder provar perseverança, pois pretendo permanecer por Portugal. Pegando Pedro Paulo pelo pulso, penetrou pelo patamar, procurando pelos pertences, partiu prontamente, pois pretendia pôr Pedro Paulo para praticar profissão perfeita: pedreiro! Passando pela ponte precisaram pescar para poderem prosseguir peregrinando. Primeiro, pegaram peixes pequenos, porém, passando pouco prazo, pegaram pacus, piaparas, pirarucus. Partindo pela picada próxima, pois pretendiam pernoitar pertinho, para procurar primo Péricles primeiro. Pisando por pedras pontudas, Papai Procópio procurou Péricles, primo próximo, pedreiro profissional perfeito. Poucas palavras proferiram, porém prometeu pagar pequena parcela para Péricles profissionalizar Pedro Paulo. Primeiramente Pedro Paulo pegava pedras, porém, Péricles pediu-lhe para pintar prédios, pois precisava pagar pintores práticos. Particularmente, Pedro Paulo preferia pintar prédios. Pereceu pintando prédios para Péricles, pois precipitou-se pelas paredes pintadas. Pobre Pedro Paulo, pereceu pintando...

* Texto extraído da internet. http://www.novomilenio.inf.br/idioma/20010301.htm Acesso em: 25 mar. 2008.

Mundo moderno, melhore*

Mundo moderno, marco malévolo, mesclando mentiras, modificando maneiras, mascarando maracutaias, majestoso manicômio. Meu monólogo mostra mentiras, mazelas, misérias, massacres, miscigenação, morticínio — maior maldade mundial.

Madrugada, matuto magro, macrocéfalo, mastiga média morna. Monta matumbo malhado munindo machado, martelo, mochila murcha, margeia mata maior. Manhãzinha, move moinho, moendo macaxeira, mandioca. Meio-dia mata marreco, manjar melhorzinho. Meia-noite, mima mulherzinha mimosa, Maria morena, momento maravilha, motivação mútua, mas monocórdia mesmice. Muitos migram, macilentos, maltrapilhos. Morarão modestamente, malocas metropolitanas, mocambos miseráveis. Menos moral, menos mantimentos, mais menosprezo. Metade morre.

Mundo maligno, misturando mendigos maltratados, menores metralhados, militares mandões, meretrizes, marafonas, mocinhas, meras meninas, mariposas mortificando-se moralmente, modestas moças maculadas, mercenárias mulheres marcadas.

Mundo medíocre. Milionários montam mansões magníficas: melhor mármore, mobília mirabolante, máxima megalomania, mordomo, mercedes, motorista, mãos… Magnatas manobrando milhões, mas maioria morre minguando. Moradia meiágua, menos, marquise.

Mundo maluco, máquina mortífera. Mundo moderno, melhore. Melhore mais, melhore muito, melhore mesmo. Merecemos. Maldito mundo moderno, mundinho merda.
* Transcrito de uma apresentação de Chico Anísio.

Monólogo das Mãos (de Giuseppe Artidoro Giaroni)

Para que servem as mãos?
As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder,
ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar,
confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar,
acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir,
reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever...
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau,
salvou o trono da França e apagou a auréola do famoso revolucionário;
Múcio Cévola queimou a mão que, por engano não
matou Porcena;
foi com as mãos que Jesus amparou Madalena;
com as mãos David agitou a funda que matou Golias;
as mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos
gladiadores vencidos na arena;
Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência;
os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos
vermelhas como signo de morte!
Foi com as mãos que Judas pôs ao pescoço o laço que os
outros Judas não encontram.
A mão serve para o herói empunhar a espada e
o carrasco, a corda; o operário construir e o burguês destruir;
o bom amparar e o justo punir; o amante acariciar e o ladrão roubar;
o honesto trabalhar e o viciado jogar.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor
ou uma granada, uma esmola ou uma bomba!
Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia!
As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios
e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura,
a arma que fere e o bisturi que salva.
Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas
protegemos a vista para ver melhor.
Os olhos dos cegos são as mãos.
As mãos na agulheta do submarino levam o homem
para o fundo como os peixes; no volante da aeronave
atiram-nos para as alturas como os pássaros.
O autor do "Homo Rebus" lembra que a mão foi o primeiro
prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida;
a primeira almofada para repousar a cabeça,
a primeira arma e a primeira linguagem.
Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas.
A mão aberta,acariciando, mostra a bondade; fechada
e levantada mostra a força e o poder; empunha a espada
a pena e a cruz!
Modela os mármores e os bronzes; da cor às telas
e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia
nas formas eternas da beleza.
Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza;
doce e piedosa nos afetos medica as chagas, conforta
os aflitos e protege os fracos.
O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão
de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento
de felicidade.
O noivo para casar-se pede a mão de sua amada;
Jesus abençoava com as mãos;
as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as
mãos as cabeças inocentes.
Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica,
ainda por muito tempo agitando o lenço no ar.
Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias.
E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem.
Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino.
E no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração pára, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte as funções da vida.
E as mãos dos amigos nos conduzem...
E as mãos dos coveiros nos enterram!

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Um bingo na Ilha

Outro dia fui convidado para ir a um bingo na Ilha do Governador. Não sou dado a jogos, tampouco acreditei que poderia ganhar um bom prêmio, considerando que paguei cinco reais pela cartela, mas lá fui eu. Não foi um sacrifício tão grande assim, fui de carona com alguns amigos. Entrei no carro e, no caminho, descobri que aquele seria um bingo beneficente. Senti-me até mais nobre por participar disso. Depois quase mudei de idéia.

Um primo de um conhecido meu tinha sofrido um acidente de carro quase um mês antes do bingo. O rapaz foi a uma festa, bebeu mais do que devia e, na volta, o carro capotou. Mais uma vítima da imprudência deu a sorte de não ter morrido. O rapaz ficou internado duas semanas e depois foi liberado para casa. Quando lhe perguntaram o que tinha acontecido no momento do acidente, ele disse que não sabia e até achou estranho, visto que não tinha sido a primeira vez que tinha dirigido um pouco alto.

O acidente não foi culpa da imprudência, segundo ele. Foi apenas um azar. E, para seu azar, ainda foi picado pelo mosquito da dengue. Antes de aproximar-me dele fiz o sinal da cruz. Estava convencido de que o rapaz precisava de ajuda. Cheguei a rezar por ele ainda no caminho, mas, como reza não paga à farmácia, achei boa a idéia de um bingo para ajudá-lo na compra dos remédios.

Nunca tinha ido à Ilha do Governador, talvez não tenha perdido nada, mas era uma experiência válida. Já na Ilha, passamos por um bairro razoavelmente bonitinho, com casas idênticas, ruas limpas e vazias. De repente, o carro virou à esquerda. O asfalto desapareceu e deu lugar a um chão de barro. As casas agora eram todas diferentes umas das outras. Uma branca, outra amarela, outra meio verde, algumas ainda no tijolo puro. A maioria sem muro, facilitando a sociabilização dos moradores.

Confesso que não gostei do lugar em que estava entrando e que senti medo. Pessoas mal encaradas nas esquinas, crianças soltas e correndo para todo lado, disputando o espaço com cães, gatos e algumas galinhas. Não me lembro do nome do bairro, tampouco acredito que desejaria conhecê-lo. Finalmente chegamos à casa na qual o bingo seria realizado. Chegamos uma hora antes do horário previsto, se é que isso faz diferença. Geralmente as pessoas marcam um horário e o ignoram logo depois. Quando acham que devem, simplesmente começam o evento.

Chegando à casa, cumprimentei os moradores. Eles disseram-me seus nomes e eu disse-lhes o meu. Não adiantou muito porque logo esqueci, eles eram muitos. Prefiro perguntar o nome das pessoas novamente a pronunciá-lo errado, mas ninguém se importa com isso. É difícil falar “Alfredo”? Costumo corrigir, no máximo duas vezes, depois disso adoto o novo nome com o qual me batizaram.

– Toma uma cadeira. – Estava bamba!
– Toma um copo d’água. – Gelada de doer os dentes...

Que vontade de ir embora, pena que não tinha ido sozinho. Afinal, se fui com um grupo, devo voltar com ele!

Do lugar em que me sentei no quintal pude ver a mesa na qual estavam os brindes do bingo.

1º Prêmio: Uma garrafa de uísque nacional. (duvidei da autenticidade)
2º Prêmio: Um liquidificador.
3º Prêmio: Um espremedor de frutas.
4º Prêmio: Um ferro de passar roupas.
5º Prêmio: Um jogo de talheres.

Se não fosse a garrafa de uísque, me sentiria em um chá-de-panela. Não sei de quem foi a idéia de colocar essas coisas como brinde, também não sei quem escolheu isso ou aquilo como primeiro ou quinto prêmio. Deduzo que a escolha tenha sido feita de acordo com o valor de cada produto. Enfim... Contei os minutos para que aquilo começasse e terminasse logo.

Alguns minutos se passaram e uma pick-up chegou, transportando uma máquina de lavar roupas. Ela foi estacionada bem no lugar onde as pessoas ficariam. A máquina de lavar roupas da dona da casa estava com defeito, então o técnico levou-lhe outra para ser usada durante o conserto.

A operação de retirar a máquina sobressalente e colocar a que seria consertada mais o bate-papo entre o técnico e a cliente levou uns vinte e cinco minutos. Quando o camarada tentou sair com o carro, surpresa, o carro não queria pegar. As pessoas começaram a chegar e o carro estava lá, atrapalhando. Finalmente conseguiram consertá-lo e ele desocupou o espaço.

– Pronto, gente. Pronto. Agora a festa pode começar. Foi até bom, porque quase ninguém podia chegar às 19:00h. – Disse a dona da casa aos parentes...

O pouco de lógica que tenho impede-me de marcar um evento em um horário ingrato para a maioria das pessoas que irão... Sorriso no rosto e mais um evento começa atrasado no Brasil. O importante é que começou.

O primeiro prêmio a ser sorteado foi o jogo de talheres, depois o ferro, até chegar ao uísque, o melhor prêmio. Como esperava, não ganhei nada. Estava lá só para contribuir mesmo. O bingo terminou e as pessoas emendaram em um churrasco. Definitivamente, era demais para mim. Já tinha ouvido muitas coisas das quais não gostei em relação à falta de segurança e de tranqüilidade naquele bairro. Convencidos de que não tínhamos mais nada a fazer lá, despedimo-nos das pessoas mais próximas e fomos embora.

No caminho de volta, cheguei à conclusão de que para ajudar o rapaz não precisaria ter ido lá. Poderia ter comprado a cartela e não ter ido ao bingo. Valeu pela experiência e por ter conhecido algumas pessoas em um ambiente diferente dos que costumo freqüentar, mas perdi umas quatro ou cinco horas de minha vida, isso perdi. O bingo arrecadou quase dois mil reais. O rapaz comprou o que precisava, se restabeleceu e voltou a trabalhar. Ele continua bebendo, só que agora ninguém é bobo de colocar um carro em suas mãos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Something sad that happened to me

It would better there is no bad things in our lives, but, unfortunately, there are some things that make us feel sad. Maybe, these things are useful to teach us what to do in the future, what we can improve and to valorize our lives. I remembered when my stepfather died. It has been one year and three months. After that, I have been seeing life as the most important thing in the world. It is so brief, because of this we should enjoy it as well as we can, taking care of our health and enjoying people who we love.

That was a very common day. My mother and I had planned go home together so, after my job, I went to my mother’s job and then we had a little snack. At 6 p.m., we went home and we could not suppose what would happen at home. We arrived at 07:30 p.m. My stepfather, who was the youngest my father’s brother, was watching TV and he was so glad when he saw me, because there were four weeks since I went there. We complimented each other and started to talk about our family, politics and goals, our favorite subjects.

Suddenly, my uncle João said that he was hot. My mother told him to have a shower with cold water, because the weather was especially hot. While he had a shower, my mother went to the kitchen to prepare our dinner. Usually families stay long time in the kitchen, so I went there too. Uncle João got out from the bathroom, went back to living room and sit on the floor. He loved to watch TV like that. About forty minutes later, my mother and I also went to living room to watch TV; we had thought he was so much silent. When we arrived, he looked at us and tried to get up, but he did not. Therefore, he fell on the floor, closed his eyes to life and opened it to eternal life.

To our surprise, God had decided call him in that circumstances. A sadden heart attack has taken away him from us when he was 53 years old. Exactly seven years before that, we lost my father. He was 43 and had died by similar cardiac problems. Once more, we have tried that sad experience. First, we did not know what to do, but then we remembered that God had helped us before so we feel a little peace.

We understood that relatives and friends are not ours, but of God. He lends them to us to enjoy the life, but when He thinks it is better, He calls them to His arms. Perhaps, it has been the saddest days of my life. Now I know I could overcome these very difficult problems. Now they are only good memories. I think I have done all that I should. I have enjoyed their companionship as I could. I have loved them as a son and as a friend.

Our lives are so brief; we must not lose any time. Each time is very important to do things that improve us and our friends’ lives. Each person was born with a mission and nobody knows when the mission will stop. Oh Lord, help us to be more careful with our mission and with people who You have given to us, without negligence. At the day that only You know, remove the fear from us, pick up our hands, give us welcome and smile!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A Oração Subordinada Agente da Passiva e a NGB

1. INTRODUÇÃO

Geralmente, os falantes da língua portuguesa têm dúvidas quando tentam falar ou escrever segundo os padrões da norma culta. Quando falam sobre as vozes verbais e sobre as regras que giram em torno do tema, percebem que ainda há muito que conhecer sobre as construções ativa, passiva e reflexiva, as três vozes verbais reconhecidas pela Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB.

Engana-se quem acha que as vozes verbais são equivalentes. Por que haveria tantas possibilidades de construção de uma ação verbal se todas transmitissem a mesma idéia? O conhecimento das minúcias da língua portuguesa faz com que tenhamos maior precisão quando queremos nos comunicar. Nossa língua possui estruturas complexas, mas é prazeroso analisar e tentar compreender as inúmeras possibilidades de expressão que ela oferece.

Estudar estas e outras construções gramaticais faz com que o falante exercite seu raciocínio, formule e teste hipóteses, aumente sua capacidade de observação e seu poder de argumentação, ou seja, é um auxílio para o exercício da cidadania e da individualidade.

Procuramos, através deste trabalho, discorrer sobre as vozes verbais; o resquício da voz medial; a equivalência relativa entre as vozes verbais; a diferença entre voz passiva e passividade; as funções sintáticas que fazem parte das construções passivas e os elementos contemplados ou não pela NGB.

O agente da passiva, por ser uma função significante nas construções passivas, por algumas vezes será mencionado e discutido. Essa discussão terá seu clímax quando falarmos sobre a polêmica oração subordinada agente da passiva, reconhecida por uns e ignorada por outros. Ao término deste trabalho, apresentaremos o posicionamento de alguns autores sobre a classificação da subordinada agente da passiva.

2. VOZES VERBAIS

O emprego das vozes ativa, passiva e reflexiva não acontece aleatoriamente. Dependendo da necessidade, há motivos que impõem a utilização de uma construção e não de outra. É necessário que saibamos o que queremos realmente dizer antes de optarmos por uma ou por outra possibilidade. Suponhamos que um professor, com o intuito de despertar o interesse de seus alunos pela leitura, resolva comprar livros para presentear os mais aplicados. Os alunos mal podem esperar pelos presentes e conversando sobre o assunto, um deles pode dizer:

1. O professor comprou os livros.
2. Os livros foram comprados pelo professor.
3. Compraram os livros.
4. Compraram-se os livros.

As construções que explicam o ato de comprar os livros são semelhantes, mas não equivalentes. Na primeira, a atenção é voltada para o agente da ação verbal. Na segunda, o agente aparece em segundo plano e o objeto tem destaque. Na terceira possibilidade, as atenções são voltadas para o ato de comprar. O sujeito é indeterminado e sua ausência reforça a carga semântica do verbo. Por último, temos uma relação imprecisa entre o sujeito, o verbo e o objeto. Construções como essa quarta podem ter duas significações. Poderíamos entendê-la como reflexiva, fato que não acontece com o verbo comprar, que demanda uma entidade humana, ou poderíamos entender que os livros foram comprados por alguém, portanto, significação passiva.

O latim, língua da qual o português tem sua origem, possui três formas verbais de conjugação: a ativa, a passiva[1] e a depoente. A forma depoente, resquício da voz média, é uma característica do latim e se configura pelo uso da forma verbal na voz passiva com o significado ativo. Os verbos depoentes, que podem ser intransitivos, transitivos diretos ou transitivos indiretos, são empregados em ações que não são predominantemente de responsabilidade do indivíduo. Nesses casos, pode-se protagonizar, mas não ser soberano. Há um forte condicionamento por fatores que vão além dos limites do eu e sua vontade de ação.

A forma depoente dos verbos latinos é freqüentemente rica em sugestões filosóficas. Fazem parte deste grupo verbos como nascor(nasço), opinor(penso), polliceor(prometo) e morior(morro). Utilizando esse conceito, o verbo nascer do português não deveria ser considerado ativo tampouco passivo. Com certeza, os indivíduos nascem, porém não podem exercer essa ação de modo totalmente ativo e independente. O comportamento de determinados verbos os enquadraria na voz média, que possui, ao mesmo tempo, característica ativa e passiva. Na tentativa de suprir a lacuna da voz média, o português torna reflexivos verbos como esquecer: Eu me esqueci.

A NGB contempla três vozes verbais que indicam a relação do sujeito com a ação verbal. São elas: ativa, passiva e reflexiva. Esta seria um dos aspectos da voz medial, que emprega a forma ativa do verbo conjugado com pronome átono da mesma pessoa do sujeito. Além do aspecto reflexivo, a voz medial possui o aspecto recíproco e o dinâmico.

Diferentemente do que ocorre no latim, em português não existe flexão própria para a voz verbal. Estabelece-se a voz por meio de locução verbal ou com auxílio do se. O domínio das estruturas de vozes verbais permite que o usuário de nossa língua tenha flexibilidade de construção ao transmitir uma mensagem, conforme os exemplos a seguir.

1. O menino bebeu água.
2. A água foi bebida pelo menino.
3. Bebeu-se água.
4. O menino se machucou.

No primeiro exemplo, o menino é o agente da ação verbal. Em orações na voz ativa, o sujeito tem maior expressividade e o verbo concorda com ele. No segundo exemplo, tem-se uma oração na voz passiva analítica. A água – objeto direto da voz ativa – é o sujeito paciente e a locução verbal, formadora da voz passiva analítica concorda com ela. No terceiro caso, tem-se um exemplo de voz passiva sintética. Ao verbo transitivo direto na terceira pessoa se junta a partícula apassivadora se. O quarto caso é um exemplo de voz reflexiva. Neste caso, se é um pronome reflexivo que indica ação praticada e sofrida por o menino. A seguir, serão apresentadas as particularidades de cada uma das vozes verbais.

2.1 VOZ ATIVA
Esta é a construção mais básica ou primária para a representação da relação sujeito/verbo. Todo verbo usado nos diversos tempos e modos da conjugação simples estão na voz ativa. Quando uma oração se encontra na voz ativa, o verbo, que deve ser de ação, deixa evidente a ação do sujeito. Este, por sua vez, deve ser animado ou dotado de força, de movimento.

Para transformar uma oração ativa em passiva, o sujeito passará a agente da voz passiva, o objeto direto passará a ser o sujeito da voz passiva, o verbo ser deverá assumir o mesmo tempo e modo do verbo transitivo direto na voz ativa e o verbo transitivo será substituído por seu particípio. É oportuno lembrar que nem todas as construções ativas possuem uma correspondente passiva. Há construções passivas que não são aceitas, ainda que a forma ativa possua um verbo transitivo direto. Essa rejeição é comum com os verbos ter, poder, querer, por exemplo. Veja que a oração ativa Tive uma dor de dente não possui como correspondente passiva Uma dor de dente foi tida por mim.

2.2 VOZ PASSIVA

O sujeito dos verbos transitivos diretos pode ser considerado ponto de onde parte a ação verbal e ponto para o qual a ação aponta. Sobre o verbo desta última ação dizemos que está na voz passiva[2]. Esta voz é formada com o verbo ser, conjugado em todas as formas, seguido de particípio passado – deve-se observar a concordância de gênero – do verbo que se quer apassivar ou com o verbo transitivo direto na terceira pessoa mais se.

Forma-se o predicado passivo de três maneiras: na primeira, com um dos verbos auxiliares ser – de ação –, estar – de estado – ou ficar – de mudança de estado –, seguido do particípio passado do verbo que será apassivado. Ex.: Os cartagineses foram vencidos pelos romanos. / A fortaleza será cercada pelos inimigos. / O prédio ficou destruído pelas chamas. Na segunda, com verbo transitivo acompanhado das partículas apassivadoras me, te, se, nos e vos. Ex.: Batizei-me nesta igreja. / Tu, te chamas Lourdes. / Construíram-se dois apartamentos. Na terceira, com um verbo no infinitivo de forma ativa, porém, com sentido passivo. Ex.: O imperador deu a mão a beijar, e saiu. (a beijar = para ser beijada.) / Os sertanejos levaram-no a enterrar (a enterrar = para ser enterrado).

Nas construções passivas, o sujeito paciente, que é o objeto direto da construção ativa, recebe a ação verbal. Gramaticalmente, só é possível criar uma construção passiva a partir de um verbo transitivo direto
[3]. Entretanto, não podemos deixar de lado a transformação natural que a transitividade dos verbos sofre. O uso da passiva com alguns verbos transitivos indiretos se encontra generalizado. Frases como O jogo foi assistido por mais de mil pessoas e As regras devem ser obedecidas pelos membros do grupo são construídas comumente pelos falantes.

A voz passiva ou a voz reflexiva com valor passivo são comumente usadas em redações oficiais. Essas construções dão à linguagem um caráter impessoal, nas quais os atos são mais significativos que os agentes. A Constituição Federal, no Art. 40 § 4º, assegura: Os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade. Não importa quem fará a revisão dos proventos, tampouco quem modificará a remuneração dos servidores ativos. Não se tem a intenção de evidenciar pessoa específica, o que importa é o ato.

2.2.1 Passiva analítica

Caracteriza-se, em nível sintático-semântico, por ter o paciente da ação verbal na função de sujeito e, em nível morfossintático, por construir-se como uma locução verbal formada, geralmente, pelo verbo auxiliar ser e pelo particípio do verbo principal, que deve concordar com o sujeito passivo. Faz parte dessa caracterização a implicação de que somente verbos transitivos diretos admitem a forma passiva. Toda oração passiva possui uma correspondente na voz. Nesse tipo de construção, ocorre a tematização do objeto.

Também é possível transformar uma oração passiva analítica em sintética. Esta última define-se pela ocorrência do clítico se junto a verbos transitivos diretos acompanhados de um sintagma nominal com valor semântico de paciente da ação verbal. Tal sintagma nominal é o que seria normalmente considerado o objeto direto de tais verbos.

É importante lembrar que o agente da ação – sujeito da voz ativa – pode ser omitido na construção passiva analítica, dependendo de seu grau de importância para compreensão e do contexto. A supressão do agente da passiva ocorre, geralmente, quando o sujeito da forma ativa é indefinido. Em Alguém quebrou o copo, o pronome indefinido na função de sujeito impede que saibamos quem quebrou o copo. Na frase O copo foi quebrado por alguém, o pronome indefinido na função de agente da passiva também impede que saibamos quem praticou a ação de quebrar. Neste caso, o agente da passiva por alguém pode ser omitido, visto que não alterará a compreensão da frase.

2.2.2 Passiva sintética

Esta construção, que também é conhecida como pronominal, é formada por verbo transitivo direto na terceira pessoa – concordando em número com o sujeito paciente –, pronome se e sujeito paciente. Na voz passiva sintética, ocorre a tematização do processo. Por exemplo, em Vendem-se flores, a ação de vender fica em evidência e seu agente nem é mencionado.

A voz passiva sintética, por vezes, é confundida com o processo de indeterminação do sujeito, que pode utilizar verbos na terceira pessoa e a partícula se. Entretanto, esta construção aceita verbos intransitivos, enquanto a voz passiva sintética não. Na frase Gosta-se de futebol, temos um exemplo de indeterminação do sujeito. O verbo gostar é transitivo indireto, logo, gramaticalmente, não é possível formar voz ativa. Na voz ativa, as estruturas são semelhantes. Comparemos Alguém vende flores com Alguém gosta de futebol.

Considerando a gramática descritiva, seria aceitável que o falante, por vontade própria, queira indeterminar o sujeito que vende flores. Assim, poderíamos ter a construção Vende-se flores se não existisse a imposição da gramática normativa, que diz que o verbo precisa estar no plural, concordando com flores.

2.3 VOZ MEDIAL

Esta voz, que também é conhecida como média, representa uma categoria flexional das línguas clássicas indo-européias com a função de expressar estados de coisas que afetam o sujeito do verbo ou seus interesses. É uma forma intermediária entre a voz ativa e a passiva, na qual ser o sujeito, ao mesmo tempo, centro e ator do evento é condição para a construção de voz média nas línguas clássicas. Esta voz pode apresentar características de reflexividade, reciprocidade ou dinamismo e sua construção pode acontecer com verbos transitivos ou intransitivos.

2.3.1 Reflexiva e recíproca

Das três ocorrências da voz medial, apenas esta é reconhecida pela NGB. Os verbos se conjugam como na voz ativa, acompanhados dos pronomes oblíquos antepostos ou pospostos[4] às formas verbais de cada pessoa. O pronome oblíquo serve de objeto direto ou indireto e representa a mesma pessoa do sujeito. Os brasileiros preferem usar a próclise, os portugueses, a ênclise. Exemplo: eu me ajoelho / ajoelho-me.

Na construção reflexiva, o sujeito aparece como agente e paciente de uma ação verbal que recai sobre si. Em O açougueiro feriu-se, percebe-se que o sujeito feriu alguém e foi ferido ao mesmo tempo. O açougueiro é o autor e a vítima de um ato que ele mesmo cometeu.

O pronome reflexivo pode exercer funções diferentes. Serve, geralmente, aos verbos intransitivos e, às vezes, aos transitivos. Os pronomes nos, vos e se são usados em construções que denotam reciprocidade como nas que denotam reflexidade. Às vezes, isso é motivo de confusão. Em frases do tipo Os alunos se amam, é possível que haja certa ambigüidade. Os alunos amam uns aos outros ou cada um ama a si próprio?! Para resolver o problema, acrescentamos à frase esclarecimentos, como nos exemplos: amamo-nos a nós próprios e amamo-nos uns aos outros. A primeira frase indica reflexividade, a segunda, reciprocidade. Nesta construção, a mesma ação é praticada por mais de um elemento, na qual um pratica a ação sobre o outro ao mesmo tempo.

2.3.2 Dinâmica

Na dinâmica, a pessoa do sujeito, sob a forma do pronome clítico, reaparece no predicado como o centro de um estado de coisas que parte dele, mas que não sai de seu âmbito, eliminando-se, assim, o objeto sobre o qual ela recairia num típico evento transitivo. Exemplo: O menino cortou-se no caco de vidro. O ato de cortar não partiu do menino. Com esta construção, queremos deixar claro que o menino se cortou. Dentre os verbos que nos passam a mesma idéia, temos molhar-se, sujar-se, afogar-se, machucar-se e ferir-se, por exemplo.


2.4 VOZ PASSIVA versus PASSIVIDADE

A diferenciação entre voz passiva e passividade não é um tema de fácil compreensão. O assunto é pouco tratado nas gramáticas tradicionais e, por isso, estudantes têm a tendência de achar que as duas nomenclaturas dão conta do mesmo fenômeno.

Como se viu no capítulo anterior, a voz passiva é uma construção na qual o sujeito paciente – algo ou alguém – recebe a ação verbal praticada por um sujeito agente, que quando explícito é denominado agente da passiva e há uma construção especial que indica isso. No entanto, a passividade pode ser interpretada de duas maneiras: na primeira, passividade é o fato de a pessoa receber a ação verbal.[5] Na segunda, passividade é uma característica interna de alguns verbos na voz ativa que tem significado passivo.

Em frases do tipo O papel foi queimado pelo fósforo, temos um exemplo de passividade no sentido de o papel ter sofrido a ação de queimar. Já em frases do tipo O policial levou um tiro, temos o policial como sujeito do verbo levar, na acepção de receber, com característica passiva. Não deveríamos dizer que o sujeito praticou a ação de levar um tiro, mas que ele experimentou o ato de levar um tiro. Vários outros verbos possuem esta mesma característica, podemos destacar os verbos morrer, sofrer, padecer, adoecer, envelhecer. Nestes verbos, não há atividade da parte do sujeito. São verbos intransitivos que, mesmo na forma ativa, se assemelham dos transitivos passivos quanto à significação.

Com o auxílio dos pronomes, certos verbos demonstram que o sujeito pode provocar em si, motivado por causas externas, a mesma sensação que provocaria em outros seres. Na frase A professora aborreceu-se com a surpresa dos alunos, compreendemos que a professora ficou aborrecida. Ela usou a capacidade que tem de aborrecer alguém sobre si mesma. Também podemos analisar a mesma frase sob um segundo aspecto. Essa construção tem um misto de reflexividade e de passividade, visto que ninguém se aborrece porque quer. No exemplo, os alunos motivaram o aborrecimento da professora. O verbo está conjugado na voz ativa, mas a ação de se aborrecer não partiu do sujeito. Temos nessa frase um exemplo de passividade.

É comum encontramos a idéia de passividade em verbos que representam estados da alma e em verbos ativos no infinitivo, funcionando como complemento nominal de adjetivos. Ex.: O escravo sofre o jugo da maldade. / Lição difícil de entender = Lição difícil de ser entendida. Também tem força passiva as locuções verbais antecedidas de para, por e a. Ex.: Este bolo é para comer = Este bolo é para ser comido.

2.5 A NOMENCLATURA GRAMATICAL BRASILEIRA

A NGB foi criada pelo Ministro da Educação e Cultura, Clóvis Salgado, pela Portaria n° 152, de 24 de abril de 1957, publicada no Diário Oficial de 30/04/1957, pág. 10.838. Foi publicada em 1959 com o intuito de simplificar e uniformizar a nomenclatura gramatical brasileira. Filólogos e lingüistas de todo o país contribuíram para a formulação da Portaria nº. 36, de 28 de janeiro de 1959, que facilitaria o ensino programático da Língua Portuguesa e as atividades de verificação do aprendizado, nos estabelecimentos de ensino em todo o território nacional. Na época da criação NGB, havia uma confusão de nomenclaturas para os mesmos fenômenos da língua. Os nomes variavam entre as diferentes regiões e instituições de ensino, dificultando o aprendizado e os métodos de avaliação.

É importante frisar que muitos autores ainda criam nomenclatura fora do contexto da NGB.

O texto da Nomenclatura Gramatical Brasileira, após mais de 40 anos de elaboração, continua oficialmente em vigor e é citado em nossas gramáticas com constância, mesmo que para acrescentar-lhe algo que não tenha sido considerado pela Comissão que o propôs. (HENRIQUES, Cláudio Cezar. CLP, 21).

3. ORAÇÃO SUBORDINADA SUBSTANTIVA AGENTE DA PASSIVA

Uma oração é subordinada substantiva quando exerce função sintática de sujeito, predicado – termos essenciais –, complemento nominal, objeto direto, objeto indireto, agente da passiva – termos integrantes – adjunto adnominal, adjunto adverbial, aposto ou vocativo – termos acessórios – de outra oração, que alguns gramáticos chamam principal.

As orações subordinadas podem ser substantivas, adjetivas ou adverbiais. São substantivas quando desempenham a função de um substantivo, adjetivas quando a função é de um adjetivo e, por fim, são adverbiais quando a função se assemelha a um advérbio.

As funções próprias do substantivo são: sujeito, predicado, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, aposto e agente da passiva[6]. Vemos, a seguir, como essas orações se apresentam em um período.

1. É impossível que ele viva aqui. Esta é uma oração substantiva subjetiva, porque exerce função de sujeito da oração principal.

2. A verdade é que a família não lhe quer mais. Esta é uma oração substantiva predicativa, porque exerce função de predicado da oração principal.

3. Eu não quero que você se preocupe. Esta é uma oração substantiva objetiva direta, porque exerce função de objeto direto da oração principal.

4. O padre exortava o povo a que se mantivesse fiel à religião. Esta é uma oração substantiva objetiva indireta, porque exerce função de objeto indireto da oração principal.

5. Tive certeza de que meu time venceria. Esta é uma oração substantiva completiva nominal, porque exerce função de complemento nominal da oração principal.

6. Peço uma coisa a Deus: que nosso estado tenha paz em 2007. Esta é uma oração substantiva apositiva, porque exerce função de aposto da oração principal.

7. Este cargo é exercido por quem demonstra competência. Esta é uma oração substantiva agente da passiva, porque exerce função de agente da passiva[7] da oração principal.

Seria natural que existissem todas essas possibilidades de orações subordinadas substantivas, entretanto há alguns gramáticos que não classificam a subordinada agente da passiva como uma subordinada. Alguns a consideram como substantiva, outros, como adverbial. A NGB, por sua vez, não reconhece a existência de oração subordinada substantiva agente da passiva. Dentre os possíveis motivos[8] para tal omissão, destacaremos dois. Primeiro, a NGB não faz menção às orações justapostas. Segundo, existe um desacordo em relação à classificação dessa estrutura. Alguns gramáticos a consideram como substantiva, outros como adjetiva ou adverbial.

4. O QUE OS AUTORES FALAM SOBRE A ORAÇÃO AGENTE DA PASSIVA

Ainda nos dias atuais, existem divergências entre os gramáticos em relação aos fenômenos da língua. A subordinada substantiva agente da passiva figura entre esse desacordo de opiniões. Há autores que sequer a mencionam. Uns são contra, outros a favor. Vejamos o que dizem alguns.

A subordinada agente da passiva não pode ser introduzida pela conjunção integrante que, conforme as demais subordinadas substantivas. O esquema estrutural é passiva analítica + por quem ou por quantos. Raramente, usa-se a preposição de. Ex.: É estimado de quantos o conhecem.

Nova gramática do português contemporâneo
Celso Cunha e Lindley Cintra, também classificam como substantiva a oração agente da passiva. Os autores observam que esse tipo de oração é iniciada por pronomes indefinidos (quem, quantos, qualquer, etc.) precedidos de uma das preposições por ou de.

Lições de português pela análise sintática
Evanildo Bechara considera a oração agente da passiva como uma subordinada adverbial justaposta porque essa oração não se liga a sua principal por meio de conectivo.
[9]

Gramática da língua portuguesa
Walmiro Macedo, em sua gramática, diz “há quem prefira incluir a oração de agente da passiva no grupo das adverbiais. (...) Ora, se a oração que funciona como sujeito da ativa é considerada substantiva, porque é que não seria também a de agente da passiva?” Se transformarmos a oração passiva Este cargo é exercido por quem demonstra competência em ativa, teremos Quem demonstra competência exerce este cargo. Como acontece na transição da voz passiva para a ativa, o que era agente da passiva torna-se sujeito da ativa.

Novas lições de análise sintática
Adriano da Gama Cury também reconhece a existência da subordinada substantiva agente da passiva. Entende que são orações justapostas, sem conjunção, introduzidas por pronome indefinido regido de por ou de.

Sintaxe portuguesa para linguagem culta contemporânea
Cláudio Cezar Henriques reconhece a agente da passiva como uma oração substantiva. Este autor demonstra que a oração agente da passiva pode ser substituída por este, da mesma forma que as demais substantivas podem ser substituídas por isto. Ex.: Eles só serão respeitados por quantos valorizem o bom profissional. / Eles só serão respeitados por este. Observa-se que o pronome este poderia ser substituído por um ser animado.

Gramática aplicada da língua portuguesa
Manoel Ribeiro diz que podemos enquadrar como substantiva a oração agente da passiva, fazendo a ressalva de que há quem classifique adverbial.

A estrutura morfo-sintática do português
José Rebouças Macambira chama a oração que desempenha o papel de agente da passiva de substantiva agentiva.

Gramática normativa da língua portuguesa
Nesta obra, Rocha Lima inclui a oração agente da passiva no grupo das subordinadas adjetivas. Ex.: Morreu cego o famoso Afonso Domingues,/ por quem foi construído o Mosteiro da Batalha.

5. CONCLUSÃO

Através desta pesquisa, entendemos que se faz necessário recorrer ao auxílio das gramáticas para compreensão das vozes verbais e de suas respectivas estruturas, visto que algumas delas se mostram artificiais para os tempos modernos.

Vimos que a língua se transforma ao longo do tempo, por isso, a transitividade de alguns verbos pode mudar. Isto pode ser comprovado com o verbo assistir, que, segundo a gramática normativa, é transitivo indireto e hoje pode ser encontrado em construções passivas. A força do uso criou uma nova transitividade para o verbo em questão, transformando-o em transitivo direto.

Vimos também que não existe equivalência absoluta entre as vozes ativa e passiva. O emprego de uma delas está relacionado ao grau visibilidade do sujeito, do objeto ou do verbo que o usuário da língua deseja destacar.

A maioria das obras consultadas aceita a oração agente da passiva como uma subordinada substantiva. Apenas duas das obras consultadas discordam disso. Uma delas vê a oração como adverbial, a outra como adjetiva justaposta.

Concluímos que a NGB não descreve adequadamente a estrutura da língua portuguesa falada no Brasil, deixa de lado alguns fenômenos importantes e não dá explicação ou exemplo dos termos citados. Ela é aceita como doutrina oficial, mas boa parte dos gramáticos questiona seu conteúdo e sugere reformulações.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALI, Manuel Said. Gramática histórica da língua portuguesa. 8ª ed. São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 2001.

ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina. 29ª ed. São Paulo:Editora Saraiva. 2000.

______. Gramática metódica da língua portuguesa. 24ª ed. São Paulo: Saraiva. 1973.
BECHARA. Evanildo. Lições de português pela análise sintática. 14ªed. Rio de Janeiro: Padrão, 1988.

BEARZOTI F°, Paulo. Sintaxe de colocação. 4 ed. Atual editora.

Cadernos de língua portuguesa do Instituto de Letras da UERJ. Ano III, vol.1, n° 4, Reedição ampliada, 2003.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

HENRIQUES, Cláudio Cezar. Sintaxe portuguesa para a linguagem culta contemporânea. 2ª ed. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003.

KOCH, Ingedore Vilhaça; SILVA, Maria Cecília P. de Souza. Lingüística aplicada ao português: Sintaxe. 5ª ed. São Paulo: Cortez. 1993.

KURY, Adriano da Gama. Novas lições de análise sintática. São Paulo: Ática, 1986.

LAPA, Manoel Rodrigues. Estilística da língua portuguesa. 11ª ed. São Paulo: Martins Fontes Editora. 1982
MACAMBIRA, José Rebouças. A estrutura morfo-sintática do português. 6ª ed. São Paulo: Livraria Pioneira. 1990.

MACEDO, Walmiro. Gramática da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Presença. 1991.

PERINI, Mário. Gramática Descritiva do Português. São Paulo: Ática, 1995

RIBEIRO, Manoel Pinto. Gramática aplicada do língua portuguesa. 13ª ed. Rio de Janeiro: Metáfora Ed., 2003.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.

[1] A transformação da voz ativa em passiva dá-se com a troca da desinência número-pessoal ativa pela desinência número-pessoal passiva. Neste caso, a desinência número-pessoal passiva de primeira pessoa do singular é –r. Por exemplo: amo(eu amo), amor(eu sou amado).
[2] A palavra passivo prende-se à mesma raiz latina de paixão (passio, passionis) ambas têm relação com sofrer, padecer. (ALMEIDA, GMLP)É importante observar que verbos passivos não possuem imperativo.
[3] Em latim não havia essa regra. A voz passiva também se usava com verbos intransitivos.
[4] Não se deve antepor o pronome reflexivo às formas verbais no imperativo afirmativo. Tampouco, pospô-lo às formas verbais no pretérito perfeito, no futuro simples, no futuro composto e no imperativo negativo.
[5] Cf. BECHARA, Evanildo. MGP, 105.
[6] Rocha Lima não apresenta o agente da passiva entre as demais funções desempenhadas pelo sujeito. (Cf. GNLP 35ª pág. 262)
[7] Como vimos no exemplo, o agente da passiva é antecedido, normalmente, pela preposição por e, raramente, de. No latim, ele é declinado no caso ablativo e antecedido das preposições a ou ab se for um ser animado ou considerado como tal ou sem preposição se for um ser inanimado. Usa-se a diante palavra iniciada por consoante e ab antes de palavra iniciada por vogal.
[8] Cf. HENRIQUES, Cláudio Cezar. SPLCC, 108
[9] Cf. BECHARA, Evanildo. LPAS, 143

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Autoconhecimento, amigos e livros

No dia 24 de junho de 1996, Deus resolveu chamar meu pai. Eu tinha quinze anos, estava terminando o antigo segundo grau e, por um momento, senti falta do chão debaixo dos meus pés. Talvez tenha esquecido, ainda que por um breve tempo, de que aquele mesmo Deus tudo pode. Deixarei os detalhes dessa perda para uma outra oportunidade, prefiro contar o que aconteceu depois dela. Lá vai. Compreendi que precisava ser forte por mim e por minha mãe. Não podia demonstrar abatimento para que o dela não ficasse maior. Continuei a vida de acordo com os ensinamentos paternos. Terminei o atual ensino médio e pensei o que fazer. Naquela altura, não fazia a menor idéia.

Certo dia, recebi um folheto na rua. Naquele papel havia a propaganda de um curso preparatório para concursos militares. Imediatamente, pensei que esse caminho seria uma boa idéia. Caso fosse aprovado na prova, teria formação profissional, estabilidade e salário razoável, ou seja, um sonho para alguém com quinze anos. Esse curso preparatório ficava no Centro do Rio de Janeiro, a mensalidade era acessível, porém não me adaptei à metodologia empregada. Resolvi sair e estudar por conta própria. Em pouco tempo percebi a dificuldade e a necessidade de disciplina para estudar em casa. Não gostei do curso barato, também não poderia pagar um caro. Que surpresa o futuro me reservou...

Além do emprego que minha mãe já tinha há uns sete anos, ela arrumou um segundo. Ela era enfermeira do Sr. Duval de Moraes e Barros, que, por causa da idade avançada, precisava de cuidados especiais. Era outubro de 96, um domingo de manhã, dia de eleições municipais. O plantão de minha mãe era noturno e às sete da manhã, horário em que ela sairia, cheguei ao prédio no qual ela trabalhava para acompanhá-la até sua seção eleitoral.

Uma das filhas do seu Duval, Lucinha, disse para minha mãe que eu subisse, pois gostaria de me conhecer. Cheguei, apresentei-me, tomamos café e começamos a conversar. Perguntou-me se eu estudava, disse-lhe que terminara o segundo grau e que gostaria de continuar estudando. Perguntou-me o quê? Não tinha muita convicção, mas disse-lhe que ainda não queria entrar para a faculdade. Gostaria de fazer prova para o Exército ou para a Aeronáutica.

Para minha surpresa, Lucinha disse-me que seu pai era general, seu tio almirante e um irmão, capitão. Caso me interessasse pela vida militar, estava no lugar certo. Imediatamente, ligou para Brasília e perguntou para seu irmão qual seria o melhor curso preparatório em sua opinião. Ele disse que era o Tamandaré e lá estava eu com uma bolsa de estudos nas mãos.

Fui matriculado no colégio-curso Tamandaré, Rua Evaristo da Veiga, na turma da manhã. Percebi que teria dificuldades para sair de Caxias e chegar ao Centro do Rio às oito da manhã – na época, morava em Duque de Caxias. Disse isso para Lucinha e para Maria Helena, a outra filha do general. Prontamente, disseram-me que poderia ficar no apartamento delas enquanto estudasse. Do apartamento à escola, havia uma distância de cinco estações do metrô. Elas moravam em Botafogo, o curso ficava na Cinelândia.

Essas duas irmãs de coração generoso – que Deus as retribua – deram-me bolsa de estudos de dois anos, material didático, moradia, alimentação e transporte. Dessa forma vi a solução de vários problemas ao mesmo tempo. Ocuparia meu tempo estudando, ficaria mais tempo perto de minha mãe, morando no trabalho dela e começaria a traçar meu futuro.

Estudei por um ano, fiz a prova e não passei. Na verdade, com aquela idade, não fazia idéia do grau de dificuldade, achava que seria moleza. Não sei se foi por culpa da reprovação ou da confusão de minha cabeça, mas resolvi parar de estudar no Tamandaré. Talvez tenha sido a primeira decisão importante de minha vida, independentemente de ter sido correta ou não. Quando informei às minhas “madrinhas” sobre a decisão, percebi que ficaram um pouco chocadas. Elas me compreenderam e me deram um cheque com o valor das dez mensalidades que faltavam para que a bolsa de dois anos terminasse, conforme prometeram. Usei o dinheiro em outros cursos, como de informática e de inglês.

Afinal, o que havia dado errado? Até hoje não sei, mas tenho certeza de que cada esforço, meu e delas, valeu a pena. Naquela fase, apaixonei-me realmente pelos estudos e toquei minha vida. Continuei a estudar e, alguns anos depois, em 2003, fui aprovado no vestibular da UERJ. Primeira tentativa e fui aprovado. Hoje, não consigo afastar-me dos livros, dos conhecimentos gerais, dos museus e das pesquisas pela internet.

Que eu descubra em mim a força de que preciso para estudar sempre. Preciso estudar meu minhas forças, potencialidades e fraquezas. Preciso de disciplina para os estudos acadêmicos dos quais não pretendo afastar-me. Que venha o futuro, acompanhado de autoconhecimento, amigos e livros. Por enquanto, é só.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Trocando a bateria

Outro dia, como de costume, levantei-me cedo e comecei a traçar o roteiro do que pretendia fazer. Era um sábado. Como não precisei ir ao curso de inglês, dei-me ao luxo de ter a manhã só para mim. Pensei em pedalar, visitar um museu ou, simplesmente, olhar vitrines. Decidi pedalar. Arrumei a bicicleta, peguei minhas coisas, garrafa d'água, relógio e percebi que este estava parado. Relógio que atrasa não adianta, muito menos um que esteja parado...

Imediatamente detectei o problema: a bateria estava esgotada. Lembrei-me de que na esquina do quarteirão onde moro havia um camelô que trocava baterias e fazia pequenos consertos. Desci e fui dar nova vida ao meu watch. Desculpe-me pelo estrangeirismo, mas preciso gastar o inglês.

Chegando ao estabelecimento do rapaz, apresentei meu problema:

– A bateria do relógio acabou e eu preciso que você ponha uma nova. Quanto custa?

– Olha, a original ‘tá saindo a cinco reais e a outra sai por quatro.

Essa foi a resposta que recebi do rapaz após minuciosa inspeção na peça. Particularmente, desconhecia a existência de bateria original ou similar. Para mim, só existia um tipo. Após alguns segundos, com um sentimento de impotência, pensando que algum dia deva ter comprado uma similar pelo mesmo valor da original, fiz a pergunta que mais me intrigava naquele momento.

– E qual é a diferença?

– Um real.

Não sei se senti raiva, ódio ou coisa parecida, só sei que não foi nada bom. Preferi acreditar que o rapaz não havia compreendido o teor da minha pergunta e, dessa forma, respondeu-me o óbvio. Apesar de sempre ter levado bomba nas provas de matemática, ainda me lembro de que cinco menos quatro é um.

Minha cabeça ficou ainda mais confusa e, por medo de não ouvir uma resposta satisfatória para outras dúvidas que surgiram, preferi guardá-las para mim. Será que, na opinião dele, eu não sabia fazer aquela dificílima conta? Será que demonstrei total incapacidade intelectual para compreender as especificações técnicas que faziam da bateria original um produto indubitavelmente melhor e, por isso, mais caro? Ou será que, por ser uma pessoa com altíssimo raciocínio lógico-matemático, o rapaz associou minha pergunta com o resultado da operação fundamental que tem por nome subtração?

De qualquer forma, a manhã de sábado prometia. Não podia ficar parado ali, precisava agir. Sem pensar no prejuízo que poderia ter, fui curto e grosso. Fiz cara de quem conhece todas as outras diferenças entre uma e outra, além da monetária, e pedi a bateria original.

Para minha felicidade, o problema foi resolvido. Pus o relógio no pulso e dividi bem meu fim de semana, fazendo tudo que havia planejado. Não sei se por sorte do rapaz ou pela incontestável qualidade das baterias originais, mas, até o presente momento, meu relógio funciona.

A porta do canto

O excesso de cuidados às vezes assusta. Cada um cuida daquilo que lhe agrada. Há pessoas que cuidam muito bem do jardim. Há outras que dispensam cuidados especiais aos animais, aos livros, às coleções e a tantas outras coisas.

Conheço uma mulher que tem uma verdadeira devoção por seu guarda-roupa. Não ria, nem ache estranho. Não é um guarda-roupa qualquer. É uma herança deixada da avó para a mãe e desta para Célia. Um lindo móvel de jacarandá, madeira de lei. Todos os dias ele recebe uma generosa camada de cera protetora. Depois disso, meia hora de flanela macia e lá está ele. Um brilhante troféu protegido pela segurança de duas trancas que a porta do quarto tem.

É um móvel com história, relíquia de família. Traz lembranças que aquecem o coração de sua dona. Dentro dele há recordações que talvez sejam insignificantes para todos, mas para aquela mulher é o resgate de suas origens e um estímulo para o futuro.

Célia é uma mulher de seus 45 anos que perdeu a mãe quando tinha 15. Não se deu bem com a madrasta e, por isso, foi viver com a irmã de sua mãe. São anos de responsabilidade e trabalho. Talvez tenha sido isso que a impediu de casar. Não sei. Ela tem de tudo de que precisa no quarto que ocupa na casa da tia. Cama, cômoda, rádio, TV e o guarda-roupa, que vale mais que dinheiro.

Ela não precisa de espelho, seu reflexo pode ser visto nas portas do amado armário. Célia tem um bom coração. Não é invejosa nem orgulhosa. Capaz de tirar a roupa do corpo para cobrir um necessitado, porém não permite que ninguém entre em seu quarto. Diz que faz parte de sua intimidade, que as coisas só são importantes para ela e que a energia dele é para ela.

O guarda-roupa tem três portas. Na porta da direita, ficam as roupas do dia a dia, na do meio, as roupas de passeio e de trabalho. É atrás da porta do canto, que fica encostada na parede, que Célia esconde seu segredo. Porta aberta e é possível ver um pequeno altar. São fotos de entes queridos e de alguns guias de luz, copo com água, flores, livros com reza, cinzas da mãe e da avó de Célia e muito sentimento.

Quando Célia se tranca naquele quarto, o mundo exterior acaba. Ela faz preces e pede luz. Sua alma fica leve, se enche de esperanças, a tristeza via embora, e uma porta se abre para um mundo invisível.

Através daquele altar, a mulher tem acesso ao passado. Ela reencontra seus parentes e amigos que já partiram e compartilham memórias e experiências esquecidas ou impossíveis para a matéria. A ideia de tempo não existe. Ela pode reviver momentos de sua infância, da infância de sua mãe ou de sua avó, por exemplo.

Nessas experiências, Célia pode acompanhar o casamento de seus avós, que aconteceu em 1936. Pode também saber do paradeiro de dois tios que foram entregues pela avó para adoção. A família acreditava que eles morreram por causa de doenças da infância. Quando ela se encontra com seus amigos e parentes, não sente tristeza, mágoa ou sentimentos assim. Só há espaço para perdão e esclarecimentos. Célia tem encontrado resposta para dúvidas e a origem de certos problemas.

Cada dia que passa, os encontros duram mais tempo. Quando Célia se esquece de ir, os guias a chamam. A relação dela com eles está tão forte que ela já consegue se comunicar com eles em outros lugares, mesmo que não sejam tão reservados quanto o quarto.

Acho que qualquer dia Célia não vai querer voltar de sua palestra. Ela tem-se interessado muito mais pela vida invisível que pela visível, porém, antes de atravessar aquele portal, ela precisar presentear alguém com aquele móvel, para que sua energia continue iluminando a escuridão da curiosidade e da dúvida.

O móvel é um portal que conduz ao ontem, para que o amanhã seja menos triste. Hoje, ontem e amanhã. Isso é importante do lado de cá. Do lado de lá, não. Eles são a mesma coisa. Célia está saindo do quarto. Tive medo que ela atravessasse para lá. Não quero que me veja escrevendo. Acho que vai me contar algo sobre sua última experiência. Caso saiba de algo novo, escreverei mais tarde...

Romilda, do sítio à calçada

Do alto desta colina posso ver algumas crianças brincando. Brincadeira de roda, pega-pega, pique-esconde, tudo que a criatividade infantil é capaz de criar para impedir a amargura dos corações adultos. Eles colhem as frutas da estação direto das árvores. E eu pensava que os sucos saem das garrafinhas do supermercado... As palavras que resumem suas vidas são felicidade e incerteza. Eles vivem sem saber o que eu sei. Eu consigo vê-los, mas eles não me veem. Estou no presente, eles, no passado. O que nos separa é o tempo, o que nos une é a lembrança de uma pessoa que aprendi a respeitar.

O respeito não deveria ser uma opção, deveríamos respeitar o outro e pronto. Preciso me aproximar, abrir o coração para alguém com o coração aberto e me preparar para ganhar. Ganhar dignidade, beleza, carinho, conhecimento e respeito de alguém que não tem isso suficiente para si. Aquela que era transparente tomou cor, orgulhou-se disso e apareceu. Apareceu porque reconheceu que tem nome, história, vida. E é sobre vida que quero falar, sobre as voltas que a vida dá.

Romilda e seus irmãos vivem em uma cidadezinha no interior do Espírito Santo, em meados dos anos 40. Sua mãe é neta de ex-escravos, aprendeu o pouco que sabe com a rudeza de seus pais e com o desdém da sociedade capixaba. Para uma mulher nessas condições, sem estudos, sem trabalho e longe de tudo, o que lhe resta é o casamento. E foi isso que aconteceu. A vida lhe permitiu um casamento razoável. O marido tem um pequeno comércio que lhes permitiu comprar um sítio. Em um hectare de terra – aproximadamente dez mil metros quadrados – eles criam galinhas, cabras e porcos. As árvores e os canteiros fornecem quase tudo de que eles precisam para alimentação.

Romeu se divide entre o armarinho e o sítio. Sua mulher, Hilda, cuida do sítio e às vezes, dos filhos. O serviço é dividido com um agregado que se chegou com o tempo. Quando olho para Hilda, acho que lhe falta amor pelos filhos. Acho que surgiram como uma conseqüência da vida digna que o casamento com Romeu permite. São seis anos de casamento e três filhos, Romilda e Romildo, que são gêmeos e têm cinco anos e Romeuzinho, que tem três. Por que será que é tão difícil aceitar o que a vida nos oferece? Hilda sempre sonhou com um casamento como este, mas não havia pensado nas responsabilidades que isso exige. Os cuidados com os filhos, o cuidado com a propriedade da família, a fidelidade, isso tudo a incomodava. O cuidado com o sítio era uma das poucas alegrias que tinha.

Com o passar dos anos, Hilda percebeu que nunca gostou de Romeu, e sim da vida tranqüila que ele dá. É claro que ele não é um anjo, mas é um chefe de família exemplar, que só se dedica às coisas da família. Por isso, aceitou que um parente de um amigo seu viva como agregado em uma casinha de dois cômodos no sítio, para diminuir o peso das costas da mulher e para que esta tenha mais tempo para os filhos do casal. Bom seria que tivéssemos o poder de prever o futuro! Quantos passos deixaríamos de dar!

Depois que Adão, o agregado, veio viver no sítio, tudo parece que ganhou mais vida. Os animais engordaram, as árvores ficaram mais carregadas, o capim bravo deu lugar às ervas, verduras e legumes – a horta é uma coisa linda. As crianças recebem pouco carinho, mas são felizes com o que têm. Em uma cidade onde poucos moradores têm muito e muitos não têm nada, ter alguma coisa é uma vitória. A dedicação ao sítio era uma expressão da gratidão que Adão tem pela família que o acolheu. Romeu não precisa sair do armarinho para nada. Sai de casa de manhã e volta no final da tarde, sabe que tudo está em boas mãos. Em boas mãos...

Faz pouco que Hilda começou a se encantar com o agregado. Adão, solteiro, sempre prestativo e com uma grande vontade de ser dar bem na vida, percebeu que, cativando a mulher, pode conseguir um pé de meia. Os serviços que ele prestava ao sítio lhe renderam casa, comida e uns trocadinhos. Os serviços que ele prestava a Hilda lhe renderam uma ampliação na casinha em que vive. Dois ingratos!

Com o passar do tempo, a cobiça plantou ideias más na cabeça de Adão. Pensou em dar um fim à vida do homem que lhe estendeu a mão. O destino não permitiu que isso se cumprisse e, subitamente, levou Romeu. Uns dizem que foi coração, outros dizem que foi um tumor na cabeça. Adão diz que foi sorte.

Com Hilda viúva, a bola da vez é Adão, que assumiu de vez o sítio. Dormiu agregado e acordou dono de tudo – era assim que ele se via. Ele fez com Hilda o que esta fizera com Romeu, casou de olho no conforto. Sua atenção se voltou para o sítio e, quando não consegue nenhuma mocinha por fora, lembra-se de Hilda. As crianças são menos importantes que os animais, afinal, não são seus filhos.

Adão fez o que quis com a propriedade. Precisou vender uma parte para quitar dívidas antigas. Assim que pôde, arrumou uma amante fixa. Uma mulher que foi escolhida, diferente de Hilda, que foi-lhe apresentada como parte de um pacote quando foi aceito como agregado. Quando Hilda descobriu, quis separar-se, e, prontamente, Adão concordou – a união durou uns dois anos. Ele fez seus cálculos e ficou com a metade do sítio que sobrou. Agora, Hilda tem menos da metade do sítio original e se responsabiliza por tudo sozinha.

Mas Hilda também não é mole. Usou a desilusão amorosa para aproximar-se da bebida e de alguns homens da região. A falta de instrução fez com que ela engravidasse mais duas vezes e de homens diferentes. Nenhum deles quis assumir a responsabilidade de viver com a mulher e as crianças. Ela era de todos e de ninguém. A essa altura, os gêmeos estavam com uns onze anos e nunca haviam freqüentado a escola.

Certo dia, o Presidente Getúlio Vargas participou da inauguração de uma ponte em uma cidade próxima, mais avançada que a de Hilda. Para lá foram as autoridades locais e muitos populares. Afinal, era uma oportunidade de ver o Presidente de perto. Essa foi a chance que Hilda teve para resolver sua vida. Ela pensava que conseguiria uma vida melhor para seus filhos e mais sossego para si.

A mulher não conseguiu se aproximar de Vargas, sequer o viu, mas recebeu atenção de um major carioca que fazia parte da comitiva presidencial. Hilda contou-lhe sua história e disse que sua maior dor era ver seus filhos impossibilitados de estudar. Até parece!

O major realmente se comoveu com a situação e aproveitou para fazer uma média com os presentes e com o Presidente. Em um ato de caridade, comprometeu-se em apadrinhar Romilda, trazendo-a para viver no Rio de Janeiro, na companhia de sua mulher e de sua própria filha. O menino não teve a mesma sorte. O máximo que sua mãe lhe arrumou foi um trabalho em uma fazenda próxima. Romilda e Romildo nunca mais se viram.

A vida da menina mudou da água para o vinho. Ganhou roupas, calçado, armário, cama e matrícula na mesma escola onde estudava a filha do major. A esposa do major, dona Esmeralda, era meio indiferente em relação às atitudes do marido. Não gostou da vinda da menina, mas também não reclamou. No fundo, viu a possibilidade de transformar Romilda em dama de companhia da filha e empregada da casa.

Diante do marido e das visitas, Esmeralda tratava Romilda com certa delicadeza. Gostava de ser chamada de madrinha. Na ausência de todos, a menina era explorada. Ajudava na limpeza da casa, nas compras, nos cuidados com o cãozinho de estimação e fazia o papel de copeira, enquanto isso, a filha do casal passava o dia no quarto estudando e ouvindo vitrola. Segundo Esmeralda, a menina era frágil e não agüentava as tarefas de casa, como a ágil e esperta Romilda. Cretina.

Um dia, como era de costume, Esmeralda trouxe as meninas da escola e saiu para a casa das amigas. Dona Esmeralda não havia preparado nada de comida e, segundo ordens dela, nenhuma das meninas podia mexer no fogão. A filha do casal, que aprendeu a usar os favores da agregada, queixou-se de fome. Prontamente Romilda preparou-lhe um sanduíche de queijo com marmelada. Não sabia ela o problema que estava arrumando...

Quando Esmeralda chegou e descobriu que Romilda havia mexido na cozinha sem sua permissão, ficou furiosa. E olha que não foi preciso acender o fogão para fazer um sanduíche. A menina foi humilhada, chamada de insolente e, como se não bastasse, levou uma surra com o pesado tamanco de sua madrinha. A má-drinha bateu na menina como se bate em gente grande, chegou a tirar-lhe sangue. Isso foi meio que uma forma de vingar-se do marido, provando-lhe que não foi boa coisa trazer a menina. O major, envenenado pela esposa, acabou deixando Romilda com outra família. Nessa outra família, Romilda era somente uma agregada que precisava pagar pela casa e pela comida com trabalhos domésticos. O casal dava a casa e os filhos mais velhos a comida.

Com vinte anos, Romilda se cansou da vida que levava com essa última família e fugiu. Pensou em voltar para casa de sua mãe, mas, segundo um conhecido, sua mãe adquirira problemas psicológicos, matara o filho mais novo e desistiu de viver. O que Romilda faria de volta à casa materna? Nada. Por isso, resolveu ficar no Rio de Janeiro.

Nossa personagem conseguiu trabalho em feiras, casas de família, mercearias e sempre arranjava um jeito de se instalar por uns tempos em algum lugar. Nunca teve uma casa sua. Não se casou e não teve filhos. Décadas se passaram e ela não pode mais trabalhar. Seu último endereço é uma calçada da Rua dos Inválidos, centro do Rio. De fome ela não morre, assim dizem os frequentadores da igreja, que sempre lhe servem as refeições.

A idade chegou e ninguém se lembra dela. Perdeu sua identidade, sua dignidade e a esperança de um amanhã. Pelo contrário, seu desejo é que não haja um amanhã. Do sítio à calçada, Romilda só pisou em espinhos e desfrutou do pior da vida. A calçada está vazia e os pedestres percebem, apenas, que há mais espaço para andar. Cadê Romilda? Ah, tá! Agora, quem me vê do alto é ela.

Nunca vi esta...

Anísio José era um pernambucano arretado. Gostava de uma boa pinga – e da que tivesse disponível na falta da boa – de jogo e dos carinhos das mulheres nordestinas. Beber, jogar e gostar de chamego nunca foi vergonha. O problema é que o Nissinho, este era o nome pelo qual chamavam Anísio fora de casa, era casado, tinha mulher e seis filhas para sustentar.

– Eu bebo e jogo, eu sei, mas eu trabalho também! – Este era o original discurso de Nissinho, como se estivesse fazendo um grande favor para a humanidade...

Carteado é uma desgraça. Perde-se 100 pratas e quando o bom jogador cansa, o ruim ganha 10 e ainda sai contente. Se depender de minha autorização, boa sorte. Pode sair do trabalho e dedicar-se ao jogo.

Nosso rei da jogatina trabalhava para a prefeitura e sua especialidade eram as pedrinhas portuguesas. Justiça seja feita, ele era um bom profissional, fazia bem seu serviço e, quando os compromissos mais importantes deixavam, fazia uns bicos para a vizinhança. Final de mês, dinheiro no bolso e sorriso na cara. Finalmente a recompensa pelo suor derramado no calçamento das ruas de Recife.

A Lurdinha, mulher do Nissinho, já tinha um pé atrás com o marido. Quando chegava o fim do mês ela tentava com unhas e dentes salvar, pelo menos, as compras das crianças. Geralmente, o dinheiro só dava para o básico: arroz, feijão, farinha, banha, pouco açúcar, leite para o bebê pequeno, fubá, carne de sol e bacalhau – naquela época, o bacalhau era barato, caro era o frango. Quando sobrava algum, ele fazia festa. Comprava uma melancia ou uma jaca e as crianças se encarregavam de destrinchar e fazer a divisão.

Naquele dia algo estava cheirando mal, dizia Lurdinha. A hora de Nissinho chegar com o dinheiro das compras era por volta das duas da tarde. Já eram quatro e meia e nada. Impaciente, a mulher ia de casa para o portão e do portão para casa. Em meio a essas idas e vindas, quem passa pela frente de casa? Um colega de trabalho do marido demorador.

– Boa tarde dona Lurdes, disse o homem de passagem.
– Zé, chega aqui, você viu o Anísio?

Pronto, o diabo já atenta sozinho, quanto mais quando alguém o cutuca...
– Vi sim, Lurdinha.

Viu? A formalidade ficou pra trás. Não se pode dar confiança. O língua de trapo já quer fazer amizade.

– Pois sim, então diga.

O Zé não sabia se dizia a verdade ou uma mentira, mas não podia perder a oportunidade de prestar um favor a uma mulher com os encantos de Lurdinha. Pensou duas vezes e soltou o verbo.

– Sabe o que é? Olha, vai morrer entre nós, mas o Nissinho não recebe da prefeitura o que ele diz pra você...

A mulher arregalou os olhos de raiva e tentou imaginar a real quantia. Não acredito que adiantaria falar os valores reais, ela não sabia fazer contas, mas de todo modo, um pouco de honestidade familiar não faz mal a ninguém! E o Zé continua...

– Quando seu marido recebe, ele já separa o do jogo, o da pinga e o das meninas.

Quando Lurdinha ouviu falar em meninas pensou que eram as filhas do casal. Ela não conhecia a Casa das Primas, lugar aonde os homens iam para jogar, beber, dançar e dar uns beijos nas meninas que se tratavam como primas... É bom não entrar em detalhes.

– Eu sei que ele bebe e joga, seu Zé. Eu só quero o dinheiro das meninas...

Foi aí que o Zé explicou quem eram as meninas para as quais o Nissinho guardava a grana. Nesse momento, Lurdinha botou a cachola para funcionar e teve uma ideia. Decidiu ir ao encontro do marido antes que este gastasse o que não tinha.
– Seu Zé, você me leva na Casa das primas?!

Ele não teve coragem de levar, mas ensinou o caminho direitinho. O circo estava armado. Anísio, a casa caiu.

A esperançosa Lurdes toca a campainha do estabelecimento e, em instantes, um leão-de-chácara abre uma janelinha na porta. O homem se espantou, porque conhecia Lurdinha de vista, sabia que não estava procurando emprego e pior, que seu marido estava lá dentro.

– Oi, o que a senhora quer? – Dá vontade de responder "doces ou travessuras..."

Demonstrando calma, ela disse que queria entrar para conversar com o marido.

– Mas dona Lurdes, a senhora não pode entrar aqui não. Aqui não é lugar, mesmo porque hoje é a festa do cabide. É ordem do gerente!

Até parece que ela sabia o que é uma festa do cabide. A pergunta foi inevitável.

– Mas, moço, o que é festa do cabide?

– É uma festa que para entrar a pessoa tem que tirar a roupa e botar ali. Falou o segurança, apontando para um cabide que já não conseguia sustentar as peças de roupa.

Como a única coisa que ela tinha a perder era o dinheiro das compras, ela não fez por menos. Puxou o zíper do vestido que usava de cima até em baixo e, forçando a porta para entrar, entregou-o na mão do segurança. Sabe aqueles dias em que você quer mais é ver o circo pegar fogo? O segurança estava num desses dias. Fingiu que não viu e abriu passagem para que a justiça fosse feita, pensou ele.

Se Deus acabar com o mundo, Ele vai começar pela Casa das Primas. O lugar é de dar medo pra quem não conhece. Só dá cliente esquisito e mulheres em fim de linha, apesar da pouca idade delas.

A música estava tocando, alguns frequentadores estavam na pista de dança, outros, no bar e alguns nas mesas de jogos. Cadê o Anísio, pensava a quase mariticida. Até que, finalmente, o gastoso foi visto em uma mesa cercado por duas meninas. A mesa estava cheia de garrafas de cerveja vazias e de pratinhos de tira-gosto. Nissinho estava tão eufórico que não viu sua mulher se aproximando.

Na altura do campeonato, não adianta fazer um escândalo. É melhor chegar de mansinho e arrancar o meu na diplomacia, pensou Lurdinha. Ela se aproximou da mesa, tocou no ombro do marido e cochicho-lhe ao ouvido.

– Anísio, olha a vergonha que eu tô passando aqui. Me dá o dinheiro das compras das suas filhas, homem de Deus.

Ele fingiu que não era com ele. Não disse que sim nem que não e continuou enchendo o copo de suas amigas. Até que a curiosidade de uma delas falou mais alto...

– Nissinho, quem é essa mulher?

O sonso olhou a esposa de cima até em baixo como se nunca a tivesse visto e disse para a menina perguntadora.

– Olha, gracinha, nunca vi essa piranha!

O gosto de sangue veio à boca de Lurdinha e ela só não quebrou uma garrafa no marido porque não queria testemunhas de sua viuvez planejada. Mais que depressa, saiu do estabelecimento e pensou em dar um prejuízo ao marido.

Ela passou a mão em um porrete e, com espírito malfazejo, escondeu-se na esquina pela qual o marido passaria se um dia resolvesse voltar para casa. A consciência lhe pesou e ela trocou o porrete por uma palha de coqueiro, mas preparou a parte do talo que machuca mais.

Nissinho se desculpou pelo desconforto e se despediu das meninas. Como um patinho, caiu na arapuca da esposa e passou justamente pelo caminho do acerto. Toma, safado! E lá estava o homem no chão. Caído mais por conta da bebida que da palha de coqueiro.
A mulher achou que havia cumprido com seu intento e foi correndo para casa. Pensava consigo que iria arrumar suas filhas e fugir para a casa de parentes distantes.

– Minhas filhas, eu vou arrumar vocês pra gente ir na casa da madrinha de vocês. E parou por aí. Ela não era boba de falar da pancada...

A criançada tomou banho, se arrumou e juntou alguns pertences para o tempo em que ficariam fora. Quando a mulher finalmente se considera pronta para sair, quem entra pela casa chamando Lurdinha? Pois é, Anísio disse que algo havia caído na cabeça dele e que tinha desmaiado, mas já estava bom. Não se sabe se era fingimento ou não, mas lá estava o boêmio. Cansado de guerra, tirou a roupa e foi tomar um banho. Nunca se deitava sem banho – pelo menos, isso.

Como a esperança é sempre a última que morre, Lurdinha deu uma vasculhada no bolso da calça e encontrou um qualquer. Não era o que precisava, mas era melhor do que nada. Guardou o dinheiro para as compras do próximo dia e fez que não era com ela. Após o banho, o marido pediu janta e saiu, um pouco, do porre. Quando passou a mão no bolso da calça, deu falta do dinheiro e perguntou para mulher se ela havia visto. O que acha que ela respondeu? Sim eu acabei de tirar... Claro que não! Você diria? Ela aproveitou as aulas de dissimulação que tivera com o marido e de estalo respondeu:

– Tá vendo Nissinho?! Te deram com algo na cabeça pra te roubar, filho!

Tudo se acalma, a mulher coloca as filhas para dormir e se deita. No outro dia, ela acorda cedo e vai fazer suas comprinhas. Conseguiu comprar tudo o que precisava e teve uma surpresa: Não é que a grana dava pra compra uma melancia e uma jaca!