tag:blogger.com,1999:blog-7367152622686006382024-03-22T07:39:35.552-03:00Porções de PensamentoAlfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.comBlogger54125tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-18210962484915107862020-04-02T19:18:00.000-03:002020-04-07T18:24:29.209-03:00<br />
<head><b>O Medo da Covid-19</b><br />
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Em meio à pandemia de Covid-19, seguindo as orientações das autoridades de saúde mundiais, a melhor forma de prevenção é o isolamento social e a adequada lavagem das mãos. Dessa forma, os saudáveis não se contaminam, e os doentes não transmitem a doença. Assim, muda-se a rotina e surge a necessidade de adaptação a uma nova realidade.<br />
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Antes disso tudo, na correria do dia a dia, trabalhávamos para conquistar coisas e não tínhamos tempo para cuidar delas exatamente pela necessidade de estar na rua. Agora, durante a quarentena, apesar da possibilidade de teletrabalho para alguns profissionais, sobra tempo, e aí percebemos o quanto éramos felizes sem saber.<br />
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Ir ao supermercado transformou-se em um evento, porque temos a chance de ver pessoas conhecidas; conversar, ainda que a distância do interlocutor; tomar um sol no caminho e lembrar do cheiro de pipoca feita na hora, da senhora que vende bolo, da agitação da rua, dos engarrafamentos, do vai e vem de gente, do grito das crianças, da correria dos estudantes saindo da escola, da calçada disputada por camelôs... Sentimos falta até do que nos irritava.<br />
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Agora está cada um na sua casa, e devemos ser gratos por isso, porque há pessoas sem um lugar para chamar de seu em que se possam proteger. Alguns planos ficaram para trás, pois tinham dia certo; outros ficarão para uma data que esperamos ser próxima, mas no fundo ninguém sabe quando voltaremos à normalidade.<br />
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Por enquanto, resta-nos a esperança de que esta é uma fase, um desafio que será superado como diversos outros foram. Precisamos manter-nos vivos, saudáveis e com nossa saúde mental em dia. Milhares já morreram pelo mundo, e outros podem ter o mesmo destino, mas os que ficarem precisam ser fortes, amparar os enlutados e ver nisso uma oportunidade de repensar os caminhos que trilhamos, as prioridades que definimos e os casos em que lavamos as mãos à maneira de Pilatos.<br />
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Nunca nos esqueceremos dos momentos que estamos vivendo, mas quem vencer sairá mais forte, confiante, valorizando o que de verdade temos de mais importante: a vida, os parentes e amigos com saúde e tudo aquilo que agora está fazendo uma falta danada.</head><br />
Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-41335615313208453382014-01-30T18:41:00.000-02:002014-01-30T19:22:52.186-02:00Marginais e Desviantes: uma breve análise sobre a imposição de regras<b><b><b>INTRODUÇÃO</b></b></b><br /><br />
Este trabalho é composto, basicamente, por dois capítulos: o primeiro preocupa-se em resumir e fichar dois textos que fazem parte do livro <i>Uma teoria da ação coletiva</i>, de Howard Saul Becker, um sociólogo e professor universitário norte-americano; o segundo, relaciona as ideias centrais dos textos a outras fontes.<br /><br />
Como é sabido, um resumo não pode ser profundo a ponto de o leitor desinteressar-se pela fonte nem tão superficial a ponto de não apresentar minimamente o material de base. Assim, espera-se que se tenha chegado à boa medida.<br /><br />
Em relação ao fichamento, dentre os mais comuns, optou-se pelo tipo de transcrição, segundo o qual se destaca do texto, <i>ipsis litteris</i>, os excertos considerados mais significantes, para que sirvam de guia para a exposição do tema e para que os leitores tenham ideia da dimensão do enfoque do autor dos originais. Assim, evitou-se repetição desnecessária, caso se escolhesse o tipo “fichamento de comentário”, por exemplo, tendo em vista que esta foi a preocupação das seções seguintes deste trabalho.<br /><br />
Na seção destinada à ideação, por sua vez, os textos lidos foram correlacionados ao conto <i>O Alienista</i>, de Machado de Assis; à música <i>Apesar de você</i>, de Chico Buarque; e ao direito de resistência, incluído explicitamente na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa e implicitamente na Declaração de Independência dos Estados Unidos. Para esta empreitada, serão considerados a objeção de consciência, o direito de greve, a desobediência civil, a autodeterminação dos povos e o direito à revolução.<br /><br />
Por fim, na seção dedicada à crítica, abre-se um espaço para uma análise mais livre, relacionando fragmentos dos textos a informações e exemplos externos, agregando um pouco das experiências pessoais dos membros que compuseram este trabalho, com o objetivo de entender a aplicação dos conceitos estudados à sociedade em que se vive.<br /><br />
Deseja-se que esta seja uma boa leitura e que cumpra adequadamente seu objetivo!<br /><br />
<b>1. PARTE I</b><br /><br />
<b>1.1 Resumo</b><br /><br />
No terceiro capítulo, intitulado “Marginais e Desviantes”, Becker afirma que todos os grupos sociais fazem regras e tentam, de alguma forma, fazer com que sejam seguidas. A partir daí, elas determinam o comportamento mais apropriado para cada situação social, estabelecendo o que é “certo” ou “errado”. Diante disso, há duas óticas para a questão do desvio, pois as pessoas consideradas como marginais ou desviantes pelo fato de não terem se adaptado podem entender que quem os julga são os verdadeiros “marginais”, tendo em vista que impuseram regras de cuja elaboração nem todos participaram.<br /><br />
Na sequência, o autor esclarece as situações de transgressão e de imposição de regras, e os processos pelos quais algumas pessoas transgridem ou impõem regras. Para isso, é preciso entender que há regras de muitos tipos, as quais podem ser formais, como as leis, ou informais, cuja desobediência não está submetida ao poder de polícia do Estado, mas a sanções informais de várias espécies. Além disso, a responsabilidade pela imposição das regras pode ser responsabilidade de um corpo especializado, no primeiro caso, ou de toda a coletividade ou membros de um grupo, no segundo. Nesse ponto reside a principal preocupação daquele estudioso: as regras mantidas vivas por meio de tentativas de imposição.<br /><br />
Dito isso, Becker informa que a pesquisa científica buscou resposta para diversas perguntas a respeito das possíveis causas que levariam alguém a desviar-se das regras do grupo. Então, duas premissas do senso comum foram aplicadas, a primeira acredita que haveria algo inerentemente desviante em relação a atos que transgridem regras sociais, já a segunda aceita a existência de alguma característica intrínseca ao desviante, a qual o levaria à inobservância da regra.<br /><br />
Isto posto, na tentativa de definir “desvio”, o professor estadunidense apresenta três definições utilizadas por cientistas, para, na sequência, verificar o que ficaria de fora, caso fossem tomadas como ponto de partida. A primeira delas é essencialmente estatística, a qual fixa como desviante qualquer coisa que varie de forma ampla em relação à média, mas essa definição está muito afastada da preocupação com a quebra de regras que inspira o estudo científico de marginais e desviantes. A segunda delas, sob uma ótica médica, vê o desvio como algo patológico, revelando a presença de uma “doença”. Porém, se há divergências quanto ao que seria um estado saudável do organismo, imagine-se a dificuldade de se especificar o que é funcional ou disfuncional para uma sociedade ou grupo social. Por fim, segundo uma visão sociológica, desvio seria o fracasso em obedecer às regras do grupo.<br /><br />
Esta última, apesar de ser a que mais se aproxima da definição do autor, não oferece o embasamento necessário às ambiguidades que surgem na deliberação de quais regras devem ser aceitas como ponto de comparação para que um comportamento seja medido e julgado desviante. Em razão disso, o teórico sugere que se deve utilizar uma definição que permita lidar com situações ambíguas ou não.<br /><br />
Nesse diapasão, supor que os desviantes constituam uma categoria homogênea, porque cometeram o mesmo ato desviante, ignora o fato de o desvio ter sido criado pela sociedade, haja vista que os grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui desvio. Portanto, não há que se falar em uma característica intrínseca ao desviante ou certa situação de vida, pois o desvio é a consequência da aplicação por outras pessoas de regras e sanções a um suposto transgressor.<br /><br />
A essa altura, o autor sublinha que o grau em que outras pessoas reagirão a um ato dado como desviante varia conforme o tempo, a pessoa que o comete e aquela que se sente prejudicada. Assim, além de entender que as regras tendem a ser aplicadas mais a algumas pessoas do que a outras, deve-se ter em mente que algumas delas são impostas somente quando resultam em certas consequências. Logo, apontar se um ato é desviante ou não dependerá da natureza do ato e do que outras pessoas fazem em relação a ele.<br /><br />
No final do referido capítulo, há diferentes circunstâncias em que as pessoas tentam impor suas regras a quem não as subscreveu. Na primeira delas, apenas os membros do grupo têm interesse em impor certas regras; na segunda, os membros do grupo julgam importante que membros de outros grupos obedeçam às regras. Assim, o texto indica que forçar outras pessoas a aceitar regras tem relação com o poder político e econômico de quem pratica a imposição.<br /><br />
Continuando, já no quinto capítulo do livro, Becker analisa as pessoas que fazem e impõem as regras às quais os estranhos não se adaptam e, por isso, são chamados de marginais e desviantes. Aduz que a existência de uma regra não garante automaticamente que ela será imposta, pois nem sempre a sociedade fica prejudicada e atua no sentido de restaurar o equilíbrio depois de uma quebra de regras.<br /><br />
Destarte, regras só são impostas quando algo provoque a imposição, a qual exige explicação baseada em diversas premissas: alguém deve tomar a iniciativa de punir o culpado; a imposição ocorre quando aqueles que desejam que a regra seja imposta chamam publicamente a atenção dos outro para a infração; o tipo de interesse pessoal que induz à imposição varia conforme a complexidade da situação para produzir tanto a imposição de regras como o fracasso da imposição.<br /><br />
Entretanto, em casos em que dois grupos competem pelo poder da mesma organização, a imposição ocorrerá apenas se os sistemas de compromisso que caracterizam a sua relação se romperem; caso contrário, o interesse de todos fica melhor satisfeito permitindo-se que as infrações continuem. Portanto, o que em outras situações seria uma infração passa a fazer parte de uma rede de troca de favores, cujo objetivo é não denunciar uma infração para não ser denunciado.<br /><br />
Acrescenta o sociólogo que as regras legais tendem a não ser ambíguas, mas as informais e consuetudinárias têm maior chance de serem vagas e de terem amplas áreas nas quais podem receber várias interpretações, variando, inclusive, para atender aos interesses específicos de alguém. Por fim, apresenta, exemplificativamente, um exemplo a respeito da legislação de taxação da maconha nos Estados Unidos, para ilustrar os caminhos que levaram o uso dessa erva de uma prática indiferente à administração pública a um “problema” a ser resolvido com a imposição de taxas e proibições.<br /><br />
Concluiu-se que, onde quer que as regras sejam criadas e aplicadas, é preciso atentar para a possível presença de alguém que tome a iniciativa de impô-las; sempre haverá quem busque o apoio de grupos para ratificar sua posição; e, por fim, o processo de imposição é moldado pela complexidade da organização, pautado em acordos compartilhados em grupos mais simples e resultando de manobras e barganhas políticas em uma estrutura complexa.<br /><br />
<b>1.2 Fichamento</b><br /><br />
Segundo Henriques e Medeiros (1999, p. 59), “os fichamentos mais comuns são: a) de indicação bibliográfica: uma ficha que contém apenas nome do autor, título da obra, assunto; b) de transcrição ou citação direta; c) de comentário (também chamado de glosa, ou apreciação); d) de resumo”. Diante disso, optou-se pelo segundo tipo, isto é, o de transcrição, tendo em vista que o primeiro seria insuficiente e os demais se confundiriam com outras seções deste trabalho.<br /><br />
BECKER, Howard S. <i>Uma teoria da ação coletiva</i>. Trad. Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Zahar Editores, s.d. p. 53-67/86-107.<br /><br />
“Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em alguns momentos e em algumas circunstâncias, fazer com que elas sejam seguidas.” (p. 53).<br /><br />
“Quando uma regra é imposta, a pessoa que se supõe tê-la transgredido pode ser vista como [...] marginal ou desviante.” (p.53).<br /><br />
“[...] a pessoa que quebra as regras pode sentir que seus juízes são desviantes.” (p. 53).<br /><br />
“As regras podem ser de muitos tipos. Elas podem ser formalmente promulgadas como lei e, nesse caso, o poder de polícia do Estado pode ser usado para impô-las. Em outros casos, representam acordos informais, aos quais se chegou recentemente ou vinculados à sanção da idade e da tradição” (p. 54).<br /><br />
“É facilmente observável que grupos diferentes julgam coisas diferentes como sendo desviantes.” (p. 55).<br /><br />
“as pessoas pertencem a muitos grupos simultaneamente. Uma pessoa pode quebrar as regras de um grupo pelo simples ato de se curvar perante as regras de um outro grupo.” (p. 59).<br /><br />
“ele [o desvio] é criado pela sociedade.” (p. 59).<br /><br />
“os grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui desvio e ao aplicar essas regras a pessoas particulares e rotulá-las como marginais e desviantes.” (p. 60).<br /><br />
“O desviante é alguém a quem aquele rótulo foi aplicado com sucesso; comportamento desviante é o comportamento que as pessoas rotulam como tal.” (p. 59).<br /><br />
“O fato de um ato ser desviante, então, depende de como as pessoas reagem a ele.” (p. 62).<br /><br />
“O grau em que outras pessoas reagirão a um ato dado como desviante varia enormemente.” (p. 62).<br /><br />
“O grau em que um ato será tratado como desviante depende também de quem comete o ato e de quem sente que foi prejudicado por ele. As regras tendem a ser aplicadas mais a algumas pessoas do que a outras.” (p. 63).<br /><br />
“’marginais’, do ponto de vista da pessoa que é rotulada como desviante, podem ser as pessoas que fazem as regras de cuja transgressão ela foi considerada culpada.” (p. 65).<br /><br />
“As regras formais, impostas por algum grupo constituído em especial, podem diferir daquelas que são consideradas realmente apropriadas pela maioria das pessoas.” (p. 65).<br /><br />
“a existência de uma regra não garante automaticamente que ela será imposta” (p. 86).<br /><br />
“É mias típico que as regras só sejam impostas quando algo provoque a imposição. A imposição, então, exige explicação.” (p. 86).<br /><br />
“O habitante da cidade preocupa-se com seus próprios problemas e nada faz em relação à infração de regras a não ser que ela interfira em seus negócios.” (p. 87).<br /><br />
“Quando dois grupos que competem pelo poder existem na mesma organização, a imposição ocorrerá somente quando os sistemas de compromisso que caracterizam a sua relação se rompem; caso contrário, o interesse de todos fica melhor satisfeito permitindo-se que as infrações continuem.” (p. 92).<br /><br />
“Regras específicas podem ser reunidas em legislação. Podem simplesmente ser consuetudinárias num grupo particular, armado apenas com sanções informais. As regras legais, naturalmente, têm maior probabilidade de não serem ambíguas; as regras informais e consuetudinárias têm maior probabilidade de serem vagas e de terem amplas áreas nas quais podem receber várias interpretações.” (p. 96).<br /><br />
“uma regra pode ser estabelecida simplesmente para servir aos interesses específicos de alguém e uma base lógica para ela pode ser descoberta posteriormente em algum valor geral.” (p. 97).<br /><br />
“onde quer que as regras sejam criadas e aplicadas, esperamos que os processos de imposição sejam moldados pela complexidade da organização, repousando sobre uma base de acordos compartilhados em grupos mais simples e resultando de manobras e barganhas políticas numa estrutura complexa.” (p. 107).<br /><br />
<b>2. PARTE II</b><br /><br />
<b>2.1 Ideação</b><br /><br />
O texto de Howard Saul Becker, quando diz que o desviante é alguém a quem um rótulo foi aplicado com sucesso, remete o leitor a <i>O Alienista</i>, um conto realista de Machado de Assis, especialmente quanto à crítica social e à análise psicológica. Nele se vê a personalidade dos indivíduos influenciada por fatores sociais e a sociedade influenciada por fatores psicológicos, tudo sob o atento diagnóstico do Dr. Simão Bacamarte, o protagonista.<br /><br />
Diz-se que o médico diplomado em Portugal escolheu Itaguaí para residir, criar um hospício e estudar a fronteira entre razão e loucura. Assim, analisava a saúde psicológica dos moradores daquela cidade fluminense e seu grau de influência nas relações sociais. Suas análises tinham metodologia científica próprias dele, o qual muitas vezes mudou seus critérios de avaliação. Apesar disso, ele tinha o apoio estatal para tudo o que fazia e ganhou um auxílio da Câmara de Vereadores por cada internação durante muito tempo.<br /><br />
As primeiras indicações de internação foram apoiadas pela sociedade itaguaiense, visto que os internos eram pessoas consideradas loucas por todos. Porém, como o passar do tempo, a população começou a questionar as decisões do alienista, o qual passou a ser visto como um déspota traiçoeiro que lucrava com o aumento do número de internações.<br /><br />
Finalmente, depois de inúmeras teorias, após ver 75% dos moradores aprisionados em seu hospício, o médico mudou mais uma vez seus critérios. Mandou soltá-los e considerou loucos apenas aqueles que mantiveram sua personalidade reta ao longo do tempo. Entretanto, ao ver que este seu último critério era falho e que ele próprio era o único que se manteve “íntegro” até o fim, soltou todos os loucos da Casa Verde e encerrou-se lá até seu último dia.<br /><br />
Esse conto é ilustrativo para que se confirme que a ideia de desvio é criada pela própria sociedade e as razões que justificam a imposição das regras pode mudar com o tempo, não só por uma alteração na mentalidade do grupo, mas também para atender aos interesses de alguns, como ocorreu no caso acima.<br /><br />
Agora, tendo em vista que a imposição de regras tem relação com o poder político e econômico de quem pratica tal ato, pode-se lembrar também da música <i>Apesar de você</i>, de Chico Buarque, a qual demonstra nos versos “Você que inventou o pecado esqueceu-se de inventar o perdão” que o opressor tem facilidade e razões para criar regras, mas não tem o mesmo empenho para desenvolver meios para que os destinatários da norma deixem de ser vistos como marginais e desviantes, mesmo porque, inventando-se o perdão, perde-se parte do poder sobre o outro.<br /><br />
Além disso, o marginal e desviante aos olhos da sociedade, pode rejeitar-se a seguir uma regra pelo fato de não considerá-la justa ou de não ter sido chamado a participar de sua criação. Nesse contexto, marginais e desviantes seriam aqueles que julgam e tentam impor suas próprias regras. Diante disso, veja-se como isso se associa ao direito de resistência.<br /><br />
Sabe-se que, ao longo da história universal, são inúmeros os casos de governos e agentes públicos que, ignorando a legitimidade de seus atos ou a opinião do povo, agem com o objetivo de atender a seus próprios interesses, ferindo o sentimento de democracia. Se por um lado o povo muitas vezes assistiu de forma submissa à tirania, por outro são dignos de menção aqueles em que, ciente de seu poder de mobilização, o povo subjugado conscientizou-se e mudou o rumo de sua própria vida e de seu país.<br /><br />
Com maior ou menor intensidade, com ou sem uso da força, o indivíduo e a coletividade, depois de ferido um direito primário, podem mobilizar-se e lutar pela mudança. Assim, diante de um governo não democrático, os povos têm a faculdade de resistir. O direito de resistência admite inclusive o uso da força para atingir o objetivo de derrubar e substituir o governo ilegítimo por um legítimo, garantindo, como consequência, a manutenção das práticas democráticas.<br /><br />
Na Antiguidade já se falava sobre o direito de resistência a um governo tirânico, que justificaria até mesmo a morte do governante. Platão já discorria sobre a possibilidade de o povo defender-se de um governo tirânico e injusto. Depois daquele filósofo, outros autores trataram do mesmo assunto, como São Isidoro de Sevilha e São Tomás de Aquino.<br /><br />
No final do século XIX, o direito de resistência foi incluído explicitamente na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa e implicitamente na Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776), que declara:
<blockquote>Todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo.</blockquote>
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), esse direito não é reconhecido explicitamente, mas implicitamente em seu preâmbulo: “Considerando que é essencial, para que o homem não seja obrigado a recorrer, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, que os direitos humanos sejam protegidos pelo estado de direito”.<br /><br />
Por sua vez, a Constituição da República Portuguesa (1976), em seu art. 21, na parte que trata dos direitos e deveres fundamentais, afirma que “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”. Dito isso em linhas gerais, a seguir se verá a classificação do direito de resistência.<br /><br />
Segundo a classificação do Prof. José Carlos Buzanello, o direito de resistência seria gênero, tendo como espécies a objeção de consciência; a greve; a desobediência civil; o direito à revolução; e o princípio da autodeterminação dos povos (BUZANELLO, p. 17).<br /><br />
Ocorre objeção de consciência quando um indivíduo se recusa a cumprir deveres conflitantes com suas convicções morais, políticas ou filosóficas, ignorando uma obrigação jurídica imposta a todos pelo Estado. Na objeção de consciência existe razoável nível de consciência, com alguma publicidade e sem agitação, com vistas a um tratamento alternativo ou alterações na lei. Observa-se que a própria Constituição de 1988 prevê a objeção da consciência, apresentando duas perspectivas: a primeira é uma recusa genérica de consciência (art. 5º, VIII, CF) e a segunda é uma recusa restritiva em relação ao serviço militar (art. 143, § 1°, CF).<br /><br />
Além disso, quando trabalhadores entendem que seus direitos não estão sendo devidamente respeitados ou quando reivindicam novos direitos, pode-se, de forma organizada, exercer o direito de greve política. Ressalta-se que essa é uma medida de resistência lícita excepcional, semelhante ao estado de necessidade e à legítima defesa, por exemplo.<br /><br />
O art. 9º da Constituição da República assegura aos trabalhadores o direito de greve, esclarecendo que compete a eles a decisão do melhor momento de exercê-lo e dos interesses em questão e que os possíveis abusos podem ser punidos pela lei. Porém, há atividades e serviços essenciais que, dada sua relevância, apresentam regras próprias em relação à greve.<br /><br />
A desobediência civil, por sua vez, é uma forma indireta de participação da sociedade, pois não possui participação suficiente junto às esferas do Estado para tornar-se ente político legítimo. Com isso, ocorre desconsideração da legitimidade de uma autoridade pública ou uma lei. Dentre as propriedades da desobediência civil, encontram-se: não-violência e ações públicas de caráter coletivo; sentimento de injustiça em relação à lei ou uma decisão por meio de pressão junto aos órgãos de decisão do governo; e propostas de reforma jurídica e política. Nota-se que não se pretende exatamente que o governo seja derrubado, mas que suas práticas sejam substituídas.<br /><br />
Em uma perspectiva direta, a desobediência civil se dá quando as leis do Estado são desafiadas de forma aberta (p. ex., campanhas públicas contra a discriminação racial nos EUA e na África do Sul, ou a campanha das Diretas Já, no Brasil). Em uma perspectiva indireta, ataques a leis isoladas desafiam as estratégias do Estado, sendo executados para mostrar publicamente a injustiça da lei e induzir o legislador a revogá-la. (p. ex., o movimento dos sem-terra, que desafia a lei de proteção à propriedade privada e solicita a reforma agrária).<br /><br />
O art. 5º, § 2°, da Constituição brasileira assegura que os direitos e garantias previstos em seu texto “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Dentre os quais, destacam-se, sobretudo, o princípio da proporcionalidade e o da solidariedade.<br /><br />
Ademais, as nações podem organizar-se livre e politicamente, assegurando sua soberania, a isso se chama autodeterminação dos povos. Assim, escolhe-se a forma de governo (República ou Monarquia) e o sistema de governo (Presidencialismo, Parlamentarismo, Semipresidencialismo) de sua preferência. O Pacto Fundamental assegura que a autodeterminação dos povos é um princípio político de direito internacional (art. 4º, III, CF).<br /><br />
Por fim, quando um povo se sente extremamente prejudicado pela tirania de um governo autoritário, existe o direito à revolução, mesmo que para isso a violência seja utilizada. Destaca-se que a negação disso seria um atentado à dignidade humana (BUZANELLO, p. 20). Por entender que o governo ilegítimo passou dos limites, o povo pode fazer uso da força para reivindicar seus direitos.<br /><br />
Houve importantes movimentos revolucionários que afirmaram e justificaram o exercício do direito de resistência por meio da revolução, dentre eles encontram-se:
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• A Revolução Gloriosa: o direito de rebelião fundamentou a defesa filosófica da derrota e substituição de Jaime II por Guilherme III, pelo parlamento do Reino Unido (1688);<br /><br />
• A Revolução Americana: o direito de resistência ocuparia um papel principal nos escritos dos revolucionários norte-americanos. Além disso, foi citado na Declaração de Independência dos Estados Unidos, quando um grupo de representantes de vários estados assinou uma declaração de independência em relação à Inglaterra. Segundo a declaração, a lei natural assegura que o povo está dotado pelo Criador de certos direitos inalienáveis e pode alterar ou abolir um governo que destrua esses direitos;<br /><br />
• A Revolução Francesa: o direito de resistência também foi incluído na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) durante a Revolução Francesa, assim como na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1793.<br /><br />
Assim, demonstra-se que aqueles indivíduos considerados marginais e desviantes podem rebelar-se contra os opressores, não só para descumprir as regras arbitrariamente impostas, mas também para destituí-los do poder. <br /><br />
<b>2.2 Crítica</b><br /><br />
Depois da leitura dos textos de Becker, cabe analisar de forma crítica alguns pontos considerados relevantes. Veja-se a relação que existe entre a tolerância com os desviantes e as atitudes dos demais indivíduos que veem o comportamento marginal:
<blockquote>Uma pessoa que comete uma infração de trânsito ou bebe um pouco mais numa festa não é, afinal, tão diferente de nós, e tratamos sua infração com tolerância. Consideramos o ladrão menos parecido conosco e o punimos severamente. Crimes como assassinato, violação ou traição levam-nos a encarar o violador como um verdadeiro marginal. (BECKER, p. 54).</blockquote>
Percebe-se, com isso, que quanto maior a probabilidade de o indivíduo praticar o ato desviante ou ter alguém íntimo que o pratique, maior será o grau de tolerância diante de um “delito”. Conforme o exemplo dado, uma infração de trânsito, apesar de ser algo condenável para a maioria dos indivíduos, pode ser cometida por qualquer um. Portanto, antes de apontar a infração de alguém, a tendência é que a pessoa se coloque no local do “infrator” e seja mais tolerante caso haja identificação.<br /><br />
Entretanto, quando a inobservância das regras é relacionada a algo que poucos indivíduos teriam coragem de fazer, como um assassinato ou uma violação, o infrator é tratado sem misericórdia, pois as testemunhas não se veem nele. Deduz-se que a rigidez da punição é inversamente proporcional à probabilidade de os criadores das regras e testemunhas praticarem o mesmo ato.<br /><br />
Além disso, quando se cria uma regra, implicitamente, pensa-se na possibilidade de descumprimento. Diante disso, prevê-se uma sanção, a qual, na prática, diz aos indivíduos: “Caso você descumpra a regra, sua punição será esta. Portanto, pense se compensa”. Por essa razão, há muito mais infratores de trânsito do que assassinos no mundo, pois a sanção destes é bem mais gravosa que a daqueles. Obviamente, quando se diz que algo é proibido, dificilmente os destinatários da norma são totalmente impedidos de fazê-lo. Na verdade, a proibição é uma forma de levar a sanção ao conhecimento da coletividade, mas não tem o poder de impedir o descumprimento efetivamente.<br /><br />
Outro ponto interessante é observar que grupos diferentes julgam coisas diferentes como sendo desviantes. Tendo em vista que pessoas de um mesmo grupo pensam de forma diferente, já é esperado que pessoas diferentes pensem de forma diferente. Lembre-se da política. Todos os políticos, supostamente, lutam por saúde, segurança e educação, mas cada partido, cada político, tem seus próprios métodos. Independentemente da linha seguida, acredita-se que a melhor forma de promover o bem é por meio das práticas do próprio grupo e não das do outro. Portanto, o conceito de certo e errado depende dos olhos de quem vê e essa atitude política se percebe nas mais diversas práticas sociais.<br /><br />
Ao lembrar que as regras tendem a ser mais aplicadas a umas pessoas do que a outras, percebe-se que ainda nos dias de hoje, muitas vezes, a igualdade é apenas formal, isto é, nem todos têm acesso às mesmas oportunidades e, quando são punidos por uma infração, a penalidade não é necessariamente a mesma. Na verdade, antes de considerar o fato, a punição considera o indivíduo, o qual, caso pertença a uma classe abastada ou ocupe uma função de destaque, será perdoado ou terá sua pena abrandada, logo de início ou ao longo do tempo, quando cair no esquecimento dos demais.<br /><br />
Infelizmente, ainda é comum que denúncias aconteçam não para promover a justiça, pensando na probidade e no interesse comum, mas como um instrumento de vingança contra adversários. Antes de beneficiar o grupo, pensa-se em prejudicar o desviante, pelo fato de este ter deixado de atender a algum interesse particular ou por ter colocado obstáculos para a prática de outras infrações. Sob essa lógica, pune-se alguém que cometeu um delito para que o caminho fique livre para que terceiros pratiquem novos delitos, tira-se um corrupto para que outros corruptos tenham sua vez.<br /><br />
Salienta-se que essa prática nem sempre é vista como nociva. Como foi dito, os habitantes dos grandes centros costumam preocupar-se com seus próprios problemas, não interferem nas infrações a regras que supostamente não interferem em seus negócios. Por sempre acreditar que haverá alguém responsável pela denúncia, o cidadão deixa de exercitar sua cidadania e esquece seu papel de fiscal, não só do poder público, mas também do ambiente em que vive.<br /><br />
Apesar disso, se a existência de uma regra não garante automaticamente que ela será imposta, também não garante que ela será cumprida. Daí, é comum que pessoas não queiram se envolver por medo de serem taxadas de delatoras ou perderem oportunidades escusas no futuro, tendo em vista que, sob uma ótica inversa, a fama de honestidade poderia afastar boas oportunidades.<br /><br />
Conclui-se que a leitura desses dois textos de Becker foi importante para a compreensão da maneira como as regras podem ser impostas aos indivíduos e segregar pessoas que não as cumpram ou simplesmente discordem delas. Os textos se sustentam, pois a argumentação e os exemplos apresentados são verossímeis e facilmente identificáveis com regras de experiência comum. Assim, espera-se que este trabalho tenha servido para ensejar questionamentos a respeito de regras que, muitas vezes, são criadas e impostas para atender aos interesses de um pequeno grupo, interessado em segregar os demais indivíduos como marginais e desviantes, sem que isso seja revertido em progresso para a sociedade.<br /><br />
<b>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</b><br /><br />
ASSIS, Machado de. <i>O alienista</i>. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004. <br /><br />
BECKER, Howard S. <i>Uma teoria da ação coletiva</i>. Trad. Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Zahar Editores, s.d. p. 53-67/86-107.<br /><br />
BRASIL. <i>Constituição da República Federativa do Brasil de 1988</i>. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 19 jan. 2014.<br /><br />
BUZANELLO, José Carlos. <i>Direito de Resistência</i>. Disponível em: <http://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/viewFile/15391/13974>. Acesso em: 20 jan. 2014.<br /><br />
DECLARAÇÃO dos Direitos do Homem e do Cidadão (1793). Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/imperio-napoleonico/declaracao-dos-direitos-do-homem-e-do-cidadao.php>. Acesso em: 15 jan. 2014.<br /><br />
DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 15 jan. 2012.<br /><br />
HENRIQUES, Antonio; MEDEIROS, João Bosco. <i>Monografia no curso de Direito</i>. 2ª. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1999.</p>
Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-17516488286925935052013-05-01T17:43:00.000-03:002017-01-31T16:03:07.670-02:00Direito de Resistência<b><b>INTRODUÇÃO</b></b><br /><br />
<i>“Quando o governo viola os direitos do Povo, a revolta é para o Povo e para cada agrupamento do Povo o mais sagrado dos direitos e o mais indispensáveis dos deveres”.</i><br /><br />
(Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1793, Art. 35)<br /><br />
Ao longo da história universal, são inúmeros os casos de governos e agentes públicos que, ignorando a legitimidade de seus atos ou a opinião do povo, agem com o objetivo de atender a seus próprios interesses, ferindo o sentimento de democracia. Se por um lado o povo muitas vezes assistiu de forma submissa à tirania, por outro são dignos de menção aqueles em que, ciente de seu poder de mobilização, o povo subjugado conscientizou-se de seu poder e mudou o rumo de sua própria vida e de seu país. Haja vista os exemplos das revoluções liberais entre os séculos XVIII e XIX.<br /><br />
Com maior ou menor intensidade, com ou sem o uso da força, o indivíduo e a coletividade, depois de ferido um direito primário, podem mobilizar-se e lutar pela mudança. Assim, o governo ilegítimo pode ser substituído e as práticas às vezes legais, mas injustas, podem ser modificadas.<br /><br />
Este trabalho tem o objetivo de estudar brevemente o direito de resistência a essas práticas injustas. Para isso, na primeira parte, define-se o que seria direito de resistência e apresenta-se sua incidência ao longo de momentos da história mundial, bem como sua classificação. Na sequência, considera-se a abordagem de Bobbio e Locke em relação ao tema e escolhe-se o direito de greve para analisar a jurisprudência do STF. Na segunda parte, analisa-se o filme <i>Tropa de Elite II </i>sob a perspectiva da objeção de consciência, um dos tipos de exercício do direito de resistência.<br /><br />
<b>1. DIREITO DE RESISTÊNCIA</b><br /><br />
Diante de um governo não democrático ou de um inicialmente democrático, mas que com o tempo tornou-se antidemocrático, os povos têm a faculdade de resistir. O direito de resistência admite inclusive o uso da força para atingir o objetivo de derrubar e substituir o governo ilegítimo por um legítimo, garantindo, como consequência, a manutenção das práticas democráticas.<br /><br />
Na Antiguidade já se falava sobre o direito de resistência a um governo tirânico, que justificaria até mesmo a morte do governante. Platão já discorria sobre a possibilidade de o povo defender-se de um governo tirânico e injusto. Depois daquele filósofo, outros autores trataram do mesmo assunto, como São Isidoro de Sevilha e São Tomás de Aquino.<br /><br />
No final do século XIX, o direito de resistência foi incluído explicitamente na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa e implicitamente na Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776), que declara:
<blockquote>[...] todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo [...].</blockquote><br /><br />
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), esse direito não é reconhecido explicitamente, mas implicitamente em seu preâmbulo: “Considerando que é essencial, para que o homem não seja obrigado a recorrer, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, que os direitos humanos sejam protegidos pelo estado de direito”.<br /><br />
Por sua vez, a Constituição da República Portuguesa (1976), em seu art. 21, na parte que trata dos direitos e deveres fundamentais, afirma que “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”. Dito isso em linhas gerais, a seguir se verá a classificação do direito de resistência.<br /><br />
<b>1.1 Classificação do direito de resistência</b><br /><br />
Segundo a classificação do Prof. José Carlos Buzanello, o direito de resistência seria gênero, tendo como espécies a objeção de consciência; a greve; a desobediência civil; o direito à revolução; e o princípio da autodeterminação dos povos (BUZANELLO, p. 17).<br /><br />
<b>1.2.1 A objeção de consciência</b><br /><br />
Ocorre objeção de consciência quando um indivíduo se recusa a cumprir deveres conflitantes com suas convicções morais, políticas ou filosóficas, ignorando uma obrigação jurídica imposta a todos pelo Estado. Na objeção de consciência existe razoável nível de consciência, com alguma publicidade e sem agitação, com vistas a um tratamento alternativo ou alterações na lei.<br /><br />
Observa-se que a própria Constituição Federal de 1988 (CF) prevê a objeção da consciência, apresentando duas perspectivas: a primeira é uma recusa genérica de consciência (art. 5º, VIII, CF) e a segunda é uma recusa restritiva em relação ao serviço militar (art. 143, § 1°, CF).<br /><br />
<b>1.2.2 O direito de greve</b><br /><br />
Quando trabalhadores entendem que seus direitos não estão sendo devidamente respeitados ou quando reivindicam novos direitos, pode-se, de forma organizada, exercer o direito de greve política. Ressalta-se que essa é uma medida de resistência lícita excepcional, semelhante ao estado de necessidade e à legítima defesa, por exemplo.<br /><br />
O art. 9º da Constituição da República assegura aos trabalhadores o direito de greve, esclarecendo que compete a eles a decisão do melhor momento de exercê-lo e dos interesses em questão e que os possíveis abusos podem ser punidos pela lei. Porém, há atividades e serviços essenciais que, dada sua relevância, apresentam regras próprias em relação à greve.<br /><br />
<b>1.2.3 A desobediência civil</b><br /><br />
A desobediência civil é uma forma indireta de participação da sociedade, pois não possui participação suficiente junto às esferas do Estado para tornar-se ente político legítimo. Com isso, ocorre desconsideração da legitimidade de uma autoridade pública ou uma lei. Entre as propriedades da desobediência civil, encontram-se: não violência e ações públicas de caráter coletivo; sentimento de injustiça em relação à lei ou uma decisão por meio de pressão junto aos órgãos de decisão do governo; e propostas de reforma jurídica e política. Nota-se que não se pretende exatamente que o governo seja derrubado, mas que suas práticas sejam substituídas.<br /><br />
Em uma perspectiva direta, a desobediência civil se dá quando as leis do Estado são desafiadas de forma aberta (p. ex., campanhas públicas contra a discriminação racial nos EUA e na África do Sul, ou a campanha das Diretas Já, no Brasil). Em uma perspectiva indireta, ataques a leis isoladas desafiam as estratégias do Estado, sendo executados para mostrar publicamente a injustiça da lei e induzir o legislador a revogá-la. (p. ex., o movimento dos sem terra, que desafia a lei de proteção à propriedade privada e solicita a reforma agrária).<br /><br />
O art. 5º, § 2°, da Constituição brasileira assegura que os direitos e as garantias previstos em seu texto “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Entre os quais, destacam-se sobretudo o princípio da proporcionalidade e o da solidariedade.<br /><br />
<b>1.2.4 A autodeterminação dos povos</b><br /><br />
As nações podem organizar-se livre e politicamente, assegurando sua soberania, a isso se chama autodeterminação dos povos. Assim, escolhe-se a forma de governo (República ou Monarquia) e o sistema de governo (Presidencialismo, Parlamentarismo, Semipresidencialismo) de sua preferência. O Pacto Fundamental assegura que a autodeterminação dos povos é um princípio político de direito internacional (art. 4º, III, CF).<br /><br />
<b>1.2.5 O direito à revolução</b><br /><br />
Quando um povo se sente extremamente prejudicado pela tirania de um governo autoritário, existe o direito à revolução, mesmo que para isso a violência seja utilizada. Destaca-se que a negação disso seria um atentado à dignidade humana (BUZANELLO, p. 20). Por entender que o governo ilegítimo passou dos limites, o povo pode fazer uso da força para reivindicar seus direitos.<br /><br />
Houve importantes movimentos revolucionários que afirmaram e justificaram o exercício do direito de resistência por meio da revolução, entre eles encontram-se:<br /><br />
• A Revolução Gloriosa: o direito de rebelião fundamentou a defesa filosófica da derrota e substituição de Jaime II por Guilherme III, pelo parlamento do Reino Unido (1688);<br /><br />
• A Revolução Americana: o direito de resistência ocuparia um papel principal nos escritos dos revolucionários norte-americanos. Além disso, foi citado na Declaração de Independência dos Estados Unidos, quando um grupo de representantes de vários estados assinou uma declaração de independência em relação à Inglaterra. Segundo a declaração, a lei natural assegura que o povo está dotado pelo Criador de certos direitos inalienáveis e pode alterar ou abolir um governo que destrua esses direitos;<br /><br />
• A Revolução Francesa: o direito de resistência também foi incluído na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) durante a Revolução Francesa, assim como na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1793.<br /><br />
<b>1.2 Bobbio, Locke e o direito de resistência</b><br /><br />
Entende-se que o direito de resistência está intimamente relacionado aos direitos fundamentais e aos direitos humanos, assim, entre os autores que trataram dessa perspectiva, destacam-se aqui as posições de Bobbio e de Locke.
O primeiro fez distinção entre direitos do homem unicamente naturais (equivalentes aos direitos humanos) e direitos do homem positivados (equivalentes aos direitos fundamentais), ensinando que “quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos naturais, a única defesa possível contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado direito de resistência” (BOBBIO, 1992, pp. 31, 32).<br /><br />
Locke, segundo a obra intitulada <i>Two treatises of government</i>, entende que repudiar um poder imposto pela força e não pelo direito, apesar de ser chamado de rebelião, não se trata de uma ofensa a Deus, mas é uma permissão Sua e tem Sua aprovação (LOCKE, 2004. § 196). Assim, afirma-se que a diferença entre um rei legítimo e um tirano é que o primeiro pensa que o povo se destina unicamente a satisfazer seus desejos, e o segundo reconhece ter sido elevado a tal dignidade para a promoção da riqueza e da propriedade do povo (idem, op. cit., § 200).<br /><br />
<b>1.3 O direito de resistência segundo a jurisprudência</b><br /><br />
Por ser muito presente no dia a dia da sociedade, entre as formas de exercício do direito de resistência, escolheu-se o direito de greve para se pesquisar o ponto de vista do STF, ao interpretar o art. 9º da Carta Magna. Em relação ao <i>caput </i>do artigo, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que
<blockquote>A simples adesão à greve não constitui falta grave. (Súmula 316)
O direito à greve não é absoluto, devendo a categoria observar os parâmetros legais de regência. (...) Descabe falar em transgressão à Carta da República quando o indeferimento da garantia de emprego decorre do fato de se haver enquadrado a greve como ilegal. (RE 184.083, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 7-11-2000, Segunda Turma, DJ de 18-5-2001).
Saber se houve simples adesão à greve ou participação efetiva dos empregados no movimento paredista, capaz de sustentar a rescisão unilateral do contrato de trabalho, implica revolvimento da matéria fático-probatória, inadmissível no extraordinário. (RE 252.876-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-2-2000, Segunda Turma, DJ de 19-5-2000).</blockquote><br /><br />
O § 1º do referido artigo diz que “a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. Sobre ele, o STF, na MI 708, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, afirma que
<blockquote>A disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral, quanto às ‘atividades essenciais’, é especificamente delineada nos arts. 9º a 11 da Lei 7.783/1989. Na hipótese de aplicação dessa legislação geral ao caso específico do direito de greve dos servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 9º, caput, c/c art. 37, VII), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua a todos os cidadãos (CF, art. 9º, § 1º), de outro. (MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25-10-2007, Plenário, DJE de 31-10-2008.) No mesmo sentido: MI 670, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25-10-2007, Plenário, DJE de 31-10-2008.</blockquote><br /><br />
Por fim, o § 2º desse art. 9º, ao dizer que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei, é interpretado pelo STF conforme segue:
<blockquote>O reconhecimento judicial da abusividade do direito de greve e a interpretação do alcance da Lei 7.783/1989 qualificam-se como matérias revestidas de caráter simplesmente ordinário, podendo traduzir, quando muito, situação configuradora de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, o que basta, por si só, para inviabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. (AI 282.682-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-5-2002, Segunda Turma, DJ de 21-6-2002).</blockquote><br /><br />
<b>2. O DIREITO DE RESISTÊNCIA NO FILME <i>TROPA DE ELITE II</b></i><br /><br />
No filme <i>Tropa de Elite II </i>pode-se notar uma crítica à forma distorcida e até criminosa como agentes da segurança pública e políticos atuam para garantir e perpetuar seu domínio no poder, especialmente em áreas carentes do Rio de Janeiro, mas com ramificações até no Governo Federal. Critica-se a classe média, o governo, a polícia e obviamente os criminosos.<br /><br />
Mostra-se o lado oculto daqueles que deveriam ser os garantidores da ordem, daqueles que muitas vezes mostram-se como heróis, mas que no fundo são os principais articuladores de uma série de ilícitos. No geral, os personagens preocupam-se com interesses pessoais e têm aparência externa de moralidade com sangue corrupto correndo nas veias.<br /><br />
Esse filme mostra que os problemas de segurança, de coação, de tráfico de drogas e um sem número de irregularidades não são exclusividade dos delinquentes que diariamente povoam os noticiários. Por trás disso existe uma rede muito bem estruturada que envolve desde policiais até a mais alta esfera de poder do País. Portanto, demonstra que a solução para tais problemas da sociedade não é tão simples quanto se pode pensar.<br /><br />
Esse quadro de violência e corrupção torna Roberto Nascimento, interpretado por Wagner Moura, um homem embrutecido, um tanto descrente da boa-fé de seus colegas, subordinados e superiores. Ele tenta trazer de volta a dignidade e a honestidade não só ao BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro) como à segurança pública do estado e à política, indiretamente.<br /><br />
Depois de uma operação mal sucedida, o Ten-Cel. Nascimento foi afastado do BOPE. Em seguida, passou a ocupar cargo de Subsecretário do Serviço de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Por estar inserido na cúpula de segurança, percebeu que uma solução definitiva estava longe de ser alcançada porque os principais articuladores dos crimes se encontravam naquele lugar.<br /><br />
Nas palavras de José Carlos Buzanello
<blockquote>O direito de resistência, por fim somente se justifica no caso de descumprimento de algum direito primário, (...). É também um direito para se ter direito, isto é, um direito secundário que supõe que seu exercício está em favor do gozo de um direito primário, como a vida, a justiça, a dignidade humana, a propriedade.</blockquote><br /><br />
Visto isso, optou-se por analisar brevemente o referido filme sob a perspectiva da objeção de consciência, pelo fato de sua realização partir do indivíduo que sozinho, em um primeiro momento, sente-se desobrigado a levar a cabo uma solicitação que não coadune com seus princípios.<br /><br />
Como primeiro exemplo, tem-se a sequência em que, depois de uma rebelião de presos, o BOPE foi autorizado a invadir o presídio, mas apesar disso o personagem Fraga, Irandhir Santos, se dispôs a entrar na cela e resolver o problema de forma pacífica. Havia três posturas possíveis: ignorar o conflito entre as facções e deixar que os bandidos de autoeliminassem; invadir e acabar com o conflito à força; e resolver por meio do diálogo. Esta última foi aplicada e surtiu efeito.<br /><br />
Outro caso seria o do personagem André Matias, vivido por André Ramiro, morto por companheiros de farda, quando tentou desmantelar o esquema de corrupção e exploração de serviços em comunidade carente do RJ. Apesar dos muitos corruptos e corruptores que circulam nos meios policiais e políticos, ainda há os que se recusam a fazer parte de esquemas que, apesar de serem travestidos de legalidade, não representam a melhor atitude na busca dos interesses da coletividade.<br /><br />
Como último exemplo, em depoimento na Assembleia Legislativa, o Ten-Cel. Nascimento disse que quando um policial mata não puxa o gatilho sozinho e que metade dos deputados estaduais, pelo menos, deveria estar na cadeia. Nessa ocasião, apontou o deputado Fortunato como chefe de uma das principais milícias. A denúncia, o não silenciar-se, foi uma postura que contrariou a “lógica do omitir-se” da cúpula policial e política do estado.<br /><br />
<b>CONCLUSÃO</b><br /><br />
É sempre produtiva a seguinte pergunta: Os destinatários do sistema jurídico teriam um dever moral de aceitar o que está prescrito pelo simples fato de ser lei, independentemente de seu conteúdo? Se fosse assim, a moral seria um fundamento do direito. Sobre isso o positivismo possui simultaneamente duas vertentes: a positivista moral entenderia que, por mais imoral que seja, o que está prescrito não perde sua eficácia social; já a positivista neutral diria que os deveres jurídicos, os únicos estabelecidos pelo direito, não deveriam chocar-se com os deveres morais, mas podem fazê-lo (ALEXY, 2005).<br /><br />
Segundo Locke (2004, § 232), quem usa a força desvinculada do direito se coloca em estado de guerra contra as vítimas dessa força, assim os vínculos antigos se rompem, os direitos são interrompidos e todos têm o direito de se defender e resistir à agressão. Portanto, independentemente da positivação, como ocorre na Constituição Portuguesa e em outros documentos citados, o direito de resistência é algo intrínseco ao ser humano.<br /><br />
Entende-se, porém, que esse fato também poderia produzir um quadro de anomia, caso se considere a ausência do Estado e a possibilidade de cada um ser o que quiser, escolhendo seus próprios valores na sociedade em que vive. Para que isso não ocorra, destaca-se a necessidade de o direito positivo ser definido com base na legalidade do ordenamento e na eficácia social.<br /><br />
O autor do artigo que serviu de base para a classificação do direito de resistência apresentada neste trabalho defende que o direito de resistência seja incluído na Constituição por meio de emenda constitucional e isso parece apropriado. Além de garantir o direito, seria uma espécie de orientação para o povo, para que este não se subjugasse a um governo injusto e não permitisse que uma série de direitos seus fosse ignorada. <br /><br />
Finalizando, entende-se que existe um valor moral que direciona os indivíduos a obedecerem ao direito, desde que este não seja extremamente injusto, viole outros direitos ou esteja desvinculado da moral. Apesar disso, não é simples a tarefa de determinar o que seria extremamente injusto, dada a multiplicidade de dilemas morais que envolvem a sociedade. Assim, acredita-se que a legitimidade do direito de resistência e seu limite de atuação ainda tem espaço para muita discussão, dado o difícil tracejar do limite entre direito e moral, entre justiça e injustiça.<br /><br />
<b>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</b><br /><br />
ALEXY, Robert. <i>La Institucionalización de La Justicia</i>. Granada: LAEL, 2005. pp. 17-29.<br /><br />
BOBBIO, Norberto. <i>A Era dos Direitos</i>. Rio de Janeiro: Campus, 1992. pp. 31,32.<br /><br />
BRASIL. <i>Constituição da República Federativa do Brasil de 1988</i>. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 16 dez. 2012.<br /><br />
BUZANELLO, José Carlos. <i>Direito de Resistência</i>. Disponível em: <http://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/viewFile/15391/13974>. Acesso em: 15 dez. 2012.<br /><br />
DECLARAÇÃO dos Direitos do Homem e do Cidadão (1793). Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/imperio-napoleonico/declaracao-dos-direitos-do-homem-e-do-cidadao.php>. Acesso em: 15 dez. 2012.<br /><br />
DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 15 dez. 2012.<br /><br />
DERECHO de rebelión. Disponível em: <http://es.wikipedia.org/wiki/Derecho_de_rebeli%C3%B3n>. Acesso em: 15 dez. 2012.<br /><br />
LOCKE, John. <i>Two treatises of government</i>: a critical edition with an introduction and notes by Peter Laslett. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.<br /><br />
MORAES, Alexandre de. <i>Direitos Humanos Fundamentais</i>. São Paulo: Atlas, 1997. p. 39. In: SANTOS, Vanessa Flain dos. Direitos Fundamentais e Direitos Humanos. Disponível em: < http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/14739-14740-1-PB.htm>. Acesso em: 16 dez. 2012.<br /><br />
PORTUGAL. <i>Constituição da República Portuguesa</i>. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/crp.html#art21>. Acesso em: 16 dez. 2012.
<br /><br />Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-37738643679424986232013-05-01T17:21:00.001-03:002020-04-07T18:27:35.408-03:00Abuso de Direito<p align=justify><b><b>INTRODUÇÃO</b></b><br />
<br />
Segundo Aristóteles, em <i>A política</i>, o homem é um animal gregário por excelência, ou seja, não vive sozinho, mas em constante relação com seus pares. Para aquele filósofo grego, as pessoas dependem umas das outras para sua própria subsistência e, desde seu surgimento, sempre viveram em grupos. Assim, criaram-se grupos familiares que evoluíram até alcançar o estágio de sociedade organizada (RICCITELLI, p. 1, 2007).<br />
<br />
Dando um salto no tempo, é patente que a vida em sociedade exige dos indivíduos regras, positivadas ou não, que regulem condições mínimas para a boa convivência. Em um mesmo lugar, em um mesmo momento, os indivíduos querem que o exercício de seus direitos seja garantido. Porém, pelo fato de nem sempre terem noção dos limites, não medem a intensidade desse exercício e acabam interferindo na esfera jurídica alheia.<br />
<br />
Tendo em vista essa situação, o Código Civil de 2002, no art. 187, afirma que “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Isso é uma limitação ética que sujeita à reparação civil o indivíduo que, no exercício de um direito, causa mal a outrem. Ou seja, uma tentativa de evitar o desvio de finalidade de um direito.<br />
<br />
Percebe-se, com isso, que a lei não se preocupa apenas com o caráter objetivo do exercício de um direito, mas também com o subjetivo. O direito de propriedade, a liberdade de expressão e tantos outros não podem ser utilizados com a intenção de prejudicar alguém, sem proveito para quem os exerce.<br />
<br />
Por entender a importância da definição de limites para o convívio em sociedade, este trabalho tem o objetivo de definir abuso de direito segundo a doutrina, analisando o entendimento de dois dos principais doutrinadores nacionais. Além disso, analisar-se-á o <i>Caso Ellwanger</i>, em que o exercício da liberdade de expressão leva seu titular à mais alta corte do País. <br />
<br />
<b>1 O ABUSO DE DIREITO E A DOUTRINA</b><br />
<br />
Até a promulgação do Código Civil de 2002, não se podia afirmar que existia uma solução satisfatória para a problemática do abuso de direito. Havia autores, como Marcel Planiol, que enxergavam uma contradição interna na utilização dos termos, pelo fato de a ideia de abuso ser contrária ao direito e o conceito de direito ser avesso à noção de qualquer abuso. Por outro lado, havia o entendimento de que o exercício do direito jamais poderia ser visto como algo ilícito, mesmo que causasse ruína, desgraça ou humilhação a outrem (PEREIRA, 2012, p. 565, 566).<br />
<br />
Conforme o ensinamento aristotélico, o ser humano é um animal social. Assim, a união entre os homens é natural, pois o homem é naturalmente carente e necessita de coisas e de outras pessoas para se sentir pleno. Dessa forma, viu-se a necessidade de encontrar um meio-termo, um limite para que os indivíduos conciliassem o exercício de seu direito e o respeito à esfera jurídica alheia, garantindo a boa convivência entre os homens. A doutrina do abuso de direito se firma nesse entendimento.<br />
<br />
Segundo Caio Mário (idem, p. 566, 567), o abuso de direito fundamenta-se na regra da relatividade dos direitos; na dosagem do conteúdo do exercício, quando admite que se o titular de um direito exceder o limite regular de seu exercício agirá sem direito; e na configuração do <i>animus nocendi</i>, estabelecendo que o exercício do direito que tem o objetivo de prejudicar alguém deve ser reprimido.<br />
<br />
Atualmente, considera-se inadmissível que alguém cause prejuízo evitável a outrem sob alegação de estar exercendo um direito seu, com intuito de fazer o mal e sem proveito próprio. É interessante observar a intenção do sujeito do direito, pelo fato de haver situações em que se causa certo dano a outrem que são perfeitamente lícitas, como a cobrança de uma dívida. Neste caso, o dano ao devedor seria inevitável, pois é intrínseco ao exercício regular e normal do direito.<br />
<br />
Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 467, 468) ensina que os romanos entendiam que quem agisse dentro de seu direito não prejudicaria a ninguém. Infelizmente, essa ótica individualista que justificava os excessos e abusos do direito foi aplicada durante anos. Na atualidade, porém, as sociedades civilizadas reconhecem a existência de um dever de não prejudicar a outrem. Contudo, é preciso frisar que nos casos de abuso de direito não ocorre uma violação objetiva dos limites previstos em lei. O que se dá é um desvio da finalidade social a que o direito se destina.<br />
<br />
Há inúmeros casos em que se encontra abuso no exercício de um direito. Por exemplo, alguém que, entendendo exercer seu direito de propriedade, transforma seu terreno situado em área residencial em um depósito de lixo, com a intenção de desvalorizar os demais imóveis para uma futura possibilidade de compra. O direito do proprietário não pode colocar em risco a saúde da vizinhança, do solo, do subsolo e do ar (art. 1.228, §§ 1º, 2º, do CC).<br />
<br />
A mesma constituição que garante o direito de propriedade estabelece que a propriedade deve atender à sua função social (art. 5º, XXII, XXIII, da CF; art. 5º, da LInDB). Assim, em uma ponderação entre o direito de propriedade e a dignidade da vizinhança, prevalecerá esta última. Nesse caso, o interesse existencial dos demais moradores se sobreporá ao econômico do proprietário do terreno.<br />
<br />
Entendendo que o abuso de direito tem relevância na maioria dos campos do direito, por ser uma forma de repressão à aplicação antissocial de direitos subjetivos (GONÇALVES, 2009, p. 468), na sequência, pretende-se analisar o <i>Caso Ellwanger</i>, em que alguém, alegando exercer sua liberdade de expressão, divulga material de conteúdo racista. Dessa forma, perceber-se-á como as opiniões dos ministros do STF se dividiram ao julgar os limites da liberdade de expressão, garantida pelos arts. 5º, IV, IX; 220, <i>caput</i>, da Constituição Federal.<br />
<br />
<b>2. CASO ELLWANGER: UM CONFRONTO ENTRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O RACISMO*</b><br />
<br />
<b>2.1 Apresentação do caso</b><br />
<br />
Em 1986 o Movimento Popular Anti Racista (MOPAR), formado pelo movimento judeu, movimento negro e movimento de justiça e direitos humanos, entrou com uma denúncia contra o editor gaúcho Siegfried Ellwanger Castan, alegando o conteúdo racista de suas obras, dizendo que elas denegriam a imagem do povo judeu e lhe aplicavam um valor pejorativo. Em 1990 uma nova denúncia foi realizada, instaurando-se inquérito policial que foi remetido ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS) e recebido em 1991.<br />
<br />
O MP-RS determinou a busca e apreensão dos exemplares que continham o conteúdo racista, entretanto Ellwanger não acatou tal decisão, e em 1996 foi flagrado vendendo os exemplares na Feira do Livro de Porto Alegre, o que gerou uma nova denúncia, que foi recebida em 1998. A defesa sustentou que tais obras do escritor não tinham conteúdo racista, e sim, um cunho ideológico contra o movimento sionista internacional. Porém, a defesa não obteve sucesso na sustentação e o escritor foi condenado a dois anos de reclusão. <br />
<br />
Em dezembro de 2002, a defesa de Ellwanger ajuizou pedido de <i>habeas corpus </i>no Supremo Tribunal Federal (STF), como recurso à condenação imposta pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 1991, pela publicação de livros como “Holocausto judeu ou alemão? Nos bastidores da mentira do século” e “Os Conquistadores do Mundo: os verdadeiros criminosos de guerra e Hitler, culpado ou inocente?”. O pedido de <i>habeas corpus </i>foi negado e a condenação foi reiterada pelo STF em 2003.<br />
<br />
<b>2.2 O entendimento do STF</b><br />
<br />
Para chegar à decisão, os ministros do STF, basicamente, discutiram o conceito de racismo, liberdade de expressão e manifestação do pensamento individual. Naquela ocasião, o relator Moreira Alves e os ministros Ayres Brito e Marco Aurélio foram favoráveis ao <i>habeas corpus</i>, por entenderem que o povo judeu não pode ser considerado uma raça. <br />
<br />
Além disso, segundo eles haveria uma diferença entre a divulgação de ideias de teor antissemita e a incitação de práticas antissemitas. Dessa forma, o editor não poderia ser condenado por ter feito uma revisão histórica do conflito entre alemães e judeus na Segunda Grande Guerra. No entanto, a discussão desenvolvida pela maioria dos ministros não privilegiou a interpretação gramatical ou literal do texto constitucional a respeito do racismo (arts. 4º, VII; 5º, XLII, CF).<br />
<br />
Para sustentar seu voto, o ministro Maurício Corrêa, v.g., argumentou que o conceito convencional de raça foi abolido pela genética e que a intolerância humana é que ainda divide seres humanos em raças. Já o ministro Celso de Mello, por entender que a única raça existente é a espécie humana, afirmou que houve ofensa à dignidade dos judeus por razões de cunho racista. Gilmar Mendes, por sua vez, também indeferiu o pedido, por compreender que em uma sociedade plural não se pode priorizar a liberdade de expressão em detrimento da igualdade e da dignidade humana, daí a previsão constitucional de inafiançabilidade e imprescritibilidade para o crime de racismo (art. 5º, XLII, CF).<br />
<br />
Ao final do julgamento, o STF entendeu o racismo um conceito político-social, que se desenvolveu ao longo do tempo e acabou gerando discriminação e segregação. Logo, no entendimento dos ministros do STF o antissemitismo presente nas obras do escritor foi considerado como incentivo ao racismo, sendo, portanto, aplicáveis as sanções penais previstas. Assim, o STF negou o pedido por 8 votos a 3, considerando que o ato de Ellwanger tinha sido típico do crime de racismo e que a divulgação das obras em questão poderia pôr em risco a segurança dos judeus residentes no Brasil (BRASIL, 2001).<br />
<br />
<b>2.3 O que é liberdade de expressão?</b><br />
<br />
A liberdade de expressão é o direito de manifestação e exteriorização do pensamento sem prévia censura, sem nenhum tipo de opressão por parte do Estado ou de outros, apresentando-se assim como um dos direitos mais importantes em um Estado Democrático de Direito (art. 5º, IV, da CF). Enfatiza-se que o homem não consegue viver isolado, pois é um ser social, isto é, possui intrinsecamente a necessidade de viver em sociedade, de se relacionar, trocando ideias e opiniões com outros homens. Por isso, essa liberdade é fundamental e é tutelada pela Constituição.<br />
<br />
Não obstante, sob a ótica do ministro Marco Aurélio, a necessidade de sempre expressar um pensamento politicamente correto seria uma espécie de tirania. Afirmou ainda que as pessoas não podem ser obrigadas a pensar da mesma forma que as outras. Assim, define-se liberdade de expressão como o direito de expressar um pensamento independentemente de fazer parte de uma linha contramajoritária. <br />
<br />
O indivíduo, obviamente, deve sujeitar-se ao direito de resposta dos possíveis prejudicados, proporcional ao agravo, e ao pagamento de indenização caso haja dano material, moral ou à imagem (art. 5º, V, da CF). Além disso, nos casos em que a suposta liberdade de expressão configurar um racismo disfarçado, em função de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, há previsão de pena de reclusão (art. 5º, XLII, da CF; art. 140, § 3º, do CP).<br />
<br />
<b>2.4 Quais seriam os limites das restrições à liberdade de expressão?</b><br />
<br />
Tal indagação foi respondia com os votos dos ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, ao dizerem que a liberdade de expressão, apesar de ser uma garantia constitucional, não poderia ter um caráter absoluto, tendo assim limites jurídicos, pois não poderia a partir do uso da liberdade de expressão justificar um ato que é considerado um ilícito penal, como o racismo.<br />
<br />
O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor moral e espiritual inerente à pessoa e constitui o princípio máximo em um Estado Democrático de Direito, sendo inalienável e irrenunciável. Immanuel Kant foi o responsável pela formulação deste pensamento ao dizer que o indivíduo deveria ser tratado como um fim em si mesmo, e não como um meio, um objeto, protegendo assim o ser humano contra qualquer ato de cunho degradante e desumano, proporcionando a garantia de uma vida saudável e digna. Assim sendo, a dignidade da pessoa humana é um dos mais importantes bens jurídicos tutelados pelo ordenamento.<br />
<br />
Considerando que as normas jurídicas constitucionais são hierarquicamente equiparadas, quando há colisão entre duas ou mais delas, os valores em questão devem ser harmonizados, equilibrando-os da melhor maneira possível. Além disso, quem aplica a lei pode usar o princípio da proporcionalidade como um instrumento para tomar a decisão mais adequada (LIMA, 2002). Dessa forma, entende-se que a liberdade de expressão de um indivíduo não pode chocar-se com o princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, a decisão do STF em relação ao <i>Caso Ellwanger </i>foi acertada. <br />
<br />
<b>CONCLUSÃO</b><br />
<br />
A vida em sociedade impõe que os seres humanos busquem a boa convivência e encontrem maneiras de garantir o exercício de direitos de forma que não haja prejuízo alheio. A máxima que diz “Meu direito começa quando o seu termina” é muito difundida, mas perigosa, por não ser possível precisar os limites que o outro se impôs no exercício de um direito, tampouco sua finalidade. Assim, seria possível que o direito de um indivíduo nunca viesse a ser exercido, por ser o direito do outro muito extenso.<br />
<br />
Com o objetivo de solucionar conflitos, tendo em vista o ideal de justiça, o Código Civil, em seu art. 187, afirma praticar ato ilícito quem exceder de forma manifesta os limites impostos, a finalidade econômica ou social, no exercício de um direito. Entende-se então que, diferentemente do expresso na máxima acima, o direito dos indivíduos devem coexistir de forma harmoniosa. Assim, não se justifica que a coletividade seja prejudicada, ainda que moralmente, pela ação ou omissão de alguém que ignora os limites impostos à prática de um direito. <br />
<br />
A análise do <i>Caso Ellwanger </i>foi uma boa oportunidade de refletir sobre a forma como alguns indivíduos exercem seus direitos. A garantia constitucional de liberdade de expressão não pode ser subterfúgio para agredir a honra, a dignidade alheia. A Constituição de 1988 garante a liberdade de expressão, mas também garante a proteção à honra. Quando se ponderam as duas garantias, a honra pesa mais. Ou seja, em nome da honra alheia não se deve propagar ideias ofensivas, sob pena de responder judicialmente, como ocorrido no caso analisado.<br />
<br />
Como o bom senso não é algo que possa ser medido e dificilmente alguém reconhece não tê-lo, faz-se necessário que o direito apresente limitações ao exercício dos direitos, para garantir a boa convivência humana e para que todos tenham minimamente a garantia de exercício de direitos. É um círculo virtuoso, em que o direito de alguém é limitado para garantir o direito de outrem e o deste é limitado para garantir o daquele.<br />
<br />
Espera-se que este trabalho tenha sido útil para demonstrar que, pelo fato de se viver em sociedade, não se pode fazer nada irresponsavelmente. Ainda que não se viole o direito de forma objetiva, deve-se verificar se subjetivamente há respeito à coletividade. Por fim, entendeu-se que o direito não deve caminhar afastado da moral.<br />
<br />
*BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF nega Habeas Corpus a editor de livros condenado por racismo contra judeus. 2001. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=61291&caixaBusca=N>. Acesso em: 28 dez. 2012.<br />
<br />
<b>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</b><br />
<br />
A LIBERDADE de expressão no contexto constitucional brasileiro. 2012. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/a-liberdade-de-expressao-no-contexto-constitucional-brasileiro/93101/>. Acesso em: 28 dez. 2012.<br />
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BRASIL. <i>Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 </i>(CF). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 30 dez. 2012.<br />
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_____. <i>Decreto-Lei 4.657, de 04 de setembro de 1942</i>. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LInDB). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm>. Acesso em: 30 dez. 2012.<br />
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_____. <i>Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002</i>. Código Civil (CC). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 27 dez. 2012.<br />
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_____. Supremo Tribunal Federal. <i>STF nega Habeas Corpus a editor de livros condenado por racismo contra judeus</i>. 2001. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=61291&caixaBusca=N>. Acesso em: 28 dez. 2012.<br />
<br />
CONSULTOR Jurídico. <i>Editor nazista é condenado a quase dois anos de reclusão</i>. 2004. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2004-set-10/editor_nazista_condenado_dois_anos_reclusao>. Acesso em: 29 dez. 2012.<br />
<br />
GONÇALVES, Carlos Roberto. <i>Direito civil brasileiro</i>. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.<br />
<br />
LIMA, George Marmelstein. A hierarquia entre princípios e a colisão de normas constitucionais. <i>Jus Navigandi</i>, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2625>. Acesso em: 28 dez. 2012.<br />
<br />
PEREIRA, Caio Mário da Silva. <i>Instituições de direito civil</i>. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.<br />
<br />
RICCITELLI, Antonio. <i>Direito constitucional</i>: teoria do estado e da constituição. 4. ed. São Paulo: Manole, 2007. <br />
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Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-66895045430715288382012-12-19T20:41:00.000-02:002012-12-19T20:41:23.227-02:00O antigo, mas sempre atual, dilema entre Direito e Moral<p align=justify><b>RESENHA</b><br /><br />
Livro resenhado: ALEXY, Robert. <i>La institucionalización de la justicia</i>. Tradução de J. A. Seoane; E. R. Sodero; P. Rodríguez. Granada: LAEL, 2005. (96 pp.)<br /><br />
<b>O antigo, mas sempre atual, dilema entre Direito e Moral</b><br /><br />
<i>La Institucionalización de la Justicia</i>, do jusfilósofo alemão Robert Alexy, em seu primeiro capítulo, apresenta um artigo que trata da relação entre direito e moral. Sobre a possibilidade de interdependência entre estes, há duas concepções: uma positivista e outra não positivista (ou jusnaturalista). A primeira defende as teses da separabilidade e da separação entre direito e moral; enquanto a segunda, em contraposição àquela, defende uma versão da vinculação entre os dois elementos que intitulam o artigo em questão.<br /><br />
Em sua abordagem sobre a tese da separabilidade, Alexy diz que esta concepção positivista não vê nenhuma relação obrigatória entre direito e moral. Ou seja, as afinidades que se encontram entre eles seriam apenas casuais. Dessa forma, seria negada a existência de interdependência entre direito e moral ou entre o que o direito é e aquilo que deveria ser.<br /><br />
Segundo Alexy, essa tese define a versão mais fraca do positivismo, pois afirma ser possível atribuir qualquer conteúdo ao direito, independentemente de seu compromisso com a justiça. Observa-se que isso não exclui a possibilidade uma disposição constitucional, eventualmente, conter princípios morais que transformem direitos humanos em direito positivo. Assim, esse entendimento positivista assevera que a inclusão de valores morais ao direito seja algo possível, mas não imprescindível, portanto, o direito poderia prescindir de moralidade. Nesses casos, o ordenamento jurídico se autojustificaria.<br /><br />
A tese da separação, por sua vez, é a versão mais forte do positivismo. Esta, além do exposto sobre a separabilidade, defende que existem razões normativas para definir o direito de modo que os elementos morais sejam excluídos. Percebe-se, então, que se trata de dois argumentos distintos. Enquanto a tese da separabilidade observa o que é necessário e analítico, a tese da separação busca argumentos normativos e tenta identificar a melhor definição de direito dentre as várias possíveis. Desse modo, o entendimento positivista de separação mostra que é preferível a exclusão à inclusão de valores morais ao direito.<br /><br />
Caso se considere essa tese correta, a legalidade conforme o ordenamento e a eficácia social seriam itens diferenciadores, o que daria margem à identificação de diferentes vertentes do positivismo jurídico. Portanto, cabe ressaltar a diferença entre eficiência e eficácia de uma lei. Enquanto esta se relaciona ao cumprimento ou não de um ordenamento jurídico –voluntária ou coercitivamente –, aquela está relacionada ao fato de uma lei servir ou não para aquilo que foi criada. Consequentemente, uma lei pode ser eficaz, caso os indivíduos a ela submetidos a cumpram rigorosamente, mas ineficiente, se os objetivos iniciais não forem alcançados.<br /><br />
Em relação à legalidade do ordenamento jurídico, a seu turno, é sabido ser possível que haja normatividade sem moralidade, porém esta não seria um item necessário ou desejável que diferenciasse o conceito de direito segundo os positivistas. Por outro lado, os jusnaturalista concordam que o conceito de direito não pode, ou não deveria, desvincular-se da moralidade. Ao considerar isso, nota-se a existência de duas teses de vinculação: uma forte, que nega a tese da separabilidade, e outra fraca, que nega a tese da separação, pois entende a inclusão como algo desejável ou preferível, mas não imprescindível.<br /><br />
Uma visão jusnaturalista pura e mais radical substituiria a eficácia social e a legalidade do ordenamento pela correção moral, o que seria um fio condutor ao anarquismo(1). Entende-se que esse fato também poderia produzir um quadro de anomia, caso se considere a ausência do Estado e a possibilidade de cada um ser o que quiser, escolhendo seus próprios valores na sociedade em que vive. Para que isso não ocorra, destaca-se a necessidade de o direito positivo ser definido com base na legalidade do ordenamento e na eficácia social.<br /><br />
Visto isso, discute-se se a eficácia social e a legalidade do ordenamento devem estar vinculadas ou não à correção moral. Daí seguem três vinculações possíveis: a) quando há inclusão de valores morais no direito positivo; b) quando a moral delimita o direito positivo; e c) quando a moral aponta para uma obrigação de obediência ao direito positivo. Dessas vinculações decorrem três questionamentos: a) que valores seriam incluídos? b) que limites seriam dados? e c) como seria essa fundamentação?, respectivamente.<br /><br />
Sobre a questão da inclusão, positivistas e jusnaturalistas são harmônicos ao entenderem que o direito possui uma estrutura aberta, por isso, há lacunas do direito positivo que só se resolvem com apoio de uma argumentação de base moral. Lembre-se que, conforme o art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, quando houver omissão da lei, o juiz poderá decidir o caso com o apoio dos costumes, dentre outras fontes supletivas de direito. Se não fosse assim, na omissão da lei o juiz aplicaria seus próprios valores e não os da comunidade necessariamente. O costume “vigora e tem cabimento, até onde não chega a palavra do legislador, seja para regular as relações sociais em um mesmo rumo que o costume antes vigente, seja para estabelecer uma conduta diversa da consuetudinária” (PEREIRA, 2012, p. 57). Assim, os princípios morais exercem um papel corretivo em relação ao direito positivo.<br /><br />
A propósito, é a urgência da inclusão de princípios e argumentos morais no direito que diferencia o positivismo do jusnaturalismo. Enquanto o direito prestigia certos valores morais, a moral serve de fiel da balança nos casos em que o direito positivo for omisso, configurando, assim, uma relação de retroalimentação. Como se vê, a aplicação de uma lei é a explicitação de que determinado valor moral deve ser observado e a indicação de uma conduta que deve ser corrigida. Se o direito abandonasse essas atitudes, a condenação de alguém seria apenas uma mostra do poder estatal. Ressalva-se que, apesar de a ideia de justiça estar intimamente ligada ao direito, há leis moralmente reprováveis que mesmo assim possuem validade jurídica.<br /><br />
Em relação ao limite que a moral imporia ao direito, aqui também se visualiza um quadro de possível anarquia caso uma norma jurídica perdesse sua validade pelo fato de, até certo grau, não ser condizente com um preceito da moralidade, que não pode ser confundida com moralismo. Então, afirmar que uma injustiça extrema não é direito pode suscitar dois pontos de observação: o do aplicador da lei e o do destinatário dela.<br /><br />
Para exemplificar, recorre-se à peça Antígona, em que Creonte, representante do direito positivo, entende ser injusta a não obediência de um edito seu; enquanto a personagem que dá nome à tragédia, símbolo da defesa do direito natural, entende ser injusto o não sepultamento de seu irmão, o que contrariaria uma tradição ligada à religiosidade de seu povo. Os positivistas diriam que a posição de Creonte preservaria a segurança jurídica, sob pena de várias outras leis serem anuladas pela escusa de não serem adequadas à moral ou aos costumes. Por sua vez, os jusnaturalistas poderiam argumentar que as honras que envolviam o sepultamento de um morto eram anteriores ao edito de Creonte.<br /><br />
O terceiro questionamento sobre a relação entre direito e moral tenta responder, basicamente, à seguinte pergunta: Os destinatários do sistema jurídico teriam um dever moral de aceitar o que está prescrito pelo simples fato de ser lei, independentemente de seu conteúdo? Se fosse assim, a moral seria um fundamento do direito. Sobre isso o positivismo possui simultaneamente duas vertentes: a positivista moral entenderia que, por mais imoral que seja, o que está prescrito não perde sua eficácia social; já a positivista neutral diria que os deveres jurídicos, os únicos estabelecidos pelo direito, não deveriam chocar-se com os deveres morais, mas podem fazê-lo.<br /><br />
Ilustrativamente, lembre-se do auxílio-moradia retroativo que a Assembleia Legislativa de Pernambuco concedeu a políticos com mandato de deputado estadual entre 1994 e 1997, mesmo para aqueles com residência em Recife, sob a alegação de que eles estariam fazendo jus à equiparação com os deputados federais(2). A aprovação de um auxílio do tipo citado torna-o legal. Apesar de ir de encontro à moral, os positivistas diriam que mesmo assim ainda possui eficácia social ou que não deveria ser aprovado, mas pode. Por outro lado, os jusnaturalistas veriam nisso um caso de injustiça extrema, visto que quem residia em Recife no período citado não teve gastos com moradia para participar das atividades parlamentares.<br /><br />
Sobre a objeção de um dever moral geral de obediência ao direito, existem duas classes: uma cuida de anular os fundamentos de tal dever e a segunda, de fazê-los retroceder. A primeira diz que em alguns casos a não observação de um preceito jurídico não traz consequências negativas para a resolução de conflitos e a cooperação social. São casos em que não haveria testemunhas de que um preceito jurídico não foi observado. Aí, pode-se discutir se o que importa para o juízo moral são as ações ou as regras, centro do debate dos utilitaristas. Além disso, é sabido que dificilmente se cometerá um delito que não prejudique nenhuma pessoa e sem testemunhas. A segunda trata de casos em que a vantagem do infrator significa a desvantagem da coletividade, ainda que dificilmente seja comprovado o ato.<br /><br />
Finalizando, entende-se que existe um valor moral que direciona os indivíduos a obedecerem ao direito, desde que este não seja extremamente injusto, viole outros direitos ou esteja desvinculado da moral. Apesar disso, não é simples a tarefa de determinar o que seria extremamente injusto, dada a multiplicidade de dilemas morais que envolvem a sociedade. Assim, acredita-se que o embate ideológico entre jusnaturalistas e positivistas ainda tem espaço para muita discussão, dado o difícil tracejar do limite entre direito e moral.<br /><br /><p align=justify><br />
<b>Referências Bibliográficas</b><br /><br />
ALEXY, Robert. <i>La Institucionalización de La Justicia</i>. Granada: LAEL, 2005. pp. 17-29.<br /><br />
BRASIL. <i>Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro</i>. Lei nº 4.657 de 4 de setembro de 1942.<br /><br />
PEREIRA, Caio Mário da Silva. <i>Instituições de Direito Civil</i>. 25. ed. RJ: Forense, 2012. pp. 56, 57.<br /><br />
1) Entenda-se aqui anarquismo como um estilo em que “deve-se viver de acordo com a natureza, sem a preocupação de obter bens, respeitar convenções ou submeter-se às leis ou às instituições sociais” (DALLARI, 2012), e não em seu sentido pejorativo de desordem ou vandalismo.<br /><br />
2) Cf. LACERDA, Angela. Deputados de PE recebem auxílio-moradia dos anos 90. <i>O Estado de São Paulo</i>. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,deputados-de-pe-recebem-auxilio-moradia-dos-anos-90,814909,0.htm>. Acesso em: 05 abr. 2012.Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-23004600897132134172012-07-31T13:59:00.000-03:002012-07-31T13:59:06.909-03:00Antígona: Uma breve análise das questões morais e jurídicas na tragédia tebana<p align=justify><b>INTRODUÇÃO</b><br /><br />
A peça <i>Antígona </i>é a última da Trilogia Tebana escrita por Sófocles, poeta grego que viveu no século V a.C., e dá sequência a <i>Édipo Rei </i>e <i>Édipo em Colono</i>. O palco dos acontecimentos é Tebas, cidade que fora governada por Laio, pai de Édipo. Quando este, desconhecendo o laço paternal, matou aquele, foi seu tio Creonte quem governou a cidade até que Édipo se tornasse o rei.<br /><br />
Depois de Édipo ter deixado Tebas por causa de seu erro, Etéocles e Polinice, filhos de Édipo e Jocasta, em comum acordo, alternam o governo da cidade em lugar de seu pai. Porém, depois de um período, Eteócles recusou-se a ceder seu lugar ao irmão, que declarou guerra para conquistar a coroa. Descontente, Polinice juntou-se com Adrasto, rei de Argos, e outros guerreiros e lançou a expedição dos Sete contra Tebas, iniciando uma guerra para retomar a coroa.<br /><br />
Durante uma batalha, os irmãos se mataram um ao outro, e Creonte, outra vez no poder, rendeu homenagens a Etéocles antes de sepultá-lo e instituiu um édito que proibia o sepultamento e as honrarias a Polinice previstos pela tradição funerária ligada à religião. Antígona, irmã dos dois, inconformada com o desrespeito ao costume sagrado, decidiu desobedecer às ordens reais e dar um sepultamento digno a Polinice.<br /><br />
É a partir daí que este trabalho pretende abordar as questões morais e jurídicas que envolvem essa tragédia tebana. Encenada e estudada ao longo dos séculos por discutir os limites entre o direito natural e o direito positivo, <i>Antígona </i>agora servirá de base para uma análise que não pretende ser exaustiva ou linear, mas que deseja discutir brevemente temas como crimes contra a vida; tipos de punição; religiosidade; tirania; conceito de justiça; desigualdade entre homens, mulheres e escravos na sociedade tebana.<br /><br />
<b>1. ANÁLISE DAS QUESTÕES MORAIS E JURÍDICAS EM <i>ANTÍGONA</i></b><br /><br />
<b>1.1 Atentados contra a vida</b><br /><br />
Motivada pelo costume sagrado, Antígona assumiu o dever de sepultar Polinice, que matou Etéocles e foi morto por ele. Em relação aos atentados contra a vida, destacam-se da peça o fratricídio, o suicídio e o regicídio. O primeiro está relacionado ao homicídio entre irmãos, o segundo é o ato intencional de tirar a própria vida e o terceiro é o homicídio de um governante.<br /><br />
Apesar dos laços fraternais, Polinice e Etéocles entendiam que o domínio da cidade estaria acima das ligações familiares, por isso não se pouparam um ao outro. A personagem que dá nome à peça, ao ver-se emparedada e condenada à morte, antecipa-a, enforcando-se com uma corda de sua cintura. Hêmon, noivo de Antígona e filho de Creonte, indignado ao ver sua amada morta, preferiu suicidar-se. Na sequência, Eurídice, mãe de Hêmon, desconsolada pela morte do filho, também se mata.<br /><br />
Observa-se que antes de suicidar-se, Hêmon tentou ferir seu pai, mas este afastou-se e não se feriu. Caso aquele conseguisse seu intento e ferisse seu pai de morte, seria um caso de regicídio e não de parricídio exclusivamente. A motivação do crime seria a insatisfação com a punição que Creonte deu a Antígona, que não foi motivada por ordem do futuro sogro, mas do tirano de Tebas.<br /><br />
Obviamente, os atentados descritos acima não podem ser analisados apenas sob a ótica do século XXI. Naquele tempo e naquela sociedade, a morte era preferível à desonra e ao banimento. Veja-se o que disse Antígona a Creonte quando viu que não teria escapatória: “Que vou morrer, bem o sei; é inevitável; e morreria mesmo sem o teu decreto. E para dizer a verdade, se morrer antes do meu tempo, será para mim uma vantagem! Quem vive como eu, envolta em tanto luto e desgraça, que perde com a morte?” (SÓFOCLES, 2003 p. 96).<br /><br />
Essa atitude extremada foi uma maneira de levar às últimas consequências uma insatisfação. Ainda hoje há muitos gregos cometendo o suicídio por não concordarem com a atual política grega e por terem sido prejudicados por ela.<br /><br />
<b>1.2 Punições</b><br /><br />
Dentre os muitos tipos de punição, como a prisão por um crime ou a escravização de um prisioneiro de guerra, <i>Antígona </i>apresenta duas práticas que ainda podem ser encontradas em alguns países fundamentalistas islâmicos, <i>e.g</i>.: o apedrejamento e o emparedamento. Esta foi a punição dada a Antígona, apesar de aquela ter sido a punição prometida aos desobedientes.<br /><br />
O emparedamento foi uma espécie de sepultamento em vida àquela que já estava morta sentimentalmente pela perda do irmão. Como disse Tirésias, o profeta cego de Tebas, “Para que matar pela segunda vez quem já não vive?” (Ibdem, p. 113). As pedras da caverna foram a sepultura que o destino reservou para a filha de Édipo que, movida por seu amor fraternal, em um ato heroico, deu sepultura ao irmão. A honra deste foi a desonra e a punição daquela. <br /><br />
Caso se considere apenas a desobediência, a personagem que dá nome à tragédia recebeu o que merecia por ter ido de encontro à determinação real, porém existem outros detalhes que merecem observação: o objetivo da desobediência não foi questionar a legitimidade de Creonte como governante, mas aquela proibição específica. Além disso, não foi por sua própria vaidade, mas para observar uma tradição funerária de reconhecida importância para a sociedade tebana, inclusive o próprio Creonte, que rendeu homenagens a Etéocles.<br /><br />
<b>1.3 Conceito de justiça</b><br /><br />
Em <i>Antígona</i>, aborda-se a justiça sob dois aspectos: um relacionado àquilo que deveria ser feito pelos indivíduos – desde o nível pessoal até o estatal − e outro relacionado à personificação da deusa Justiça. O primeiro caso pode ser visto quando o Corifeu disse à Antígona que não seria justo dar o mesmo tratamento ao homem de bem, que segundo eles seria Etéocles, e ao criminoso, Polinice. Vê-se aqui a subjetividade do que seria um homem de bem. Como o insepulto era contrário ao poder vigente, este foi considerado o criminoso. O segundo, quando Antígona explica que desobedeceu a ordem real “pois não foi decisão de Zeus; e a Justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas, jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos” (Ibdem, p. 96). Entende-se aí que quando uma lei é extremamente injusta, ela poderá deixar de ser observada, perdendo sua eficácia social.<br /><br />
Já na opinião de Creonte, tudo que ele determinava seria justo e não havia nenhuma injustiça no fato de ele sustentar sua autoridade com proibições daquele tipo. Isso é uma mostra de que a ordem foi dada em benefício próprio e não de Tebas. Por medo de que sua autoridade fosse colocada à prova, Creonte, que já havia experimentado o poder em outra ocasião, temeu que as honras prestadas a Polinice pudessem ser relacionadas a um movimento de contestação ao seu poder e estimulassem novas revoltas contra ele.<br /><br />
Segundo o Coro, o homem “Com inteligência e habilidade ele pode se inclinar, ora para o bem, ora para o mal. Quando no governo, frequentemente se torna indigno, abjura as leis da natureza e as leis divinas a que jurou obedecer, e pratica o mal, audaciosamente!” (Ibdem, p. 93). Assim agia Creonte. Apesar de demonstrar consideração por algumas leis da natureza ou divinas, era capaz de passar por cima das que considerasse prejudiciais ao seu governo, agindo de forma incoerente e hipócrita.<br /><br />
<b>1.4 Religiosidade e mitologia </b><br /><br />
A sociedade tebana era submetida a várias fontes de direito. Além do direito positivo, havia os costumes, a religião e a mitologia. Vivia-se em um ambiente controlado pela autoridade, pela religiosidade e pelo medo de punições, de homens ou deuses, conforme o mito, visto que “Um dos elementos centrais do pensamento mítico e de sua forma de explicar a realidade é o apelo ao sobrenatural, ao mistério, ao sagrado e à magia” (MARCONDES, s.d., p. 20).<br /><br />
Não se duvida do sentimento que Antígona nutria por seu irmão. Ela disse que não contrariaria a proibição real por causa de um filho ou marido, mas sim pelo irmão, visto que, por não ter mais pai ou mãe, nunca mais poderia ter outro. Ainda assim, durante todo o tempo existiu o medo de punição por algo errado que supostamente tivesse sido feito, antes ou depois do rito fúnebre de Polinice.
<blockquote></blockquote><p align=”Right”>Deuses imortais, qual de vossas leis infringi? Mas... poderá me valer implorar aos deuses? Que auxílio posso deles esperar, se foi um ato de piedade que atraiu sobre mim o castigo reservado aos ímpios? Se tais coisas recebem a aprovação dos deuses, reconheço que sofro por minha culpa; mas, se me são impostas por meus inimigos mortais, a eles não desejo suplício mais cruel do que este que vou padecer!
(SÓFOCLES, 2003, p. 101).</p><blockquote></blockquote>
<p align=justify><A prece de Antígona foi atendida, visto que seu noivo foi ao seu encontro livrá-la da morte, porém ela já se havia enforcado. Creonte foi castigado com a morte de seu filho e de sua mulher. Esses e outros acontecimentos foram vistos como castigo e obra do destino e interferência dos deuses em assuntos humanos. Como disse o Coro, “aos mortais não cabe evitar as desgraças que o destino traz”.<br /><br />
Acreditava-se que a casa dinástica dos Labdácias tinha sido castigada pelos deuses por causa do incesto cometido por Édipo e Jocasta e pelo parricídio praticado por Édipo. O Corifeu levantou a possibilidade de Antígona estar passando por tudo aquilo para expiar o pecado de seu pai. Sob esse aspecto, Creonte teria sido apenas um instrumento dos deuses para punir a neta de Laio.<br /><br />
Durante os preparativos para o emparedamento de Antígona, não se esqueceu de provê-lo com algum alimento, em cumprimento ao que dizia a tradição, para se evitar um sacrilégio e o castigo dos deuses para toda a cidade. Para aquela sociedade, nenhum homem, nem o rei, poderia profanar os deuses. Apesar disso, Creonte, em alguns momentos, deu uma interpretação pessoal à ideia de profanação.<br /><br />
Em dado momento, o Corifeu levantou a possibilidade de o sepultamento do cadáver ter ocorrido por uma “resolução dos deuses”. Creonte questionou ser possível que os estes honrassem uma pessoa que voltou à terra de seus antepassados para incendiar templos, acabar com tributos aos deuses e subverter sua pátria e as leis. Com isso, o rei demonstrou que acreditava na possibilidade de intervenção dos deuses nas questões terrenas, porém discordava do merecimento daquele defunto por motivos políticos e pessoais.<br /><br />
Por fim, quando o rei foi convencido de que não deveria ter dado aquela punição à Antígona, disse: “é melhor acatar as leis eternas que regem o mundo!” (Ibdem, p. 116), um claro reconhecimento de que o mundo não era regido apenas pelas leis criadas por ele ou por outro governante.<br /><br />
<b>1.5 Tirania</b><br /><br />
Creonte, o tirano de Tebas, confundia-se com a própria cidade, <i>e.g</i>., quando disse que “...aquele que for cidadão benéfico para Tebas terá de mim, enquanto eu viver e depois de minha morte, todas as honras possíveis!” (Ibdem, p. 89). Além disso, disse que Polinice voltou para combater a pátria que Etéocles defendia. Este seria amigo da cidade e aquele inimigo, pois havia escolhido o lado errado da guerra.<br /><br />
Na verdade, a proibição do sepultamento de Polinice foi uma tentativa de mostrar o que, mesmo morto, poderia receber alguém que questionasse a autoridade de Creonte. Na opinião de Hêmon, impedir o sepultamento de Polinice seria vilipendiar os preceitos divinos e essa não seria a melhor forma de se sustentar a autoridade. Mais ainda, segundo Antígona, o povo aprovaria os atos dela se não tivesse a língua tolhida pelo medo e afirma que dizer e fazer o que se quer é privilégio da tirania.<br /><br />
Assim, tal qual Maquiavel em <i>O Príncipe</i>, diz-se que o governante não precisa ser bom ou virtuoso, mas aparentar. Segundo Tirésias, “Os tiranos adoram os proveitos, por mais vergonhosos que sejam” (Ibdem, p. 114). Em contrapartida, conforme Villey (2005), o que diferencia o povo bárbaro do grego é que este cultuava conscientemente o <i>nómos </i>– não entendido apenas como lei escrita, mas como costume, ordem social e direito – e a justiça. E Platão, em A República, considera a tirania como uma forma de governo imperfeita e degenerada (VILLEY, 2005, p. 23).<br /><br />
<b>1.6 Desigualdades sociais em relação a mulheres, escravos e jovens</b><br /><br />
O tirano Creonte representou muitas vezes o pensamento da época em relação ao papel da mulher, dos jovens e dos escravos. Quando seu filho tentou persuadi-lo a não condenar Antígona, Creonte questionou-lhe se seria prudente, na idade dele, aceitar conselhos de um jovem. O juízo de valor não se baseou no que estava sendo dito, mas na idade de quem estava dizendo aquilo.<br /><br />
Quando questionado por Ismênia se seria capaz de mandar matar a noiva de seu filho, Creonte respondeu que “outros campos há que ele (Hêmon) possa cultivar” (SÓFOCLES, 2003, p. 101). A noiva foi metaforicamente comparada a um campo de cultivo que poderia ser facilmente substituído. Ou seja, não seria difícil conseguir outra noiva em seu lugar.<br /><br />
Durante uma conversa com Antígona, Creonte disse que enquanto ele vivesse nenhuma mulher o dominaria. Por desvalorizar a opinião feminina, ele chamou seu filho de “criatura vil, que se rebaixa para servir a uma mulher”, mesmo tendo este dito que lhe pertencia, e faria de tudo para não contrariá-lo, visto que este disse que na opinião de todas as mulheres Antígona não mereceria a morte por uma ação piedosa. Platão, em <i>A República </i>e <i>As Leis</i>, diz que homens e mulheres, quanto ao essencial, têm a mesma natureza (Apud Villey, 2005, 30).
Veja-se o depoimento sentido de Ismênia, irmã de Antígona, sobre a maneira como a mulher era vista em Tebas:<blockquote></blockquote>
[...] pensa no fim mais ainda mais terrível que nos espera se contrariarmos o decreto e afrontarmos o poder de nosso rei! Convém também lembrar que somos mulheres e não temos como lutar contra homens; além disso, não temos poder algum e estamos submetidas aos poderosos. Por isso somos obrigadas a obedecer a suas ordens, por mais que nos contrariem. Por mim, não tendo como resistir aos poderosos, peço perdão a nossos mortos: acatarei a ordem do rei. Seria insanidade tentar aquilo que vai muito além de nossas forças! (SÓFOCLES, 2003, p. 84)<blockquote></blockquote>
<p align=justify><b>2. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA VIGENTE E O CONTEXTO DE <i>ANTÍGONA</i></b><br /><br />
Após análise das questões jurídicas ocorridas em <i>Antígona </i>segundo a legislação brasileira vigente, entende-se que a proibição de Creonte seria vista como impedimento ou perturbação de cerimônia funerária (Art. 209 do CP), cuja pena é de detenção, de um mês a um ano, ou multa, com aumento de um terço, visto que o ato envolveu violência. Mais ainda, o princípio de igualdade previsto no <i>caput </i>do Art. 5º da CF não foi observado, haja vista que a um dos irmãos foi concedido que recebesse homenagens e sepultura e ao outro não; Antígona e as outras mulheres de sua época eram tratadas de forma desigual em relação aos homens (Art. 5º, I, da CF); e a liberdade de prática religiosa foi violada (Art. 5º, VI, da CF e Art. 208 do CP).<br /><br />
Considerando que Antígona suicidou-se com o cordão que prendia sua roupa, quem a prendeu deveria ter retirado dela qualquer coisa que pudesse auxiliá-la a cometer o suicídio. Por isso, segundo o Art. 122 do CP, Creonte poderia ser punido por induzimento ao suicídio, com duplicação da pena por ter sido cometido o crime por motivo egoístico.<br /><br />
Caso um dos comorientes, Etéocles ou Polinice, tivesse sobrevivido após matar o outro, apesar de terem cometido homicídio, entende-se que, por ter ocorrido durante uma guerra declarada, segundo o Art. 5º, inciso XLVII, alínea a, da CF, não haveria crime. Caso se entendesse que houve crime, segundo o Art. 121, § 1º, do CP, se o agente tiver sido impelido por relevante valor social ou moral, o juiz poderá reduzir a pena de um sexto a um terço.<br /><br />
<b>3. CONCLUSÃO</b><br /><br />
Reconhece-se a dificuldade de analisar com a legislação atual fatos que retratam a sociedade de uma pólis grega. Assim, este trabalho, espera-se não ter sido anacrônico, tentou utilizar alguns instrumentos jurídicos atuais em um caso concreto com mais de dois milênios.<br /><br />
Antígona era fruto da sociedade de sua época e das experiências familiares e pessoais pelas quais havia passado. Motivada pelo amor ao irmão e aos deuses, sentiu-se no dever de sepultar seu irmão Polinice e prestar-lhe honras fúnebres. Não apenas pelo laço fraternal, mas por sua responsabilidade religiosa, que também era observada por seus contemporâneos.<br /><br />
A personagem não queria dar sepultura a um traidor da pátria, ao assassino de Etéocles ou ao opositor de Creonte, mas a alguém que havia saído do mesmo ventre que ela e que, por ser um descendente de Laio, já havia passado por diversas provações e castigos. Como se acreditava, muitos destes provinham dos deuses, portanto, não seria prudente passar por cima de uma ordem divina e correr o risco de castigos maiores e eternos.
Entendia Antígona que ninguém teria direito de obrigá-la a cometer uma impiedade e, decidida a fazer o que qualquer cidadão faria se não tivesse medo do decreto real, previu que um dia seu “crime” seria louvado, pois se permitia violar um decreto injusto que quisesse ser superior ao dos deuses. Em uma sociedade em que pouco se dava importância ao indivíduo, por vezes as pessoas eram induzidas a contrariar até os preceitos religiosos antigos. Portanto, a atitude dela foi uma espécie de sacrifício em prol da liberdade.<br /><br />
Apesar de ter sido motivada por um rito funerário religioso, contrariando o direito positivo de seu tempo para aquele caso específico, Antígona tem sido vista como a heroína do direito natural. O que era apenas um rito religioso, com o tempo, passou a ser uma norma social, um direito individual dela. Por isso, ela é admirada pela defesa de seus ideais, de sua consciência religiosa e pela coragem de ir contra o poder de Creonte, o rei de Tebas que representa a tirania de muitos governantes da atualidade. Vejam-se os versos de Tomás Antônio Gonzaga, o mais destacado dos poetas árcades, a respeito do que seria um herói:<blockquote></blockquote>
O ser herói, Marília, não consiste
em queimar os impérios: move a guerra,
espalha o sangue humano,
e despovoa a terra
também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
E tanto pode ser herói o pobre,
Como o maior Augusto
(GONZAGA, Parte I, Lira XXVII)<br /><br /><blockquote></blockquote>
<p align=justify>Assim, a liberdade, tão almejada pelos povos de todos os tempos, muitas vezes é alcançada com o derramamento do sangue de inocentes. Frágeis por serem menores que o opressor, mas fortes por lutarem por seus direitos até as últimas consequências.<br /><br />
Conclui-se que Antígona deve ser inocentada porque em todo o tempo foi justa e coerente com seus princípios firmados na religião, que era o mais sagrado sentimento da sociedade de tebana. A quem fez tudo o que deveria com base no conceito de justiça de seu tempo, por não se ter rendido à tirania e por ser símbolo da luta dos oprimidos, concede-se a absolvição.<br /><br />
<b>BIBLIOGRAFIA</b><br /><br />
GONZAGA, Tomás Antônio.<i> Marília de Dirceu</i>. Disponível em: http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/marilia_de_dirceu.htm. Acesso em: 12 mar. 2012.<br /><br />
MARCONDES, Danilo. <i>Iniciação à História da Filosofia</i>. 7a. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. s.d.<br /><br />
SÓFOCLES. <i>Antígona</i>. São Paulo: Martin Claret, 2003.<br /><br />
VILLEY, Michel. A<i> formação do pensamento jurídico moderno</i>. São Paulo: Martins Fontes, 2005.<br /><br />
<p align=justify><br />Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-22372077591396635632012-07-31T13:32:00.000-03:002013-05-01T17:11:06.658-03:00Direito Romano: análise de quatro tópicos sob influência aristotélica<p align=justify><b>Introdução</b><br /><br />
O Direito Romano é fruto da civilização que, além de contribuir para o surgimento do idioma no qual este trabalho foi escrito, teve importante influência na gênese da legislação vigente em diversos países do mundo, dentre os quais o Brasil. Ao longo dos séculos, o espírito prático dos romanos levou-os a adotar uma filosofia simples e sólida, com origem grega, mas adaptada à realidade romana pela experiência e observação de seus jurisconsultos.<br /><br />
Nesse sentido, nota-se no Direito Romano a índole de autonomia familiar, de proteção do indivíduo, de poder e prestígio do <i>paterfamilias</i>, por exemplo. É sabido também que algumas normas jurídicas romanas foram perdendo a eficácia e sendo reprovadas pelas civilizações subsequentes, como a escravidão e a evidente distinção entre pessoas.<br /><br />
Apesar disso, o Direito Romano é símbolo da evolução do pensamento jurídico ocidental. Além de seu conteúdo, a arte romana preocupou-se com a forma e a linguagem, buscando clareza, simplicidade e exatidão vocabular. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar brevemente quatro aspectos do Direito Romano com influência da doutrina aristotélica, quais sejam: equidade, justiça comutativa x justiça distributiva, preocupação em aplicar apenas o direito, e direito natural.<br /><br />
<b>1. DIREITO ROMANO</b><br /><br />
Desde a origem de Roma (séc. VIII a.C.) até a morte de Justiniano (565 d.C.) houve normas jurídicas que conduziram os romanos. Ao conjunto dessas normas chama-se Direito Romano, cujas fontes são numerosas e de natureza diversa. Segundo Giordani (1968), dentre elas, destacam-se, as obras dos jurisconsultos a seguir: as <i>Instituições de Gaio</i>, modelo para as <i>Instituições de Justiniano</i>; o <i>Livro das Regras</i>, de Ulpiano; o <i>Livro das Sentenças</i>, de Paulo; <i>Fragmento Dositeano</i>; <i>Fragmenta Vaticana</i>, de Paulo, Ulpiano, Papiniano e constituições imperiais, como o <i>Digesto </i>de Justiniano, cuja obra com o tempo ficou conhecida como <i>Corpus Iuris Civilis</i>; e os <i>Fragmentos de Sinai</i>.<br /><br />
A fronteira entre o Direito público e o privado era bem nítida entre os romanos. Essa divisão era feita com base na finalidade. Assim, o <i>publicum ius </i>era o que organizava a República Romana e o <i>privatum ius </i>era o destinado a regulamentar as relações entre particulares. Por ter este último várias divisões, citam-se ilustrativamente o Direito Civil, voltado para o cidadão romano e conhecido também como <i>Ius Quiritum</i>, em alusão aos ancestrais que se autodenominavam <i>Quirites</i>; o Direito das Gentes, com domínio mais amplo que o Direito Civil por ser voltado a todos os povos do mundo romano, cidadãos ou não (D.1.1.9); e o Direito Natural, por vezes visto como o direito ensinado a homens e animais pela natureza ou como o direito que é comum a todos os homens baseado na razão, diferenciando-o de instinto (D.1.1.1.4).<br /><br />
<b>1.1 Suas fontes</b><br /><br />
O Direito Romano foi produzido por várias pessoas, de variadas formas, e teve diferentes manifestações. Giffard (Apud GIORDANI 1968, p. 257) divide a história das fontes do Direito Romano em quatro períodos: origens, antigo direito, período clássico e período do Baixo Império.<br /><br />
No primeiro período, coincidente com a Realeza (753 a.C. – 510 a.C.), os costumes dos antepassados eram a principal fonte de direito. Para evitar a incerteza e arbitrariedade de uma legislação não escrita, diz-se que os comícios curiatos, formados por patrícios que escolhiam reis e demais funcionários do governo, julgavam as disputas e declaravam a guerra ou a paz, votaram as chamadas leis régias.<br /><br />
No período do antigo direito (até 150 a.C.), destacou-se a Lei das XII Tábuas, conhecida como fonte de todo o direito público e privado, conjunto de todo o direito romano, escrita para codificar o direito costumeiro e evitar arbitrariedades de patrícios contra plebeus. Como exemplo da proteção oferecida a estes, lembre-se do exposto na Tábua I, III, que trata do chamamento a juízo: “Se a doença ou idade o impossibilitarem, fornece-lhe condução, mas nunca uma carruagem, a não ser que queiras ser benevolente”. Isso evitaria que um patrício se recusasse a ser levado a juízo por um plebeu que não possuísse recursos para alugar-lhe uma carruagem.<br /><br />
Sabe-se que houve a criação de leis posteriores à Lei das XII Tábuas, como a Lei Canuleia, que permitiu o casamento entre patrícios e plebeus e outras relacionadas a temas agrários e de contratos, conforme as modificações socioeconômicas pelas quais a sociedade romana passou.<br /><br />
No período clássico (150-284 a.C.), iniciou-se a <i>Lex Aebutia</i>, que instituiu o processo formulário, dando origem a novas fórmulas de que as partes necessitavam para conseguir efeitos jurídicos, e enriqueceu o direito. Assim, nesse período, as leis, o costume, os editos dos magistrados, as respostas dos juriscunsultos, os senatus-cunsultos e as constituições imperiais eram as fontes de direito.
Entre o início do reinado de Constantino (312-337 d.C.) e a morte de Justiniano (565) tem-se o período do Baixo Império, quando o imperador legislava e interpretava a lei. Portanto, nesse período, as fontes do direito eram as constituições imperiais e o direito clássico que teve origem nos juriscunsultos, depois de passar pelo crivo do imperador.<br /><br />
<b>2. VISÃO JURÍDICA DE ARISTÓTELES</b><br /><br />
A tendência universalista é uma característica marcante na filosofia grega, envolvendo moral, política, física e metafísica, dentre outros. Com a intenção de dar conta de tudo o que existisse, o filósofo grego preocupava-se em entender o homem, a natureza e Deus sem fazer diferença entre as ciências particularmente (MENDES, 1903).<br /><br />
Aristóteles (384-322 a.C.) deu importante contribuição à organização do pensamento grego, com posterior impacto no pensamento ocidental. Para ele, a função primordial das ciências seria descobrir a essência dos seres e defini-la em termos reais. A realidade ofereceria a diversidade dos seres percebidos pelos sentidos como elementos do real. Assim, tudo o que fosse captado pelos sentidos faria parte da realidade, divergindo, portanto de seu mestre Platão, que entendia ser mera distorção da realidade encontrada no mundo das ideias.<br /><br />
A observação dos fatos, dos fenômenos da natureza, do homem e da sociedade, por meio de um raciocínio indutivo, levou Aristóteles a conhecer as leis o os princípios que os regiam. Segundo Cotrim (2010, p. 191), o empirismo aristotélico era um processo de conhecimento que caminharia do individual e específico para o universal e genérico. Em suma, Aristóteles fundamentou seu método na experiência e na observação, entendendo o direito como produto das demandas da sociedade, como uma necessidade orgânica.<br /><br />
Ao estudar as manifestações da justiça no seio da sociedade, Aristóteles dividiu-a em justiça geral e justiça particular. A primeira seria a soma de todas as virtudes para o benefício aos outros homens. Tratava-se, portanto, de uma virtude essencialmente social, que incluía tudo o que concorre para a prosperidade da vida em sociedade. A segunda seria uma parte da virtude geral. Por sua importância para a preservação da ordem social, sua observância é estabelecida por lei. Como afirma Mendes (1903), “A justiça particular foi dividida por Aristóteles em várias espécies: justiça comutativa e justiça distributiva; justiça positiva e justiça natural; justiça comum e justiça singular, justiça escrita e justiça não escrita, etc.”.<br /><br />
A justiça natural, por exemplo, é fundada na natureza, logo, não depende da opinião das pessoas comuns, nem dos legisladores, por seu caráter universal e imutável. Já a justiça legal está relacionada à ideia de que ser justo é respeitar a lei, porque tudo que é de acordo com a lei, é voltado para o bem comum estabelecido pelos diversos povos. Assim, o conceito de justiça, inicialmente, é obedecer às leis da <i>pólis</i>. Apesar disso, a justiça positiva, às vezes, precisa ser corrigida pela equidade.<br /><br />
Visto que as leis dos povos são genéricas, podem ocorrer casos específicos em que a aplicação da lei provoque um mal maior. Nesses casos, o direito positivo poderia ser retificado com base na equidade, que é a característica de quem tem a virtude e a prática de fazer o bem, em uma invocação ao direito natural. Para Aristóteles, a virtude consiste no meio-termo ou justa medida de equilíbrio entre o excesso e a falta de uma qualidade qualquer. Não basta que um indivíduo tenha uma virtude, é necessário que a pratique (COTRIM, 2010, p. 195).<br /><br />
A frase <i>Suum cuique tribuere </i>(dar a cada um o que é seu), atribuída a Ulpiano, dependendo dos indivíduos envolvidos em cada caso concreto, pode dizer respeito à justiça distributiva ou à comutativa. A primeira consiste no tratamento desigual das pessoas na medida de sua desigualdade, está relacionado à proporção geométrica. Os direitos e deveres dependem das características de cada um. A segunda iguala os indivíduos e está presente nas trocas em geral, em que não se deve considerar a qualidade das pessoas, mas o valor das coisas trocadas ou negociadas (CHAUI, 2010, p. 327). Ela considera a proporção aritmética.<br /><br />
Considerando a importância do pensamento de Aristóteles para o desenvolvimento do raciocínio jurídico, a seguir se fará uma sucinta análise de quatro elementos de sua doutrina presentes no Direito Romano.<br /><br />
<b>2.1 Equidade</b><br /><br />
Equidade é o corretivo da justiça legal, ou seja, é uma correção da lei. Apesar de a lei ser prevista para todos os indivíduos, e de refletir aquilo que agradou o príncipe (MADEIRA, p. 53), há casos em que sua aplicação seria de alguma forma injusta. Assim, conforme o caso concreto, pode-se usar a equidade para, fugindo da justiça legal, dar a melhor solução.<br /><br />
A equidade aristotélica, porém, não deve ser usada a qualquer momento para corrigir leis sempre. Ela deve observar a lei positiva o máximo possível e não deve ser usada para piorar a situação do mais fraco, haja vista que em uma relação entre o Estado e um particular, um homem e uma mulher ou um senhor e um escravo, por exemplo, os últimos seriam sempre o polo mais fraco.<br /><br />
Segundo o <i>Digesto </i>de Justiniano (D.1.1.1pr.), “é preciso que aquele que há de se dedicar ao direito primeiramente saiba de onde descende o nome ‘direito’. [...] direito é a arte do bom e do justo”. Ou seja, o operador do direito não deveria sujeitar-se à lei cegamente. Desde que fosse para evitar uma injustiça maior, seria possível ignorar uma norma imposta.<br /><br />
Com a divisão do processo formulário em duas partes, <i>intentio </i>e <i>condemnatio</i>, nesta parte o pretor escrevia mensagens para que o juiz, que não era especializado, tratasse uma das partes de maneira específica, ligeiramente diferente da convencional. Exemplificando, caso alguém vendesse algo diferente do acordado, o pretor escreveria ao juiz que o vendedor deveria ser condenado apenas em caso de dolo, caso se comprovasse a má-fé.<br /><br />
Portanto, a equidade seguiria os seguintes parâmetros: tratar desigualmente os casos desiguais, na medida de sua desigualdade; levar em consideração todas as circunstâncias relevantes; e ter por base uma aplicação generosa, benevolente, da lei. Visto isso, nota-se que a equidade pressupõe o direito positivado, pois no contexto jurídico de povos sem escrita ela não seria aplicável.<br /><br />
<b>2.2 Justiça comutativa x justiça distributiva</b><br /><br />
O preceito <i>suum cuique tribuere </i>reflete as ideias de Pitágoras, Sócrates, Platão e, principalmente, Aristóteles, sobre o justo e o injusto. Este preceito indica a função própria da justiça, que Ulpiano caracterizou como a vontade constante e perpétua de atribuir a cada um o seu direito. Semelhantemente, no <i>Digesto </i>(D.1.1.10pr.), vê-se que “Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito”.<br /><br />
Então, entende-se que a justiça comutativa ordena as trocas, para que duas coisas sejam trocadas da forma mais justa possível, mas para que isso se dê, é preciso que as duas tenham o mesmo valor. Em relações comerciais, troca-se dinheiro por mercadorias; em relações trabalhistas, a remuneração por trabalho; em relações de direito civil, o dano pela indenização adequada; no direito penal, o crime pela punição. Ou seja, a regulação se dá entre iguais.<br /><br />
Por sua vez, na justiça distributiva, a autoridade pública responsabiliza-se pela distribuição de obrigações e direitos, para que cada um receba o que lhe for devido a partir de critérios variáveis segundo a multiplicidade das situações ou conforme os pontos de vista. Portanto, é uma regulação entre desiguais.<br /><br />
A expansão do Império Romano fez com que a administração criasse mecanismos jurídicos que protegessem e amparassem também os estrangeiros, o <i>Ius Gentium</i>. Este ficou conhecido como direito híbrido, pois era uma mistura do Direito Romano e o direito dos povos conquistados (D.1.1.9). Para que as relações entre romanos e estrangeiros não fossem desiguais, prevalecia o <i>ius gentium</i>. Nota-se aí a aplicação da justiça corretiva de Aristóteles.<br /><br />
No processo quiritário, por sua vez, não havia preocupação com a intenção do ato, mas com a ação em si. O Estado puniria o réu baseado no ato concreto, independentemente do dolo. Isso está relacionado à justiça distributiva.<br /><br />
<b>2.3 Preocupação em aplicar apenas o direito</b><br /><br />
Aristóteles traçou uma fronteira entre direito e moral. Enquanto, para Platão, direito e moral eram indissociáveis, para Aristóteles, o direito estava contido na moral, ao lado da justiça geral. Esta, por sua vez, seria excelência moral. Porém, dentro da moral existiria um viés que caberia à justiça particular. Como consta no <i>Digesto</i>, “os preceitos do direito são estes: viver honestamente, não lesar outrem, dar a cada um o seu” (D.1.1.10pr.).<br /><br />
Em Roma, tinha-se como característica o direito de fronteiras bem determinadas, só era julgado o que era direito. Outra característica importante era a rigidez do formalismo, pois funcionava como um filtro. Apenas o que fosse direito chegaria ao pretor; para isso, usavam-se fórmulas específicas para cada conflito, evitando que se desvirtuasse o objetivo do processo.<br /><br />
<b>2.4 Direito natural</b><br /><br />
Sabe-se que o direito não é um fenômeno cultural, mas social, por isso pode variar conforme o lugar e o tempo. Segundo Aristóteles, natureza tem dois sentidos: um geral (cosmos, harmonia) e outro particular, que seria a essência de cada ser. Assim, o ser humano deve esforçar-se para colocar em prática aquilo que lhe foi dado pela natureza como potência, ou possibilidade de ser (COTRIM, 2010, p. 20).<br /><br />
A ética de Aristóteles mostra que, apesar de a prática contínua de uma vida teórica seja imprescindível, para que se alcance a felicidade isso não é suficiente. A felicidade seria uma vida dedicada à contemplação teórica, associada ao exercício de outras virtudes humanas e apoiada pelo bem-estar material e social.<br /><br />
Segundo o <i>Digesto</i>, direito natural é aquilo que sempre é justo e bom. Além disso, aquilo que é útil a todos ou a muitos em uma cidade (D.1.1.11; D.1.1.1.4). Para o filósofo grego, direito natural e direito positivo seriam complementares. Desse modo, nota-se que o Direito Romano não considerava apenas a lei positiva, mas também os costumes dos antepassados, que tinham relação com o direito natural. Ainda no <i>Digesto </i>(D.1.3.2), diz-se que “toda lei é uma descoberta e um dom de Deus”, por isso as devem conduzir aqueles que a natureza quis que convivessem civilmente.<br /><br />
<b>CONCLUSÃO</b><br /><br />
Dada a importância do Direito Romano para a formação da mentalidade jurídica ocidental, faz-se oportuno estudá-lo e reconhecer a influência da filosofia grega nele contida. Resultado do esforço intelectual de inúmeros indivíduos ao longo de vários séculos, para compreendê-lo, deve-se acompanhar sua evolução histórica (MARKY, 2007, p. 3).<br /><br />
Os elementos de influência aristotélica encontrados no Direito Romano e abordados aqui, em parte ainda podem ser encontrados no direito vigente de muitos países. Obviamente, do mesmo modo que os jurisconsultos romanos adaptaram a contribuição helênica às necessidades de seu tempo, os legisladores atuais atualizam o legado deixado pelos romanos e usam-no em parte para a resolução de conflitos que surgem ao longo do tempo.<br /><br />
Sem a pretensão de ter esgotado o tema, espera-se que este trabalho tenha sido uma reflexão inicial a respeito da influência do Direito Romano na criação de leis, sem desprezar a influência da visão jurídica de base aristotélica, e uma contribuição para a formação de estudantes de direito.<br /><br />
<b>BIBLIOGRAFIA</b><br /><br />
CHAUI, Marilena. <i>Iniciação à Filosofia</i>. São Paulo: Ática, 2012.<br /><br />
COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. <i>Fundamentos de Filosofia</i>. São Paulo: Saraiva, 2010.<br /><br />
GIORDANI, Mário Curtis. <i>História de Roma</i>. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1968.
<br /><br />
__________. <i>Iniciação ao Direito Romano</i>. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1991.<br /><br />
MARKY, Thomas. <i>Curso Elementar de Direito Romano</i>. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.<br /><br />
MADEIRA, Hélcio Maciel Franca. <i>Digesto de Justiniano</i>. Liber Primus. 2. ed. Editora Revista dos Tribunais.<br /><br />
MENDES, José. <i>Ensaios de Philosofia do Direito</i>. São Paulo: Duprat & C., 1903. Disponível em: http://helciomadeira.sites.uol.com.br/PDF/AULAS/HD1/Princ_D_R.pdf. Acesso em: 20 mai. 2012.
<p align=justify><br />Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-17251674038291668782012-07-31T13:12:00.000-03:002012-07-31T13:12:10.670-03:00O Caso dos Exploradores de Cavernas: uma breve análise dos aspectos jurídicos<p align=justify><b>INTRODUÇÃO</b><br /><br />
O professor norte-americano Lon Luvois Fuller (1902-1976), da Harvard Law School, escreveu <i>The case of the speluncean explorers</i> em 1949. Traduzido para vários idiomas e publicado no Brasil em 1976 sob o título <i>O caso dos exploradores de cavernas</i>, esse é um caso jurídico hipotético comumente utilizado nos cursos introdutórios das faculdades de direito. Seu tema central gira em torno do conflito existente entre a interpretação literal do ordenamento jurídico e sua adequação ao caso concreto(1).<br /><br />
No ano de 4300, quatro homens acusados do homicídio de Roger Whetmore, pertencentes a uma organização amadora de exploração de cavernas, impetraram recurso na Suprema Corte de Newgarth para recorrer da condenação à forca proferida pelo Tribunal do Condado de Stowfield.<br /><br />
Vinte e um dias depois de terem sido soterrados, os exploradores foram informados pelos engenheiros de que o salvamento demoraria, pelo menos, mais dez dias. Whetmore, então, levantou a possibilidade de buscar alimento na carne de um deles, visto que os alimentos levados haviam acabado. Considerando que nenhum juiz, autoridade do governo ou sacerdote quis participar da decisão sobre quem seria morto, o próprio Whetmore teve a ideia de fazer a escolha por meio de dois dados que trazia consigo.<br /><br />
Antes que os dados fossem lançados, Whetmore desistiu e tentou convencer seus companheiros a esperar mais uma semana para então lançá-los e fazer a difícil escolha, porém não lhe deram ouvidos e lançaram-nos assim mesmo. Ao chegar sua vez, como Whetmore negou-se a fazê-lo, um dos exploradores lançou o dado em lugar dele, que, para seu azar, foi o escolhido.<br /><br />
Dentre os cinco votos dos juízes da Suprema Corte de Newgarth, encontram-se basicamente duas linhas de raciocínio: há os que veem a ética como algo mutável e entendem estar o estado de necessidade acima da lei, e os que defendem a aplicação da lei independentemente do contexto em que o fato social ocorreu. Visto isso, na sequência pretende-se analisar o voto de cada um dos cinco juízes, procurando entender sua linha de raciocínio e sua inclinação positivista ou jusnaturalista.<br /><br />
<b>1. OS VOTOS DOS JUÍZES</b><br /><br />
<b>1.1 Juiz Truepenny</b><br /><br />
O voto do juiz Truepenny, Presidente da Suprema Corte de Newgarth, serve não só para expressar os motivos que levaram o magistrado a tomar sua decisão, mas também para introduzir a narrativa, contextualizando-a.<br /><br />
No julgamento de primeira instância, dada a complexidade do caso, em um veredicto especial, o porta-voz dos jurados propôs que o juiz dissesse se os réus eram culpados ou inocentes. Depois do consentimento do membro do Ministério Público e do advogado dos réus, a proposta do porta-voz, que era advogado, foi aceita.<br /><br />
Naquela ocasião os réus foram condenados à forca, e o juiz não teve possibilidade de aplicar-lhes uma pena alternativa (FULLER, 1976, p. 8). Por entenderem que a aplicação da pena dissociada da análise do caso concreto seria de certa forma uma injustiça, os membros do júri e, separadamente, o juiz enviaram uma petição ao Executivo, na esperança de que a pena fosse comutada em prisão de seis meses. Apesar disso, até o momento do voto de Trueppeny não havia resposta sobre o pedido.<br /><br />
O presidente da Suprema Corte considerou adequado o recurso à clemência executiva porque, apesar de a lei dizer que qualquer um que tenha tirado a vida de outrem deve ser punido com a morte, ao analisar o caso concreto, a pena precisaria ser reconsiderada e ter seu rigor reduzido. Assim, Truppeny, certo de que seriam atendidos, propôs aos demais juízes da Suprema Corte que seguissem o exemplo da primeira instância e, em vez de decidirem sobre o caso, apenas se solidarizassem ao pedido de clemência já feito ao chefe do Executivo (Ibdem, p. 9).<br /><br />
Segundo Truppeny, o Executivo só poderia indeferir o pedido de clemência após a instauração de nova investigação, o que levaria pelo menos três meses e seria incompatível com as funções tradicionalmente atribuídas ao Executivo. Em sua opinião, essa seria a forma de fazer justiça sem contrariar a lei vigente ou incentivar sua inobservância (Ibdem, p. 10).<br /><br />
Nota-se, por meio de seu voto, que o juiz Trueppeny não quis punir uma injustiça cometendo uma injustiça ainda maior. Sua decisão faz com que se lembre da ética do
meio-termo de Aristóteles (COTRIM, 2010, p. 194). A seu ver, condená-lo à forca seria uma punição muito severa, porém absolvê-los seria ignorar o ato praticado por eles. Ao aplicar uma pena alternativa, ficaria evidente que a vida é um valor básico e direito fundamental defendido pelo ordenamento jurídico, e que, no caso concreto, entendeu-se que o homicídio não teve o objetivo de simplesmente tirar a vida de outrem, mas o de valer-se dele para preservação da vida dos demais, em semelhança ao que acontece no reino animal.<br /><br />
Em relação à clemência executiva defendida por Truppeny, essa seria uma forma de os juízes tirarem de si a responsabilidade de uma decisão tão polêmica e transferi-la para o Executivo, que muitas vezes considera o apelo popular para tomar uma decisão. Caso isso tivesse acontecido no Brasil, segundo o Art. 107, inciso II do CP, a punibilidade dos exploradores poderia ser extinta por graça plena, se fossem totalmente perdoados; ou parcial, se a pena fosse comutada, observando-se que isso é atribuição exclusiva do Presidente da República.<br /><br />
Sobre a interferência do Presidente da República no caso em questão, observa-se que a estrutura orgânica do Estado está dividida por competências e prevê que “as funções de legislar, administrar e julgar devem ser atribuídas a órgãos distintos e independentes, mas que, ao mesmo tempo, se controlem reciprocamente” (BARROSO, 2011, p. 27). Essa é uma forma de restringir o poder e proteger os indivíduos de abusos.
Apesar disso, sabe-se que com o passar do tempo a separação de poderes proposta por Montesquieu com “funções intrinsecamente diversas e inconfundíveis” (DALLARI, 2012, p. 217) tem sido modificada e as funções, em certas ocasiões, se aproximam com o objetivo de aumentar a eficiência e a dinâmica do Estado (Ibdem, p. 219). Segundo Dallari (Ibdem, p. 220), a rígida separação de poderes está superada, daí a necessidade de se reorganizar o Estado, para que se concilie eficiência necessária com os princípios democráticos.<br /><br />
<b>1.2 Juiz Foster</b><br /><br />
A solução proposta por Truppeny foi vista pelo juiz Foster como “sórdida e simplista”. Segundo este, não se deve deixar o destino daqueles quatro homens a cargo de um capricho do chefe do Executivo (FULLER, 1976, p. 10, 11). Para defender a tese de que os exploradores devem ser inocentados, Foster argumenta, por exemplo, que o direito positivo seria inaplicável, visto que o caso seria regido pela lei da natureza. Para esse juiz a lei só seria válida em sociedade, mas na caverna onde houve o desmoronamento a ética seria outra, portanto a sanção deveria desaparecer.<br /><br />
Foster faz menção à equidade, que é o corretivo da justiça legal, ou seja, uma correção da lei. Apesar de a lei ser prevista para todos os indivíduos, e de refletir aquilo que o legislador considerou um valor jurídico a ser observado, há casos em que sua aplicação seria de alguma forma injusta. Assim, conforme o caso concreto, pode-se usar a equidade para, fugindo da letra fria da lei, chegar à melhor solução. A equidade, portanto, seguiria os seguintes parâmetros: tratar desigualmente os casos desiguais, na medida de sua desigualdade; levar em consideração todas as circunstâncias relevantes; e ter por base uma aplicação generosa, benevolente, da lei.<br /><br />
Contextualizando ao ordenamento brasileiro, o CPC observa no Art. 127 que “o juiz só decidirá com equidade nos casos previstos em lei”, em articulação com o Art. 335 do CPC, que concede ao juiz a possibilidade de aplicar regras de experiência comum, por exemplo, quando faltar norma jurídica particular. Junte-se a isso o Art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LInDB (Lei nº 4.657/42).<br /><br />
Além disso, Foster afirma que Whetmore foi vítima de um contrato criado por ele próprio e ratificado pelos demais exploradores. Assim, a dificílima situação em que se encontravam mostrou-lhes que as leis positivadas para as relações sociais tradicionais não lhes seria útil. Segundo Rousseau (2004, p. 26), “Se o homem não tem poder natural sobre seus iguais, se a força nãos produz direito, restam-nos as convenções, que são o esteio de toda a autoridade legítima entre os homens”. Então, deu-se a necessidade de elaborar uma nova constituição, que foi legitimada por seus destinatários e tornou-se soberana no caso concreto.<br /><br />
<b>1.3 Juiz Tatting</b><br /><br />
Apesar de o voto desse juiz ter sido um dos mais extensos, a análise neste trabalho será a mais breve. Haja vista que, depois de ter feito duras críticas aos votos dos juízes anteriores, Tatting diz-se “incapaz de afastar as dúvidas” que ainda tinha, por isso abriria precedente naquele Tribunal e se recusaria a participar daquela decisão (FULLER, 1976, p. 39, 40).<br /><br />
Entende-se que a dúvida é para o cidadão comum, o magistrado deveria, além de mostrar as inconsistências dos votos anteriores, caso houvesse, usar o poder que lhe foi conferido e tomar uma posição, para fazer sentido o fato de existir uma instância superior a que se possa recorrer. Seu silêncio ratificou o status quo dos réus, ou seja, a condenação.<br /><br />
<b>1.4 Juiz Keen</b><br /><br />
No voto do juiz Keen percebe-se a desaprovação da instrução que Truppeny deu ao chefe do Executivo em relação à clemência. Para aquele, isso seria uma confusão entre as funções governamentais. Apesar disso, mostra-se favorável ao perdão total daqueles réus, visto que, em sua opinião de cidadão e não de juiz, já haviam sofrido o suficiente para serem punidos mais uma vez (Ibdem, p. 41).<br /><br />
Diz ainda que não cabe ao juiz aplicar seus próprios valores, mas o direito do país(2). Segundo ele, diferentemente de seus colegas, deixa suas predileções de lado e interpreta as leis vigentes para aplicá-las ao caso, em uma alusão ao princípio da impessoalidade. Em sua visão positivista, afirma que o Judiciário tem o dever de fazer cumprir as leis, em uma crítica ao voto de Foster, que parece tentar sobrepor-se ao que foi editado pelo Legislativo, buscando lacunas na lei para atender ao seu desejo. Keen chega a acusar Foster de não se agradar das leis (Ibdem, p. 47).<br /><br />
Tentar descobrir o que o legislador pensaria a respeito de alguém que matasse outrem para alimentação parece-lhe um processo de preenchimento de lacunas de natureza ilusória. Por fim, Keen reconhece que decisões rigorosas nunca são populares e conclui que a sentença condenatória deve ser confirmada, condenando os réus. Portanto, sua decisão fui exclusivamente técnica, contrariando seu desejo pessoal.<br /><br />
<b>1.5 Juiz Handy</b><br /><br />
Em seu voto, Handy demonstrou que levou em consideração o apelo popular do caso, que havia sido debatido amplamente pela sociedade, em jornais e revistas, por exemplo (Ibdem, loc. cit.). Apesar de reconhecer que a opinião pública é emocional e caprichosa, entende que absolvê-los seria uma maneira de preservar a vida daqueles quatro homens em cuja operação de salvamento dez operários morreram, e de atender à expectativa da maioria da população, com a qual preocupa-se bastante.<br /><br />
Não surpreende o fato de, mesmo não ocupando um cargo eletivo, um juiz de última instância atender aos anseios da sociedade por meio de seu voto. Vejam-se os exemplos das votações acerca da validação das cotas raciais em universidades(3) ou da união estável de homosexuais(4). Reconhece-se a importância das duas decisões e concorda-se, inclusive, com ambas, mas é sabido que em casos como esses, dificilmente um dos ministros do Supremo Tribunal Federal gostaria de ter seu nome vinculado à rejeição.<br /><br />
Segundo Handy, não se poderia contar com o perdão do chefe do Executivo por causa de seus princípios rígidos e pelo fato de o clamor público geralmente provocar-lhe um efeito diferente do esperado (Ibdem, p. 66). Assim, usa das atribuições que lhe foram conferidas e vota em favor da absolvição dos réus.<br /><br />
<b>2. A CONDENAÇÃO</b><br /><br />
O juiz Truepenny votou em favor da condenação dos réus e encaminhou um pedido de clemência ao Executivo, na tentativa de que o chefe deste poder perdoasse os exploradores de cavernas; Foster absolveu-os, por entender que nenhuma condenação seria superior a tudo a que já haviam sido submetidos; Tatting absteve-se de votar por ainda ter dúvidas; Keen condenou-os, por entender que a lei deve ser aplicada independentemente dos valores pessoais do juiz; Handy absolveu-os, depois de considerar os fatos e o apelo popular.<br /><br />
Como houve empate na decisão da Suprema Corte de Newgarth, prevaleceu a sentença condenatória do Tribunal de primeira instância e os quatro exploradores de cavernas foram enforcados. Dessa forma, os votos dos juízes demonstram a postura filosófica de cada magistrado, que baseados em um mesmo ordenamento jurídico chegaram a conclusões opostas.<br /><br />
A propósito, é a urgência da inclusão de princípios e argumentos morais no direito que diferencia a visão positivista da naturalista, em embate no caso dos exploradores. Enquanto o direito prestigia certos valores morais, a moral serve de fiel da balança nos casos em que o direito positivo for omisso, configurando, assim, uma relação de retroalimentação.<br /><br />
Como se vê, a aplicação de uma lei é a explicitação de que determinado valor moral deve ser observado e a indicação de uma conduta que deve ser corrigida. Se o direito abandonasse essas atitudes, a condenação de alguém seria apenas uma mostra do poder estatal. Ressalva-se que, apesar de a ideia de justiça estar intimamente ligada ao direito, há leis moralmente reprováveis que mesmo assim possuem validade jurídica (ALEXY, 2005, p. 20, 21).
Em relação ao limite que a moral imporia ao direito, aqui também se visualiza um quadro de possível anarquia caso uma norma jurídica perdesse sua validade pelo fato de, até certo grau, não ser condizente com um preceito da moralidade, que não pode ser confundida com moralismo. Então, afirmar que uma injustiça extrema não é direito pode suscitar instabilidade ao ordenamento jurídico, incentivando que indivíduos aleguem injustiça segundo seus próprios critérios.<br /><br />
Segundo Alexy (Ibdem, pp. 25, 26), a relação entre direito e moral tenta responder, basicamente, à seguinte pergunta: Os destinatários do sistema jurídico teriam um dever moral de aceitar o que está prescrito pelo simples fato de ser lei, independentemente de seu conteúdo? Se fosse assim, a moral seria um fundamento do direito. Sobre isso o positivismo possui simultaneamente duas vertentes: a positivista moral entenderia que, por mais imoral que seja, o que está prescrito não perde sua eficácia social; já a positivista neutral diria que os deveres jurídicos, os únicos estabelecidos pelo direito, não deveriam chocar-se com os deveres morais, mas podem fazê-lo.<br /><br />
A posição tomada pelo juiz Tatting, a de abster-se de votar, não participando do julgamento, mostra que ele possivelmente era favorável à condenação dos quatro homens, porém não estava disposto a ter seu nome associado a uma decisão tão difícil e polêmica. Entende-se que quando ele se silenciou, na verdade, deu razão ao mais forte, visto que teria o poder de livrá-los da morte e não o fez.<br /><br />
<b>CONCLUSÃO</b><br /><br />
<blockquote></blockquote>“En este mundo traidor nada es verdad ni mentira todo es según el color del cristal con que se mira” Ramón de Campoamor<br /><br /><blockquote></blockquote>
<p align=justify>Positivistas e jusnaturalistas são harmônicos ao entenderem que o direito possui uma estrutura aberta, por isso, há lacunas do direito positivo que só se resolvem com apoio de uma argumentação de base moral. Lembre-se que, conforme o Art. 4º da LInDB, quando houver omissão da lei, o juiz poderá decidir o caso com o apoio dos costumes, dentre outras fontes supletivas de direito. Se não fosse assim, na omissão da lei o juiz aplicaria seus próprios valores e não os da comunidade necessariamente.<br /><br />
Visto isso, entende-se que o costume “vigora e tem cabimento, até onde não chega a palavra do legislador, seja para regular as relações sociais em um mesmo rumo que o costume antes vigente, seja para estabelecer uma conduta diversa da consuetudinária” (PEREIRA, 2012, p. 57). Assim, os princípios morais exercem um papel corretivo em relação ao direito positivo.<br /><br />
<i>O caso dos exploradores de cavernas</i> demonstra que com o mesmo ordenamento jurídico é possível condenar ou absolver um indivíduo, dependendo da linha de raciocínio que se use. Veem-se nessa obra votos de absolvição e de condenação que são coerentes do ponto de vista lógico e que deixam transparecer a base filosófica em que cada magistrado se apoia.<br /><br />
Além disso, existe um valor moral que direciona os indivíduos a obedecerem ao direito, desde que este não seja extremamente injusto, viole outros direitos ou esteja desvinculado da moral. Entretanto, não é simples a tarefa de determinar o que seria extremamente injusto, dada a multiplicidade de dilemas morais que envolvem a sociedade, por isso foi difícil a decisão dos juízes de <i>O caso dos exploradores de cavernas</i>. Assim, acredita-se que o embate ideológico entre jusnaturalistas e positivistas ainda tem espaço para muita discussão, dado o difícil tracejar do limite entre direito e moral.<br /><br />
Finalizando, não se espera ter feito uma análise exaustiva do caso, mas entende-se que foi um importante exercício de reflexão a respeito da dificuldade de assumir uma posição ética que objetive a justiça, com base no direito positivado, mas não se afaste dos valores observados universalmente com base na razão.<br /><br />
1. Cf. GUT, Taldje. Dica de Leitura: O caso dos exploradores de cavernas. Disponível em: <http://www.fmp.com.br/blog/index.php/dica-de-leitura-%E2%80%9Co-caso-dos-exploradores-de-cavernas%E2%80%9D/>. Acesso em: 01 jun. 2012.
2. Veja-se sobre o que versa o Art. 5º da LInDB.
GAZETA DO POVO. Em decisão unânime, STF valida cotas raciais em universidades. 3. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1248501>. Acesso em: 03 jun. 2012.
4. FOLHA. STF reconhece por unanimidade a união gay. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/911999-stf-reconhece-por-unanimidade-a-uniao-gay.shtml>. Acesso em: 03 jun. 2012<br /><br />
<b>BIBLIOGRAFIA</b><br /><br />
ALEXY, Robert. <i>La institucionalización de la justicia</i>. Granada: LAEL, 2005. pp. 17-29.<br /><br />
BARROSO, Luís Roberto. <i>Curso de direito constitucional contemporâneo</i>: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 27.<br /><br />
BRASIL. <i>Código Penal</i>. Decreto-Lei Nº 2.848/40.<br /><br />
BRASIL. <i>Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro</i>. Decreto-Lei Nº 4.657/42.<br /><br />
COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. <i>Fundamentos de Filosofia</i>. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 194.<br /><br />
DALLARI, Dalmo de Abreu. <i>Elementos de teoria geral do Estado</i>. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 217, 219, 220.<br /><br />
FULLER, Lon L. <i>O caso dos exploradores de cavernas</i>. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1976.<br /><br />
PEREIRA, Caio Mário da Silva. <i>Instituições de direito civil</i>. Vol. I. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 57.<br /><br />
ROUSSEAU, Jean-Jacques. <i>Do contrato social</i>: ou princípios do direito político. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 26.
<p align=justify><br />Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-73015480427730235232012-02-09T11:51:00.000-02:002012-02-09T11:52:27.432-02:00O carnaval 2012 pode ser um carnaval!Há EMISSORAS DE TV fortemente interessadas no sucesso do carnaval no Rio de Janeiro e na Bahia. A preocupação delas não tem relação apenas com os possíveis problemas que atrapalhariam a diversão do povo, mas, obviamente, com o medo de perda econômica. <br /><br />Para isso, vale a divulgação de conversa telefônica que tenta mostrar os envolvidos como conspiradores contra a Pátria e não como profissionais que tentam mudar seu triste quadro por meio da reivindicação. Isso foi um proto cheio. Agora o bombeiro que já tirou tantas pessoas da água e do fogo está detido no presídio de segurança máxima Bangu I. E agora, quem vai tirá-lo desse buraco?<br /><br />A ameaça de greve que envolve PM, Civil e Bombeiros pode fazer com que muita gente desista de vir ao Rio. Com isso, menos dinheiro circularia na cidade, menos produtos dos anunciantes seriam consumidos e as transmissões televisivas poderiam mostrar um carnaval pouco comportado, com possíveis tumultos em lugares de grande aglomeração, como a orla, as imediações do Sambódromo, a Presidente Vargas e a Rio Branco, por exemplo.<br /><br />É claro que entre os grevistas há uma minoria que se excede (isso sim deve ser contido), mas só quem sofre na pele sabe as dificuldades que envolvem sua profissão. Além disso, se eles não lutarem por aquilo que consideram de direito, quem lutará? Quem não tem ligação com o problema?! Em geral somos otimistas e acreditamos que nunca precisaremos diretamente de um daqueles grevistas, então temos a ideia de que o grevista “não gosta de trabalhar ou quer fazer tumulto”. Mas a realidade é outra, nem sempre divulgada pela mídia que muitas vezes trabalha para atender aos interesses dos chefes legais desses grevistas...<br /><br />Se além deles, todas as demais classes profissionais que se sentissem desprestigiadas pelos governos fossem às ruas, muito do que se vê seria mudado. Infelizmente, seja no carnaval ou em outra época, deve-se estabelecer uma data significativa, para que chame a atenção da opinião pública em favor da causa. A verdade é a seguinte: cada um sabe onde seu calo aperta!Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-58869719554898355762011-08-04T11:13:00.005-03:002020-04-07T18:25:23.737-03:00Planejamento do Ensino em uma Perspectiva Crítica de Educação<p align=justify>O texto Planejamento do Ensino numa Perspectiva Crítica de Educação, escrito por Antonia Osima Lopes*, aborda o processo de planejamento de ensino na prática pedagógica atual e questiona a eficácia dele como instrumento que ajuda o professor a melhorar sua prática docente.<br />
<br />
Baseada em sua experiência no cotidiano escolar, a autora afirma que os objetivos propostos pelas instituições de ensino são pouco claros e dissociados da realidade social dos alunos. Além disso, observa que os conteúdos definidos são autoritários, considerando que dificilmente professores e alunos fazem parte desse processo. <br />
<br />
Antonia Lopes salienta que normalmente, nas salas de aula, há predominância de atividades que abrem pouco ou nenhum espaço para a participação dos alunos, ignorando a criatividade, que é fundamental para a reconstrução do conhecimento. Em ambientes como esse, a avaliação não passa de um processo que visa a avaliar quanto o aluno aprendeu e não o que ou como ele aprendeu. Um planejamento alijado da realidade social transfigura-se em atividade automática e burocracial do corpo docente, que em nada contribui para o aperfeiçoamento da prática pedagógica. <br />
<br />
Em uma concepção transformadora, o planejamento escolar deve assumir uma postura crítica em relação à educação, evitando a produção de um documento de caráter meramente tecnicista. Freire (2009, p. 38) afirma que “A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”.<br />
<br />
Diante disso, vê-se que o processo de planejamento de ensino deve ser reformulado, de forma que se tenha uma ação pedagógica crítica e transformadora. Assim, o professor terá maior segurança para lidar com as dificuldades da sala de aula e definirá o que é essencial do que é secundário na relação ensino-aprendizagem. <br />
<br />
A escola é o local em que se oferecem os conhecimentos acumulados ao longo do tempo, mas não se deve ignorar o conhecimento extraclasse ou acreditar que os conhecimentos acumulados são imutáveis. Se por um lado o aluno precisa conhecer a cultura acumulada, por outro, deve ter condição de produzir novos saberes, valorizando a dinamicidade do conhecimento. <br />
<br />
Como alternativa para se reverter o quadro exposto acima, a autora sugere que as atividades educativas deveriam ser desenvolvidas a partir da realidade e das necessidades dos alunos. Assim seria possível tornar a sociedade mais justa, oferecendo aos indivíduos o conhecimento de que eles precisam realmente e exercitando o papel transformador da educação. <br />
<br />
De fato, um planejamento escolar efetivamente participativo depende da integração entre escola e realidade, teoria e prática, visto que não deveriam existir planejamentos sem a participação dos envolvidos em todo o processo educacional. Essa integração deveria começar com o estudo real da escola com o contexto social em que ela se insere. Na verdade, conhecer o aluno é a melhor maneira de customizar o ensino oferecido.<br />
<br />
Depois de diagnosticar interesses e necessidades do aluno, devem-se definir os objetivos, sistematizar os conteúdos e selecionar os procedimentos que serão aplicados. O ensino eficaz faz mais que transferir conhecimento. Valoriza a transformação do educando, de forma que este possa refletir criticamente, exercitando a criatividade, o espírito investigativo e a criatividade – atividades fundamentais para a vida em sociedade.<br />
<br />
Em um terceiro momento, o professor deve articular uma metodologia de ensino que valorize a participação e a reflexão dos alunos. Nesse contexto, o mestre não deve se preocupar com a quantidade de conteúdo aprendido, mas com a qualidade da reestruturação e produção de conhecimento de cada um. Ressalta-se que essas etapas não devem ser vistas isoladamente, mas como partes interligadas de um planejamento integrador. <br />
<br />
O texto resenhado mostra que o professor deve assumir uma postura pedagógica e social, para que se adapte às demandas atuais. Além disso, o planejamento participativo exige que não haja divisão de trabalho pedagógico, ou seja, todos devem se sentir responsáveis por todo o processo educativo, cada um contribuindo conforme suas possibilidades.<br />
<br />
Conclui-se que a visão de planejamento escolar apresentada no texto em questão não pode ser entendida como uma atividade neutra. Portanto, o professor deve priorizar a transformação e o exercício da criticidade do aluno, e o planejamento ideal não deve ser feito isoladamente, mas com a participação de todos, inclusive do aluno. Essas podem não ser tarefas fáceis, mas são necessárias, caso se queira elevar a qualidade do ensino e fazer dos alunos pessoas críticas e capazes de construir e reconstruir o mundo em que vive.<p align=justify><br />
* Professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e mestre em Educação pela UNICAMP.<br />
<br />
<strong>Bibliografia</strong><br />
<br />
FREIRE, Paulo. <em>Pedagogia da autonomia</em>: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2009.<br />
LOPES, Antonia Osima [<em>et al</em>.]. <em>Planejamento do ensino numa perspectiva crítica de educação</em>. Campinas, SP: Papirus, 1989.Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-46047706094717285772011-07-29T21:16:00.002-03:002011-07-29T21:22:01.681-03:00Outro dia disse que iria passar, mas ainda não passou<p align=justify>Ontem te tive por perto e pensei que eras minha. Por isso não te dediquei a atenção que merecias e te tratei como se fosses sempre estar ao meu redor. Via todos os teus sorrisos, todas as tuas qualidades, mas emudecia e não conseguia pronunciar palavra alguma. Teu sorriso, olhar e presença me faziam emudecer ou falar de qualquer coisa que não fosse tu. Talvez não me sentisse merecedor de ti. Tive medo de não ser bem o que eu pensava, mas bem queria que fosse.<br /><br />Hoje não te tenho por perto, mas talvez estejas mais perto do que nunca, porque a lembrança do que poderia ter sido é sempre mais forte. Acordo, planejo, convido, preparo-me, espero. Espero ganhar tua confiança, conhecer-te (melhor), ser tudo o que mereces que alguém seja para ti. Tenho esperança que nos façamos bem.<br /><br />Amanhã olharei para trás e verei quanto tempo perdi em deixar-te um pouco lado. Tentarei aproveitar o tempo fazendo-te sorrir mais, sorrir melhor, com a alma. Teu coração puro me fará ver o mundo sob nova ótica e nossos sorrisos se unirão pelo tempo em que nossos sentimentos forem recíprocos.<p align=justify>Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-81803667733172252292011-03-19T14:26:00.002-03:002011-03-19T14:32:37.166-03:00Breve Histórico da Sociolinguística<p align=justify>A Sociolinguística, como campo de estudo ou disciplina em si, é algo recente. Provavelmente, o interesse pelos aspectos sociais da linguagem e a interseção entre linguagem e sociedade exista desde o começo da humanidade, porém seu estudo formal e organizado é datado no final do século XX. <br /><br />Nessa época, produziram-se muitos trabalhos com o objetivo de entender as relações entre os traços linguísticos e sociais em diferentes comunidades nos Estados Unidos e na Europa, porém aqui se enfocarão as contribuições de Willian Labov* para as pesquisas entre o linguístico e o social, visto que a partir delas estabeleceu-se um novo paradigma de investigação na área.<br /> <br />A interferência da língua na sociedade e vice-versa não é tão óbvia quanto possa parecer, haja vista que, “[...] segundo Chomsky (1965), o objetivo dos estudos linguísticos é a competência linguística do falante-ouvinte ideal, pertencente a uma comunidade linguisticamente homogênea” (TARALLO, 2003, p. 06). Essa afirmação pode ser questionada quando se nota que em cada contexto de fala a língua se mostra heterogênea e diversificada. É essa mesma situação heterogênea que deveria ser submetida à sistematização.<br /><br />Ao partir da constatação da heterogeneidade e da ampla diversificação da língua falada, Labov inicia seu trabalho, com o intuito de comprovar relações entre traços linguísticos e sociais no real desempenho linguístico dos falantes nas comunidades socioculturais. Ele acreditava que as variações pelas quais uma língua passa não são capazes de impedir a comunicação entre falantes que compartilham do mesmo sistema. Assim, percebeu que o caráter heterogêneo faz parte da estrutura e, por isso, poderia ser submetido à sistematização(CHIAVEGATTO, 1999, p. 48).<br /><br />Labov desenvolveu suas pesquisas a partir da hipótese de que em meio a um caos aparente, demonstrado pela diversidade nas línguas, existiriam regularidades que deveriam ser encontradas. Seu intento era comprovar a hipótese geral de que existiriam razões sociais que condicionam a ocorrência das variações na língua, tanto nos distintos grupos socioculturais que há no interior das comunidades, como nos casos de interação que permitem suas atualizações. <br /><br />Dentre os vários e significativos resultados que os estudos sociolinguísticos conseguiram, destaca-se a possibilidade de comprovação de que a heterogeneidade linguística é marca essencial das línguas naturais. Dessa forma, percebe-se que as comunidades humanas utilizam simultaneamente variações nos diversos níveis de linguagem. Entretanto, ressalta-se que essas variações não ocorrem ao acaso. Elas dependem de fatores socioculturais e subdividem a língua de acordo com as diferentes faixas etárias, religiões, profissões, classes sociais, anos de estudo e até mesmo gênero sexual. <br /><br />Visto isso, entende-se que a língua usada por uma comunidade é um conjunto de variações condicionadas pela própria sociedade, sobre as quais recai juízo de valor. É por isso que há variedades linguísticas prestigiadas, estigmatizadas ou neutras. Apesar disso, os falantes de cada uma dessas variações pode se movimentar de uma variedade desprestigiada para uma mais prestigiada, de acordo com seus interesses de pertencer a um novo grupo social ou pela simples adaptação de sua fala a dado contexto social. Com isso, nota-se que a maneira como um indivíduo fala pode associá-lo a certos segmentos da sociedade e mostrar seu grau de identificação com um grupo. <br /><br />O conhecimento linguístico, que é transmitido pelas gerações ao longo do tempo, é um tipo de aprendizado que se dá informalmente, na maioria das vezes. As crianças aprendem com seus pais e familiares as construções basilares da língua em um primeiro momento, e, em seguida, começam a entender regras de constituição de sentenças e de construção de palavras. Esse conhecimento acontece predominantemente de maneira assistemática, pelo contato com outros falantes da língua. <br /><br />A aquisição da linguagem não se dá geneticamente, mas a capacidade fisiológica e neurológica da fala sim. As línguas são adquiridas ao longo das interações socioculturais e a transmissão dessa linguagem ao longo das gerações sucessivas é o que gera as mudanças linguísticas. Prova disso é que, caso um grupo seja separado geograficamente, as muitas variações podem chegar ao ponto de tornar a comunicação impossível. Quando as mudanças acontecem em uma mesma área geográfica, as variações desenvolvem identidades socioculturais que se associam aos traços linguísticos já existentes.<br /><br />Conclui-se que a linguagem tem o poder de alterar o progresso da humanidade, considerando que se podem transmitir os conhecimentos e as experiências adquiridas por meio da linguagem, que tem como um de seus atributos a função de transmitir a cultura desenvolvida no interior de uma sociedade. Espera-se que este trabalho tenha apresentado, ainda que minimamente, a relação e interferência mútua entre língua e sociedade.<br /><br /><em>*O modelo teórico-metodológico de Labov ficou conhecido como Sociolinguística Quantitativa, que, apesar de considerar os aspectos socioculturais para suas análises, tem em foco a língua, buscando sistematizar, por meio de mecanismos científicos, o que antes foi considerado desvio, erro ou corrupção da língua. Por outro lado, há também a Sociolinguística Qualitativa, cujo enfoque não está na língua como sistema, mas na relação dos sujeitos com a linguagem.</em><p align=justify><br /><strong>Bibliografia</strong><br /><br />CHIAVEGATTO, Valéria Coelho. Linguagem, Sociedade e Cultura. In: CARNEIRO, Marísia (org.). <em>Pistas e Travessias</em>. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999, p. 29-61.<br /><br />TARALLO, F. A relação entre língua e sociedade. In: <em>A pesquisa sócio-linguística</em>. São Paulo: Ática. 2003.Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-82856242556045767782011-03-19T14:06:00.003-03:002011-03-19T14:24:39.779-03:00Visão Geral da Linguística de Corpus<center><strong>Resumo</strong></center><br /><p align=justify>O primeiro corpus linguístico eletrônico foi lançado em 1964. Nessa época em que a informatização de textos era difícil e a ideia de gastar tempo e recursos com a coleta de registros linguísticos era vista com incredulidade, o Brown University Corpus of Present-day American English possuía um milhão de palavras. <br /><br />Sete anos antes, Noam Chomsky lançara Syntatic structures e contribuiu para mudanças de paradigma na linguística. Com base nessa publicação, os dados necessários para o linguísta estavam em sua mente e seriam acessíveis por introspecção. A coleta de dados de terceiros não seria necessária, pois serviriam apenas para o estudo do desempenho, quando todos sabiam que o interesse era a investigação da competência linguística. Dessa forma, vê-se que o corpus de Brown surgiu em uma época em que se duvidava de seu mérito.<br /><br />Além de ratificar a importância do corpus de Brown como propulsor do desenvolvimento da Linguística de Corpus (LC), o objetivo do primeiro capítulo do livro Linguística de Corpus, de Tony Berber Sardinha, é fazer uma retrospectiva da LC e discutir questões teóricas e práticas relacionadas a ela. Como o maior desenvolvimento se deu em relação ao inglês, o texto é dedicado, predominantemente, a essa língua. <br /><br />A LC agrupa e explora os corpora – grupos de dados linguísticos textuais coletados criteriosamente, que servem na pesquisa de uma língua ou variedade linguística. Também explora a linguagem por meio de evidências baseadas na experiência, conseguidas com o auxílio do computador. Sabe-se, porém, que antes deste já existiam corpora. Na Grécia Antiga, Alexandre, o Grande, definiu o Corpus Helenístico. Na Antiguidade e na Idade Média, também eram produzidos corpora de citações bíblicas.<br /><br />Os corpora eram coletados e analisados manualmente, e a ênfase geral deles era o ensino da língua. Hoje o que predomina na literatura é a descrição de linguagem e não a pedagogia, apesar de haver algumas aplicações recentes dos corpora na sala de aula e na investigação da linguagem de alunos de língua. <br /><br />Um corpus não-computadorizado, o Survey of English Usage, planejado para um milhão de palavras, serviu de referência para outros, inclusive o de Brown. A composição do corpus influenciou a fixação do número de textos e quantidade igual de palavras para cada texto. O Survey foi organizado em fichas de papel e as palavras foram analisadas gramaticalmente. O conjunto de categorias resultante serviu de base para o desenvolvimento dos etiquetadores computadorizados da atualidade. Sua transformação completa em corpus eletrônico se deu em 1989.<br /><br />O Syntactic structures, de Chomsky, por sua vez, surgiu com uma mudança de paradigma na linguística. Deixou-se para trás o empirismo e a sustentação dos trabalhos baseados em corpora, dando lugar para as teorias racionalistas da linguagem, a linguística gerativista. Houve muitas críticas ao processamento manual de corpora gigantescos. Dizia-se que não eram confiáveis porque os humanos não eram feitos para tarefas desse tipo. As grandes equipes existentes para essas tarefas aumentavam a chance de erro e as inconsistências. Faltava um instrumento que analisasse os corpora de modo confiável. <br /><br />Em vista disso, nos anos 1960, computadores mainframe equiparam centros de pesquisa universitários e foram aproveitados em pesquisa de linguagem. Seu uso permitiu a consecução de tarefas mais complexas de forma mais eficiente, visto que a capacidade de armazenamento e as novas mídias facilitaram a criação e manutenção de mais corpora. <br /><br />Hoje a LC tem grande influência na pesquisa linguística. Os grandes centros de pesquisa se encontram na Grã-Bretanha, nos países escandinavos e nos Estados Unidos, com presença mais modesta, devido ao conflito entre a linguística gerativo-transformacional e a LC, entre outros fatores. Entretanto, há nos EUA um alto grau de desenvolvimento na pesquisa em Processamento de Linguagem Natural, que tem laços com a Ciência da Computação, que, apesar de ter temas em comum com a LC, mantêm-se independentes. Entretanto, no Brasil, a LC está em seu estágio inicial. <br /><br />Observa-se que a LC também ganha espaço no âmbito empresarial. Há parcerias entre universidades e empresas, como as de telecomunicações, que utilizam pesquisas baseadas em corpus com várias finalidades comerciais. Considerando a finalidade deste resumo, suprimiram-se as seções que tratam de corpora de outras línguas além do português.<br /><br />Há vários corpora eletrônicos de destaque em língua portuguesa, como o Banco de Português (233 milhões de palavras), da PUC/SP; o Corpus de Extractos de Textos Electrônicos (229 milhões de palavras), do Projeto Linguateca; e o Corpus do Português Brasileiro Contemporâneo (100 milhões de palavras), da UNESP Araraquara, por exemplo.<br /><br />A pesquisa com corpora eletrônicos de português data dos anos 1960, em Portugal, sendo o Centro de Linguística da Universidade de Lisboa um dos pioneiros. Nota-se ainda que há projetos de criação e informatização de corpora em várias regiões do Brasil, porém o grau de informatização ainda não é o ideal, concluindo-se que o corpus de língua escrita e falada ainda não foi concretizado. <br /><br />Define-se corpus como um conjunto de dados linguísticos, sistematizados segundo critérios, suficientemente extensos em amplitude e profundidade, de maneira que sejam representativos da totalidade do uso linguístico ou de algum de seus âmbitos, dispostos de forma que possam ser processados por computador, com a finalidade de propiciar vários resultados, úteis para descrição e análise. <br /><br />Tal definição é importante porque menciona a origem, o propósito, a composição, a formatação, a representatividade e a extensão. Assim, entende-se que: o corpus deve ser composto de textos autênticos, em linguagem natural; a autenticidade dos textos subentende textos produzidos por falantes nativos; o conteúdo do corpus deve ser colhido criteriosamente; e o corpus deve ser representativo para uma variedade linguística ou para o idioma.<br /><br />Pelo fato de a nomenclatura que define o conteúdo e o propósito na LC ser extensa, serão apresentados apenas os principais tipos citados na literatura, segundo critérios próprios: modo, tempo, seleção, conteúdo, autoria, disposição interna e finalidade. Essa classificação também pode ser feita por meio de perguntas criadas a partir da pluralidade de autoria, da origem da autoria, do meio, da integralidade, da especificidade, do dialeto, do equilíbrio, do fechamento, da renovação, da temporalidade, da tradução e da intercalação.<br /><br />Para ser representativo, um corpus deve ser o maior possível. Haja vista que quanto maior a quantidade de palavras, maior a probabilidade de aparecerem as de baixa frequência. Além disso, será possível encontrar diversos sentidos para uma mesma palavra, de acordo com o contexto. Não se pode estabelecer um tamanho ideal de corpus, visto que é uma amostra de uma população cuja dimensão se desconhece. Dessa forma, percebe-se que são os usuários de um corpus que lhe atribuem a representatividade de certa variedade.<br /><br />Apesar de ser um critério importante para a representatividade, pouco se pesquisou sobre a definição de critérios mínimos para a extensão de um corpus. Entretanto, sabe-se que sua extensão comporta três dimensões: o número de palavras, o número de textos e o número de gêneros estudados. Igualmente, podem-se definir três abordagens: impressionística, histórica e estatística. A primeira está relacionada ao número de palavras; a segunda, à monitoração dos corpora realmente usados pela comunidade; e o terceiro, à aplicação de teorias estatísticas.<br /><br />Ressalta-se que há oposição de ideias entre os empiristas (hallidianos) e os racionalistas (chomskyanos) da linguagem. Os primeiros veem a linguagem como probabilidade; e os segundos, como possibilidade. As diferenças estão relacionadas ao foco no desempenho linguístico no lugar da competência, no foco na descrição linguística e no foco em uma visão mais empirista do que racionalista.<br /><br />Afirma-se haver muitos trabalhos enquadrados na LC, que compartilham características como o empirismo e a análise de padrões de uso em textos naturais; o uso de corpus e computadores; e a dependência de técnicas qualitativas e quantitativas. Suas principais áreas de pesquisa concentram a compilação de corpus, o desenvolvimento de ferramentas, a descrição da linguagem e a aplicação de corpora, sendo a descrição a área mais ativa.<br /><br />Os padrões de linguagem podem ser resumidos em três conceitos principais: a colocação (textual, psicológica ou estatística), que é a associação entre itens lexicais ou entre o léxico e campos semânticos; a coligação, que é a associação entre itens lexicais e gramaticais; e a prosódia semântica, que é a associação entre itens lexicais e conotação ou instância avaliativa.<br /><br />Esse capítulo apresenta um painel da LC. Observa-se, porém, que há duas dificuldades para se retratar esse campo: a quantidade de trabalhos novos que surgem e a visão de que ela se trata de uma contabilidade linguística, por isso há que se explicitar o quadro teórico que lhe dá coerência e sustentação.<br /><br />Conclui-se que o crescimento e a força da LC se manterá à proporção que os pesquisadores percebam no corpus uma fonte inestimável de informação. Logo, estudantes, linguistas e demais pesquisadores verão que nenhum corpus contém toda a informação necessária, mas todo corpus ensina coisas sobre a linguagem que não podem ser descobertas sem ele.<p align=justify><br />SARDINHA, Tony Berber. <em>Linguística de Corpus</em>. São Paulo: Manole, 2004.Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-47158600033443936782011-03-03T12:25:00.006-03:002012-02-01T11:32:30.698-02:00Um NÃO ao xixi na rua e à camisinha no bolso. Como disse o Velho Guerreiro, o lugar dela é no pescoço!<p align=justify>Hoje acordei disposto e, apesar da chuva, fiz minha caminhada matinal. Como gosto de ouvir música ou as notícias do dia enquanto me exercito, peguei o celular (que também é rádio, filmadora, câmera fotográfica, peso para papel, etc.) e saí em busca de alguns dos dez mil passos diários sugeridos pelos estudos mais recentes. <br /><br />Comecei a pular de estação em estação, e parei na rádio Globo, para ouvir um pouco de informação sem a seriedade da CBN. Ressalto que gosto desta emissora, mas a aproximação do carnaval não nos deixa pensar em nada muito sério. Meu objetivo era me exercitar e relaxar, não necessariamente nessa ordem.<br /><br />Os dias que antecedem a festa de Momo fizeram com que a rádio Globo reproduzisse algumas das marchinhas eternizadas na lembrança do carioca. A de hoje, veiculada por volta das nove horas, foi gravada pelo Chacrinha no final dos anos 1980, quando a AIDS começou a tirar o brilho das fantasias de carnaval.<br /><br />Nela se ouvia o Velho Guerreiro, acompanhado de suas chacretes e banda, dar um sábio e atual conselho: “<em>Bota camisinha / Bota meu amor / Que hoje tá chovendo / Não vai fazer calor / Bota a camisinha no pescoço / Bota geral / Não quero ver ninguém / Sem camisinha / Pra não se machucar / No Carnaval</em>”. Essa marchinha cheia de duplo sentido foi uma das formas de educar o povo sexualmente diante dessa nova realidade, tanto no rádio como na televisão. Lá se vão quase duas décadas e todo fevereiro-março faz sucesso na boca do povo. Agora você vai entender onde entra (mas não deveria) o xixi nessa história.<br /><br />A televisão tem divulgado comerciais alertando a população, principalmente os marmanjos, a não urinar nas ruas nesses dias de folia. Além dos comerciais na TV, há anúncios no rádio e cartazes espalhados em lugares de grande concentração de foliões. Isso é correto, visto que a cidade que abrigará a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 deve saber, pelo menos, dar um fim ao xixi que escorre pelas ruas quando acontece qualquer comemoração. <br /><br />Para que isso se resolva, é necessária uma operação conjunta entre a prefeitura e a população. A primeira, ainda que com ajuda da iniciativa privada, deve colocar um número suficiente de banheiros químicos, bem localizados e devidamente higienizados. A segunda deve entender que o poder público não consegue tomar conta de tudo sozinho, por isso, deve ter consciência de sua responsabilidade socioambiental.<br /><br />Parte de minha revolta está relacionada à repulsa que senti quando, durante a caminhada, vi um vira-lata sair mastigando alguma coisa de um banheiro químico instalado perto dos Arcos da Lapa. Fiquei minutos tentando não imaginar o que poderia ter sido, mas sei que não era Pedigree Champ. Se a prefeitura não providenciar a limpeza, o cãozinho vai voltar lá na hora do almoço... Ai, credo.<br /><br />Bem, apesar de a AIDS continuar sendo um problema de saúde pública, sua prevenção não está sendo bem divulgada como em outros carnavais. Estão se preocupando mais com o xixi nos postes, árvores, paredes e algumas bancas de jornal quase podres por aí e com o consumo excessivo de álcool associado à direção. <br /><br />De tudo um pouco, nada de excesso. A mídia deveria fazer campanhas de prevenção contra tudo o que oferece risco à sociedade, mas sem dar preferência a um tema exageradamente. A cada ano escolhem um mote e ficam martelando naquilo em datas específicas. Daí o povo pensa que o problema combatido no ano anterior já foi resolvido. <br /><br />A melhor solução seria beber pouco, voltar para casa de táxi ou de carona com alguém que não tenha bebido. Bebendo pouco, a pessoa vai urinar pouco e, quando der vontade, vai conseguir chegar ao banheiro químico mais próximo (caso haja). Em relação à camisinha, o lugar dela é no pescoço, antes, durante ou depois das fantasias. <br /><br />Acabei dando quase treze mil passos, só pela manhã. Espero que nossa cidade dê muitos outros a cada manhã ensolarada que traz a esperança de quem está aos pés do Cristo. Pela saúde, pelas ruas mais limpas e pela memória/esperança de bons carnavais, façamos nossa parte.<p align=justify>Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-48517412602918065442011-02-22T10:42:00.003-03:002011-02-23T10:23:06.524-03:00La felicidad no llegó, siempre estuvo acá<p align=justify>Ayer por la mañana me desperté a toda prisa. Me dijeron que ella estaría cerca de la vecindad en que vivo. Rápidamente salí de la cama, tomé el desayuno y lavé los dientes. No peiné los pelos porque casi no los tengo, soy calvo hace unos diez años. Vestí la ropa y cogí lo necesario para un encuentro con la tan soñada Felicidad. <br /> <br />Caminé para acostumbrarme con la nueva realidad. Puse las gafas para verla distante, pero aún no la conocía bien. Después de mucho procurarla, llegué al hogar especificado. Pensaba que la encontraría, pero no estaba allá también. Volví a la casa y me puse a dormir para olvidar de la desaparición de la Felicidad por los caminos de la vida.<br /><br />Hoy sé que la felicidad no está cerca de mi vecindad, ni cerca de mí, pero dentro de mi corazón. Ella no llegará mañana o en el año que viene. Ella está a nuestra disposición en el día de hoy. Mañana, otra vendrá y así sucesivamente. Cada día tiene su proprio mal o bien.<br /><br /><em>Post Scriptum</em>: Hace tiempo que no escribo en Español, por eso ya les pido perdón por los posibles errores.<p align=justify>Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-48514863309860181662011-02-22T09:29:00.008-03:002012-04-20T18:41:15.571-03:00Do medo do erro à adequação vocabular<p align=justify>Certa vez um professor de português foi assaltado no centro do Rio e, para pedir socorro, gritou: “<em>Peguem-no, peguem-no</em>!”. Como nenhum dos populares sabia quem era “<em>no</em>”, o ladrão fugiu e sumiu no meio da multidão... Isso ilustra como o apego à norma culta pode criar ruído na comunicação. Quando alguém ensina ou aprende algo, o objetivo é atingir um padrão de excelência a que comumente se chama “o certo”. Entretanto, quando se trata de ensino-aprendizagem de uma língua, devem-se considerar as diversas situações de interação das quais o aluno faz parte. <br /><br />O ensino tradicional de língua portuguesa privilegia a modalidade culta em detrimento dos demais níveis de fala. Nesse contexto, passa-se ao aluno a ilusão de que se deve escrever e falar o “bom português” em todas as relações sociais. Todavia, o português exigido é o de Camões e de Machado, cujos textos figuram em gramáticas que se dizem contemporâneas, não se sabe de quem. Por isso, o padrão erro/acerto deveria ser substituído pelo adequado/inadequado em um ensino que se proponha contextualizado.<br /><br />Há alunos que dizem não gostar de escrever. Apesar disso, escreve em sites de relacionamento, deixa comentários em blogs de amigos ou tem um diário guardado. É função do professor interpretar essas informações e perceber que alguém com esse perfil gosta de escrever, mas tem medo do rigor gramatical. Deve-se cuidar para que o medo do erro não bloqueie a criatividade do aluno que precisa se expressar. Desse modo, um ensino mais atrativo deveria considerar os textos do interesse do educando, para que, depois, discutam-se os contextos sociais mais adequados.<br /><br />Um parente do governador não deveria chamar Sua Excelência de Serginho no lugar de trabalho. Por outro lado, em uma festa de família, chamá-lo de Excelência soaria deboche ou ironia. Tanto o diminutivo que expressa afetividade quanto o pronome de tratamento formal fazem parte da gramática, mas não se deve esquecer o contexto e a intenção. Fala e escreve bem aquele que, de forma mais precisa, adapta seu discurso ao contexto.<br /><br />Dificilmente um aluno internalizará uma construção gramatical apresentada fora de contexto, visto que o indivíduo adota para si aquilo com que se identifica. Para que a dita norma culta seja aprendida, deve-se, ainda que hipoteticamente, conduzir o estudante a uma situação em que ela faça sentido.<br /><br />Dessa forma, independentemente do contexto em que alguém fale ou escreva, o produto deve transmitir de forma clara e convincente aquilo que o gênio humano pensou. Além disso, a norma culta não deve ser um instrumento de opressão que discrimina pessoas. Conclui-se que professores devem conhecer o aluno; o que escreve, se escreve; para quem escreve; e ajudá-lo a fazer isso cada vez melhor, ajudando-o a incrementar o exercício de sua cidadania.<p align=justify>Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-15490449886991471112011-02-05T11:29:00.006-02:002011-02-05T12:01:14.157-02:00Análise do filme Garotas do Calendário, em conformidade com o texto “Antropologia e o estudo dos grupos sociais e das categorias de idade”<p align=justify><strong>Antropologia e o estudo dos grupos sociais e das categorias de idade</strong><br /><br />O texto apresenta como as etapas da vida são vistas pelos agrupamentos humanos em diferentes períodos históricos, com foco na terceira idade. Nele pode-se ver que em certas sociedades, algumas das divisões tradicionais do desenvolvimento humano, como infância, adolescência, juventude, fase adulta e velhice, simplesmente não existem. O começo e o fim de cada uma dessas categorias de idade não são estipulados apenas por fatores biológicos, mas também por fatores históricos, políticos e sociais.<br /><br />Na tentativa de apresentar os princípios organizadores do curso da vida, a autora apresenta os seguintes conceitos:<br /><br /><strong>Idade Cronológica:</strong> Tempo contado cronologicamente a partir do nascimento do indivíduo. Sistema de datação importante para o exercício da cidadania nas sociedades ocidentais, visto que regula determinados direitos e obrigações, define papéis ocupacionais e serve como base para reivindicações sociais. É um instrumento de controle que o Estado tem para controlar diretamente a vida dos indivíduos, dividindo a vida em etapas como a idade em que se deve entrar para a escola, idade para o serviço militar obrigatório, para votar, para se aposentar, etc.<br /><br /><strong>Idade Geracional:</strong> Independe da idade cronológica ou do nível de maturidade e pode ser vista de duas maneiras:<br /><blockquote>1. No âmbito familiar, representa a sucessão de um grupo por outro, estabelecendo as relações de parentesco; <br />2. No âmbito social, representa um grupo de indivíduos que compartilharam das mesmas experiências e possuem comportamento semelhante.</blockquote><p align=justify><em></em><p align=justify><strong>Nível de Maturidade:</strong> É a capacidade que um indivíduo tem de desenvolver determinadas atividades, está relacionado ao desenvolvimento intelectual. Não se leva em conta a idade cronológica ou a geracional. Por isso, indivíduos com a mesma idade cronológica podem apresentar diferentes níveis de maturidade, e o inverso também é possível.<br /><br /><strong>Uma análise do filme <em>Garotas do Calendário</em></strong><br /><br />Baseado em fatos reais, o filme <em>Garotas do calendário</em> retrata a história de duas amigas inseparáveis, Chris (Helen Mirren) e Annie (Julie Walters), moradoras de uma pequena cidade conservadora da Inglaterra. Chris é membro do Women's Institute, cujo lema é <em>informação, diversão e amizade</em>, uma associação nacional com reuniões mensais que desenvolve atividades para senhoras, como jardinagem, tricô ou a preparação de doces e bolos. <br /><br />O marido de Annie morre de leucemia e ela resolve se juntar ao grupo, na tentativa de angariar fundos para ajudar o hospital da cidade. Chris desenvolve uma campanha que consiste em fazer um calendário com uma integrante do Women's Institute para cada mês, mostrando algo relacionado a suas habilidades domésticas. Essa ideia mexeu com a cidadezinha inglesa, visto que, segundo a proposta de Chris, as senhoras deveriam aparecer completamente nuas nas fotos.<br /><br />Esse filme é uma boa fonte de discussão sobre idade cronológica, idade geracional e nível de maturidade. Por meio dele podem-se perceber expectativas e preconceitos que as sociedades têm em relação a mulheres com idade cronológica avançada. <br /><br />Visto isso, é importante salientar que as expectativas e os preconceitos difundidos variam de acordo com a época e com o grupo social, em relação a homens e a mulheres, em relação à idade cronológica e em relação ao nível de maturidade dos indivíduos. Com base no texto <em>Antropologia e o estudo dos grupos sociais e das categorias de idade</em>, de Guita Grin Debret, serão analisados, minimamente, os fatores que causaram tamanha estranheza para os habitantes daquela pequena cidade.<br /><br />Inicialmente, alguém poderia pensar que os moradores de Knapely, a cidadezinha em questão, achavam extremamente vulgar a atitude de uma mulher deixar-se fotografar nua para um calendário, mas ao longo do filme isso se modifica. De acordo com a tradição, o instituto fazia calendários com fotos de bolos. A ideia do calendário com fotos de senhoras nuas surgiu quando uma delas entrou em uma oficina e viu fotos de mulheres nuas nas paredes. Além disso, há uma cena em que uma das senhoras acha uma revista masculina que seu filho esconde em baixo da cama. Ou seja, a imagem de uma mulher nua na parede ou em uma revista, desde que seja uma desconhecida, não feria a moral da comunidade. <br /><br />A idade das mulheres que se dispuseram a tirar as fotos também foi um fator decisivo para dar início ao preconceito e às especulações. Implicitamente, os padrões estéticos estipulam que somente mulheres jovens e com corpos esculturais podem tirar fotos nuas. Além disso, fotos nuas são associadas à sexualidade ativa, e a sociedade não aceita que mulheres mais velhas tenham esse comportamento. Entretanto, a proposta das fotos não era nada obscena. Assim, as pessoas perceberiam que as mulheres estavam nuas, mas nem os seios nem as genitálias ficariam à mostra.<br /><br />Entende-se, com esse filme, que homens e mulheres são vistos diferentemente em relação à idade e às práticas sexuais. É socialmente admissível que um senhor tenha vida sexual ativa e se relacione com uma mulher com idade para ser sua filha, mas às mulheres não é outorgado esse direito. O preconceito traveste-se de preocupação e as poucas que tentam esse tipo de relacionamento são desestimuladas, principalmente pela família, sob o pretexto de que não existe amor verdadeiro por parte do homem mais novo, mas um interesse, geralmente, financeiro. Tal argumento não poderia ser utilizado no caso dos homens mais velhos?<br /><br />Com o avanço da idade cronológica, uma pessoa pode, legalmente, ser impedida ou deixar de ser obrigada a praticar certos atos ligados à cidadania. Por força da lei, idosos precisam se aposentar com certa idade e são desobrigados de votar, por exemplo. Entretanto, há certas restrições implícitas que foram criadas por conceitos e preconceitos subjetivos em vigor nas diferentes sociedades. Na situação mostrada pelo filme, os moradores faziam parte de uma geração que acreditava na possibilidade de as fotos mancharem a moral das senhoras e que não tinham maturidade suficiente para entender o propósito do calendário e o tipo de fotos que seriam feitas.<br /><br />Conclui-se este trabalho observando que no filme em questão pode-se perceber a forma como algumas senhoras de uma sociedade conservadora conseguiram superar as barreiras e vencer os preconceitos de sua comunidade. A idade cronológica e o nível de maturidade delas não foram suficientes para que seus concidadãos aceitassem com naturalidade sua decisão. A atitude delas pode ter sido um ponto de partida para a transformação das mentalidades daquele grupo, fazendo com que ele participasse dessa nova experiência, abalando os costumes daquela geração.<br /><br /><strong>Bibliografia</strong><br /><br />DEBRET, Guita Grin. Antropologia e o estudo dos grupos sociais e das categorias de idade In: <em>Velhice ou terceira idade?</em>: estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. 2. ed. Editora FGV, Rio de Janeiro, 2000.<br /><br /><strong>Ficha Técnica </strong><br /><br />CALENDAR GIRLS = Garotas do calendário. Direção: Nigel Cole. Elenco: Helen Mirren; John Alderton; Linda Bassett; Annette Crosbie; Philip Glenister; Ciarán Hinds; Celia Imrie; Geraldine James; Jay Leno; Julie Walters; Penelope Wilton. Inglaterra: Buena Vista International / Touchstone Pictures, 2003. 108 min., son., color.<p align=justify><em></em>Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-55087500501475076612010-12-06T10:25:00.002-02:002010-12-08T10:37:50.125-02:00Quando será a hora de descer?<p align=justify>Estou começando a acreditar que minha memória não é tão ruim quanto pensava. Acabo de lembrar de um passeio que fiz com meus pais a Petrópolis. <em>Long, long time ago</em>. Foi um dia muito agradável, em que visitamos o Museu Imperial, o Palácio de Cristal e a Encantada, a Casa de Santos Dumont. Dizem que naquela cidade sempre faz frio, mas naquele dia a temperatura estava amena. <br /><br />Na volta, entramos em um ônibus da extinta empresa Luxor, que iria pela dita estrada velha e não pela Rodovia Washington Luis. Nessa época os passageiros entravam pela porta de trás e o cobrador também ficava lá atrás do veículo. A porta se abria, o passageiro subia a escada e logo encontrava a roleta.<br /><br />Pois bem, a viagem estava tranquila, até que dois passageiros fizeram sinal e entraram no ônibus. O primeiro deles passou a roleta, pagou a passagem e sentou-se. O outro não passou, ficou em pé na escada, entre a porta e a roleta.<br /><br />Essa era uma atitude que logo chamava a atenção dos passageiros. Logo pensávamos que a pessoa não tinha o dinheiro da passagem, por isso estava esperando a melhor oportunidade para pedir ao cobrador para pular a roleta ou descer pela porta de trás. Ou..., na pior das hipóteses, poderia ser uma tentativa de assalto.<br /><br />O milésimo sentido feminino fez com que minha mãe começasse a acompanhar os movimentos do passageiro suspeito, prestando atenção em cada detalhe. O que mais chamou sua atenção foi o fato de o homem estar com uma jaqueta pesada e fechada, apesar de o dia não estar tão frio e de já termos nos afastado consideravelmente de Petrópolis. <br /><br />Como se não bastasse a desconfiança, eis que o motorista dá uma freada relativamente brusca, obrigando os passageiros a se segurarem, inclusive o não-pagante antes da roleta. Para isso, ele teve que esticar o braço e, sem querer, acabou deixando à mostra o que tanto queria esconder: uma pistola.<br /><br />Além de não ter passado a roleta, não ter pagado a passagem, estar com um agasalho mais pesado que os demais e com uma pistola na cintura, o homem conversava em códigos com o amigo que estava sentado: <br /><br />– Quando chegar o ponto, não esquece de mim. Me avisa a hora!<br />– Pode deixar que te dou um toque.<br /><br />A essa altura, não era mais desconfiança, era quase certeza, o ônibus corria o risco de ser assaltado a qualquer momento. <br /><br />Discretamente, minha mãe cochichou com meu pai:<br /><br />– Alfredo, disfarça e coloca a carteira embaixo do banco. Este ônibus vai ser assaltado.<br /><br />Provavelmente ele não ouviu nada do que foi dito antes em relação ao “disfarça”, logo ele que sempre falou em tom baixo. Para raiva de minha mãe, ele diz em plenos pulmões:<br /><br />– É o quê?! O meu ninguém leva! <br />– Fala baixo, meu marido...<br /><br />É claro que isso fez com que os supostos ladrões percebessem que algumas pessoas estavam desconfiando da atitude deles. Por isso, tentaram disfarçar e pararam de conversar, como se isso fosse fazer com que esquecêssemos a desconfiança. <br /><br />Meu pai finalmente resolveu dar ouvidos à minha mãe. Disfarçou e colocou a carteira embaixo do banco. Nós estávamos sentados no último banco (era o único em que os três poderiam sentar juntos), por isso, hoje em dia, acredito que os suspeitos nem tenham visto a movimentação. <br /><br />Minha mania de observar tudo que está ao meu redor já existia naquela época, mas não tinha desconfiado dos caras. Quando vi meu pai soltando sorrateiramente a carteira sob o banco, achei tudo muito estranho e soltei o verbo:<br /><br />– Pai, sua carteira está debaixo do banco! <br /><br />Minha mãe me olhou com olhar de reprovação. Ainda bem que ela não tinha veneno nos olhos, senão eu não escreveria esta história. Não entendi o olhar de censura. Sempre ouvi que a família deveria ser unida, que um deveria se preocupar com os problemas dos outros e tentar resolvê-los, etc. Não ficaria com a consciência tranquila se chegássemos a casa e meu pai descobrisse que tinha perdido sua carteira. Por achar que não tinha sido compreendido, enfatizei:<br /><br />– Pai, depois não vai dizer que não presto atenção em nada. Sua carteira está debaixo do banco e você não viu...<br /><br />Mais que depressa minha mãe interveio:<br /><br />– FICA QUIETO, NÃO ESTÁ VENDO QUE O ÔNIBUS VAI SER ASSALTADO?!<br /><br />Arregalei os olhos e fiquei surpreso. Os outros passageiros fizeram o mesmo e começaram a se perguntar:<br /><br />– O ônibus vai ser assaltado?!<br />– Quem vai assaltar o ônibus?<br />– Tem ladrão aqui???<br /><br />Os caras não sabiam onde enfiar a cara. Tinha chegado a hora de anunciar o assalto ou desistir de vez e fingir que essa nunca tinha sido a intenção deles. <br /><br />Começou um tumulto dentro da condução, e o suspeito que estava sentado se levantou. Quando ele olhou para o colega, viu lá fora uma joaninha com dois policiais. Naquela época o Fusca era um dos carros utilizados pela Polícia Militar. Este era a joaninha. Não parecia que os PMs estivessem à procura destes caras especificamente, mas a presença deles amedrontou os passageiros suspeitos. <br /><br />Assim que teve oportunidade, o suspeito que pagou a passagem puxou a cigarra e desceu. O cobrador, por medo de que algo acontecesse, pediu que o motorista abrisse a porta de trás. Com isso, o segundo suspeito desceu e saiu correndo ao encontro de seu amigo. <br /><br />Os demais passageiros se sentiram aliviados e começaram a trocar impressões sobre o ocorrido. Meus pais finalmente me explicaram o que tinha acontecido e o porquê de colocar a carteira sob o banco. <br /><br />No final desse dia aprendi algumas coisas:<br />Primeiro: Devo desconfiar de pessoas com roupas pesadas e fechadas em dias de calor; <br />Segundo: Devo estar atento ao que acontece no ambiente e entender as sutilezas da linguagem não-verbal; e<br />Terceiro: Não devo contar com ninguém para saber a hora de descer. O passageiro suspeito não avisou seu amigo...<p align=justify><em></em>Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-55865765004130251402010-11-13T22:00:00.015-02:002014-01-20T18:03:30.629-02:00A retórica em "O Alienista", de Machado de Assis<strong>1. INTRODUÇÃO</strong><br /><br /><p align=justify>Desde a Antiguidade, acreditava-se que a argumentação bem fundamentada tem o poder de fazer com que o indivíduo que a domina tenha êxito em seus intentos. Além de conseguir o que deseja, caso consiga convencer o próximo, o indivíduo que domina a arte da retórica dificilmente será ludibriado por falácias e palavras vãs. Em suma, o discurso persuasivo pode manipular pessoas, mas também pode ser um importante instrumento de comunicação. Nesse período histórico, criaram-se tradições de estudo a respeito de técnicas retóricas. <br /><br />Cícero afirmava que existiam três modos de persuadir, a conhecida <em>Tria Officia</em>, que consistia em convencer, por meio da lógica; comover, por meio da emoção; e agradar, por meio da estética. Antes do citado senador romano, os sofistas, mestres gregos itinerantes, se notabilizaram pelo ensino da oratória persuasiva. Por esse motivo, foram duramente criticados por Platão, que via neles falta de compromisso com a ética, verdade ou justiça em troca do dinheiro.<br /><br />Entretanto, estudos arqueológicos e filosóficos demonstram que Platão menosprezou a preciosidade técnica da persuasão. Por sua vez, Aristóteles, seu discípulo, sistematizou em sua Arte Retórica fatores com os quais se deveria influenciar o público, a saber: o <em>êthos</em>, que diz respeito ao caráter e à credibilidade do orador; o <em>páthos</em>, relacionado aos apelos da emoção; e o <em>lógos</em>, pertinente à construção do argumento com base na razão e na lógica.<br /><br />Um argumento consistente deve ser bem fundamentado, apresentar provas, se não verdadeiras, ao menos convincentes. Para que seja consistente, devem-se levar em conta os interlocutores. Caso contrário, o locutor pode ser rejeitado pela plateia, se tentar impor sua opinião. Por isso é importante conduzir o público gradativamente, por meio da lógica, até que se alcance o entendimento comum.<br /><br />Espera-se definir minimamente os conceitos relacionados à retórica e analisar como ela se aplica em <em>O Alienista</em>, protagonizado por Simão Bacamarte, do qual se analisará, basicamente, o <em>êtho</em>s, o <em>páthos</em> e o <em>lógos</em>. Considerando a brevidade deste trabalho, apenas o primeiro capítulo do conto será utilizado para a seleção exemplos.<br /><br /><br /><strong>2. O QUE É RETÓRICA?</strong><br /><br />Retórica – parte do <em>trivium </em>ensinado em faculdades da Idade Média, que consistia em gramática, dialética e retórica – é a arte ou técnica de convencimento por meio da oratória e outros meios de comunicação, inclusive, não-verbais, que se instalou na cultura grega como disciplina essencial e depois na romana (REBOUL, 2004, p. 71).<br /><br />Dessa forma, a oratória é um dos campos de atuação da retórica, visto que ela também pode manifestar-se por meio das artes plásticas, da música, etc. A retórica tenta fazer com que o interlocutor se convença de que o emissor está certo, por meio de seu próprio raciocínio. Assim, o objetivo da retórica é dar ferramentas ao interlocutor para que este consiga julgar se o que foi dito é verdade ou não.<br /><br />Considerando tratar-se de uma técnica, há comportamentos que devem ser observados: a identificação do público, inclusive de seus valores, comportamentos e anseios; a formulação de uma tese que delimite os resultados desejados; a utilização de linguagem clara, que se identifique com a plateia; a seleção de argumentos baseados na lógica que reforcem e sejam coerentes com a tese a ser defendida; a conscientização de que, para o sucesso de uma argumentação, há importantes fatores extralinguísticos que se devem considerar, como escolha de roupas adequadas, ilustrações, impostação da voz e tudo aquilo que for útil para atrair a atenção do público (REBOUL, <em>op. cit</em>., pp. 195 e 246).<br /><br />Apesar de se conhecerem as técnicas da retórica, a eloquência – capacidade de falar e expressar-se com desenvoltura – segundo Cícero, não tem a ver com receitas: <br /><blockquote><p align=justify>[...] se ela é autêntica, ocorre naturalmente no orador, desde que ele seja dotado, experiente e culto, ou seja, instruído em todas as áreas essenciais: direito, filosofia, história, ciências. As receitas retóricas, os “truques” para se impor são ineficazes (REBOUL, <em>op. cit</em>., p. 72).</blockquote><p align=justify>Assim, a autenticidade do orador, associada às técnicas retóricas podem atingir melhores resultados em um discurso. A seguir, será vista uma breve apresentação do conto <em>O Alienista</em>, seguida de breve análise do comportamento de Simão Bacamarte, o protagonista, no desenrolar da história.<br /><br /><br /><strong>2.1 O Alienista</strong><br /><br /><p align=justify><em>O Alienista </em>é um conto representativo da produção realista de Machado de Assis, especialmente no que se refere à crítica social e à análise psicológica. A sátira que se emprega nessa obra mistura, confunde e desfaz os limites entre razão e loucura. Nela se vê a personalidade dos indivíduos influenciada por fatores sociais e a sociedade influenciada por fatores psicológicos. Dessa forma, nota-se que Itaguaí, cidade em que a história acontece, e seus moradores representam toda a civilização. Em seguida, será feita uma apresentação concisa do protagonista dessa trama.<br /><br /><strong>2.2 Simão Bacamarte</strong><br /><br />Simão Bacamarte, médico diplomado em Portugal, escolheu Itaguaí, no Rio de Janeiro, para criar um hospício e estudar a fronteira entre razão e loucura. Analisava a saúde psicológica dos moradores de sua cidade e o grau de influência dela nas relações sociais. Suas análises tinham metodologia científica próprias dele, o qual muitas vezes mudou seus critérios de avaliação. <br /><br />Apesar disso, ele tinha o apoio estatal para tudo o que fazia e ganhou um auxílio da Câmara de Vereadores por cada internação durante muito tempo. As primeiras indicações de internação foram apoiadas pela sociedade itaguaiense, visto que eram pessoas consideradas loucas por todos. Porém, como o passar do tempo, a população começou a questionar as decisões de Simão Bacamarte, que passou a ser visto como um déspota traiçoeiro que lucrava com o aumento do número de internações. Com o tempo, essa ideia foi descartada, pois o médico abriu mão do valor que recebia por cada louco internado.<br /><br />Depois de inúmeras teorias, após ver 75% dos moradores aprisionados em seu hospício, o médico mudou mais uma vez seus critérios. Mandou soltá-los e considerou loucos apenas aqueles que mantiveram sua personalidade reta ao longo do tempo. Ao ver que este seu último critério era falho e que ele próprio era o único que se manteve “íntegro” até o fim, soltou todos os loucos da Casa Verde e encerrou-se lá até seu último dia.<br /><br />2.2.1 <em>Êthos</em> <br /><br />Em relação ao caráter e à credibilidade de Simão Bacamarte, pode-se dizer que era o maior médico do Brasil, de Portugal e das Espanhas, bem formado, reconhecido pelos conterrâneos itaguaienses e, inclusive, pelo rei de Portugal, que tentou convencê-lo a ficar lá, cuidando dos interesses da monarquia. Para ele, a ciência estava acima dos bens materiais ou dos prazeres. “A Ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo” (ASSIS, 2004, p.11). A integridade do médico e seu visível compromisso com a Ciência garantiram, no começo da história, a adesão da população e dos vereadores à criação da Casa Verde, a casa de loucos.<br /><br />2.2.2 <em>Páthos </em><br /><br />Apesar da competência e da confiança que despertava nos cidadãos de Itaguaí, em alguns momentos, usava de sua astúcia para justificar suas decisões, com atitudes que mexiam com a emoção dos ouvintes. Certa vez, para ocultar sua predileção por textos árabes e evitar o choque de ideias com os princípios religiosos do padre Lopes, atribuiu uma inscrição do Alcorão, gravada na fachada de seu hospício, a Benedito VIII. O padre, por desconhecimento, falsa erudição ou fé em demasia, contou histórias sobre a vida daquele eminente pontífice e não percebeu a pia fraude (ASSIS, <em>op. cit</em>., p. 14). A saída encontrada por Bacamarte mexeu com a emoção do padre, visto que este dificilmente seria contra uma citação de um papa.<br /><br />2.2.3 <em>Lógos</em><br /><br />A razão e a lógica permeavam o discurso do médico e o afastavam do sentimentalismo. A escolha de sua esposa, por exemplo, obedeceu a critérios lógicos baseados na ciência e não na afetividade. “[...] Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista [...]” (ASSIS, <em>op. cit</em>., pp. 11,12). Considerando que sua intenção era perpetuar a dinastia dos Bacamartes, aquela seria a mulher ideal para dar-lhe filhos.<br /><br />Além disso, como os loucos de Itaguaí não recebiam tratamento adequado e a Câmara de Vereadores não fazia nada para ajudá-los, Bacamarte viu a oportunidade de que precisava. Pediu à Câmara para abrigar e tratar no prédio que construiria todos os loucos de sua cidade e das vizinhanças, mediante um valor que a Câmara lhe daria, caso a família não pudesse fazer.<br /><blockquote><p align=justify>Dali foi à Câmara, onde os vereadores debatiam a proposta, e defendeu-a com tanta eloquência, que a maioria resolveu autorizá-lo ao que pedira, votando ao mesmo tempo um imposto destinado a subsidiar o tratamento, alojamento e mantimento dos doidos pobres (ASSIS, <em>op. cit</em>., p. 13).</blockquote><p align=justify>Os argumentos apresentados pelo médico foram ao encontro das necessidades dos cidadãos. Baseado na razão e na lógica, conseguiu apoio estatal para a construção daquela que seria seu laboratório pessoal para o estudo da lucidez e da loucura, a Casa Verde.<br /><br /><strong>3. CONCLUSÃO</strong><br /><br /><p align=justify>A retórica vem sendo desenvolvida, ensinada e aprendida ao longo dos anos em diversos ambientes, com diversas finalidades. Entretanto, sempre relacionada à tentativa de convencer o leitor ou ouvinte de algo que beneficie os interesses do orador ou da coletividade.<br /><br />Atualmente a retórica não é mais tão associada à produção de discursos, mas à interpretação deles, associando-se, assim, à gramática dos antigos. O ensino das técnicas para se fazer um discurso tem sido identificado com a formação literária e filosófica, deixando de ser vista como retórica. Ela não se limita mais aos três gêneros oratórios da Antiguidade, mas anexa discursos persuasivos modernos, criando, dessa forma, retóricas específicas, como a cinematográfica, a musical e a publicitária, dentre outras (REBOUL, <em>op. cit</em>., p. 82).<br /><br />É importante observar que, apesar do uso indiscriminado dos dois termos, <em>convencer </em>e <em>persuadir </em>têm sentidos próximos, mas não iguais. O primeiro envolve o público com argumentos lógicos, por meio da indução e da dedução; o segundo, apela para a emoção da plateia quando seleciona e apresenta argumentos. <br /><br />Simão Bacamarte soube utilizar elementos da retórica para concluir seu plano de construir um hospício e estudar a loucura em sua cidade. Provavelmente, sua cultura trazida da Europa o ajudou na tarefa de persuadir e convencer toda a cidade de que suas ideias faziam algum sentido, pelo menos no começo. A boa argumentação do médico fui um dos materiais que construíram a Casa Verde.<br /><br />Este trabalho não esgota os temas relacionados à retórica, tampouco dá conta de toda a subjetividade do conto analisado. Entretanto, espera-se que tenham sido minimamente apresentados ao leitor e exemplificados com textos retirados de <em>O Alienista</em>, uma das obras machadianas que, apesar de publicada há mais de 120 anos, continua despertando o interesse dos leitores, levando-os à reflexão sobre o que seria loucura.</p> <br /><strong>4. BIBLIOGRAFIA</strong><br /><br />ASSIS, Machado de. <em>O Alienista</em>. São Paulo: Martin Claret, 2004.<br /><br />DICIONÁRIO Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.<br /><br />ESTEVÃO, Roberto da Freiria. <em>Retórica e Direito</em> : A importância jusfilosófica da argumentação retórica. 2007. 219 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário Eurípedes de Marília, Marília, SP, 2007. Disponível em: http://www.fundanet.br/servico/aplicativos/mestrado_dir/dissertacoes/Ret%C3%B3rica_e_direito_-_a_import%C3%A2ncia_jusfilos%C3%B3fica_da_argume_1103_pt.pdf. Acesso em: 29 out. 2010. <br /><br />GUERREIRO, Carmen. <em>A atração pelo argumento</em>. Revista Língua Portuguesa. Edição 60. São Paulo: Editora Segmento, 2010. Disponível em: <http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=12151> Acesso em: 25 out. 2010.<br /><br />LIMA, Luiz Costa. <em>O palimpsesto de Itaguaí</em>. In: Pensando nos trópicos. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. <br /><br />REBOUL, Olivier. <em>Introdução à Retórica</em>. Tradução de Ivone Castilho. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2004.Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-8726494176049159772010-11-10T11:10:00.003-02:002010-11-13T22:33:35.654-02:00Do apiedar-se<p align=justify>Apiedei-me de vós quando pensastes que estaríeis mais seguros se vos cercásseis de confederados. Vosso pelotão foi preparado para guerrear contra qualquer um que se pusesse à frente. E para isso não poupastes ninguém. Mentiras foram implantadas, mentes foram convencidas. Transformastes o bem em mal e carreiras foram destruídas. <br /><br />Se quisésseis que os antigos combatentes mudassem as estratégias aplicadas, simplesmente os teríeis orientado melhor. Mas vosso objetivo era outro. Ampliar vossa área de atuação e conquistar outros territórios foi vossa meta. Destes ordem e um rolo compressor passou por cima dos que foram indiferentes a vosso ineficaz comando. Para cada baixa, uma substituição a vosso bel-prazer. <br /><br />Convocastes soldados que estivessem dispostos a acatar vosso controle e participar de cada batalha vossa. O tempo se passou e os novos combatentes não mostram a que vieram, tampouco tivestes competência para guiá-los pelo melhor caminho. O desinteresse pela vossa causa surpreendeu-vos, mas isso não é incomum. A vida costuma surpreender os distraídos.<br /><br />A expressão de humanidade que há em vós se configura pela sucessão de estratégias equivocadas que criais. Em nada causais inveja aos que têm uma visão ampla e colocam em prática as táticas que o supremo comandante ensinou. Apiedo-me de vós, que fazeis questão de caminhar sem saber que caminhais em círculos. E a guerra continua...Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-25257923669478400982010-10-30T21:47:00.001-02:002010-11-13T22:34:06.836-02:00Breve reflexão sobre a Ética do Discurso<p align=justify>A ética do discurso surgiu no final dos anos 1960, apresentando a ideia de que a linguagem é a base das normas morais. A verdade, portanto, deixaria de ser a relação entre o mundo real e o que é dito e passaria a ser vista como algo consensual.<br /><br />Dessa forma, um predicado passa a ser adequado ao sujeito se todos os envolvidos no discurso assim o quiserem, abrindo espaço para exceções, desde que racionalmente justificadas. Insere-se aqui a necessidade de coerência em um conjunto de crenças para que algo seja considerado verdadeiro.<br /><br />O conceito de ética depende da sociedade em que se viva. Visto isto, basear a ética em conceitos puramente políticos, econômicos ou religiosos tende ao insucesso, pois o que é positivo e esperado em um grupo pode não ser em outro.<br /><br />A linguagem, de certa forma, faz o homem, por isso o discurso em si é o que iguala as diversas sociedades “criadas” por diferentes linguagens, podendo criar juízos universais.<br /><br />Entretanto, nem sempre se quer alcançar a verdade por meio da linguagem, pelo contrário, há momentos em que esta é usada para ocultar ou manipular aquela. Haja vista as técnicas de oratória, aprendidas e ensinadas há tantos séculos, em que o orador aprende a conquistar e prender a atenção da plateia, ainda que para isso precise mentir ou deformar a verdade.<br /><br />Partindo do pressuposto de que tudo o que é dito tem alguma relação com alguma ação, nota-se que quando um réu ou seu advogado mentem diante de um juiz, o uso estratégico de sua linguagem visa à absolvição, mas também pode resultar em condenação, caso se percebam inconsistências.<br /><br />Nesse tipo de situação, a linguagem não tem compromisso, necessariamente, com a verdade, mas com o convencimento dos ouvintes e com a verossimilhança. Por ser possível, algo pode ser tomado como verdade, quando um corpo de jurados inocenta alguém, por exemplo. <br /><br />Conhecer estratégias textuais da língua e aplicá-las às necessidades específicas de situações do cotidiano é fundamental para que se consiga convencer o ouvinte ou leitor, tendo um discurso ético como base.Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-29005896253526775902010-09-07T19:34:00.006-03:002010-12-08T10:46:12.171-02:00O Dicionário, de Machado de Assis<p align=justify>Machado de Assis, conhecido por sua ironia e pela sutileza de suas críticas à sociedade de seu tempo, ao escrever o conto O Dicionário, deixou-nos uma obra que, apesar de publicada no final do século XIX, mostra-se bem atual. À semelhança de O Alienista, outra obra representativa do Realismo, o protagonista é um homem que acredita poder mudar o rumo da sociedade em que vive baseado na subjetividade de seus próprios valores.<br /><br />O narrador onisciente de O Dicionário, em terceira pessoa, inicia sua história com a locução “Era uma vez”, comum em narrativas curtas de tradições orais. Nas primeiras linhas apresenta características psicológicas e físicas de Bernardino, o personagem principal. Nomes próprios que caracterizam a personalidade de indivíduos são comuns nas obras do “Bruxo do Cosme Velho” e nesse caso não foi diferente. <br /><br />Bernardo, adjetivo relativo à ordem de Cister criada por Bernardo de Clairvaux, por extensão de sentido e em uso pejorativo, significa indivíduo gordo e estúpido. Ao longo da narração podem-se encontrar vários exemplos da estupidez de Bernardino, o pequeno estúpido que, com a progressiva perda de senso, autodenomina-se Bernardão.<br /><br />De origem simples, Bernardino era um fabricante de tonéis e barris, com ares de politizado, que almejava ver o poder nas mãos do povo. Após tomar o poder à força, percebeu não ser possível que a multidão se sentasse em um único trono e, por confundir-se com o próprio povo, sentou-se no assento real e proclamou-se soberano. A partir daí, uma série de atos e decretos que só faziam sentido para o demagogo ex-tanoerio começaram a mudar a rotina dos habitantes desse lugar que em nenhum momento é mencionado pelo narrador.<br /><br />O primeiro de seus atos foi voltar-se contra seus confrades, dando fim à profissão dos tanoeiros, aos quais concedeu o título de Magníficos. Rapidamente aprendeu que um governante possui meios de comprar o silêncio dos governados. O segundo ato foi trocar seu nome, em que há sufixo indicativo de diminutivo por Bernardão. Embora usasse palavrório rebuscado, sua falsa erudição não o deixou perceber que adequara seu nome ao volume de sandices que estava por fazer. <br /><br />Curiosamente, após assumir o comando de seu povo, o personagem encomenda aos sábios uma rebuscada genealogia que o associa à descendência de um suposto famoso general romano do século IV, Bernardus Tanoarius. Queria que a lembrança de sua origem humilde fosse apagada da memória dos súditos, por isso a associação a um antepassado com nome latino, que costuma dar nobreza àquele que o ostenta. <br /><br />O terceiro ato foi obrigar que seus subservientes se tornassem calvos, para assumir a aparência dele, sob pretexto de que a unidade moral do Estado exigia a uniformidade exterior de seus concidadãos. Durante a descrição dessa passagem, Machado utiliza uma metáfora que representa a juventude: verdes anos. O quarto ato, igualmente sábio — e aí se nota mais uma ironia machadiana — estabeleceu que todos os sapatos do pé esquerdo deveriam apresentar um buraco na altura do dedo mínimo, dessa forma se assemelhariam aos do insano reinante que padecia de calosidade. <br /><br />Depois de dois anos no trono, Bernardão precisou usar óculos para corrigir um problema de vista. Nessa ocasião, seus dois ministros, Alfa e Ômega, assemelharam-no a Homero ou a Aníbal, e então foi despertada a vocação poética do monarca. <br /><br />Seus conselheiros eram bajuladores, por isso relacionaram a deficiência ocular dele a uma suposta semelhança com Aníbal, general cartaginês conhecido por ser um dos maiores táticos militares da história, ou Homero, poeta épico grego, autor da Ilíada e da Odisseia. Aqueles aduladores eram peritos em iludir, a ponto de criarem um novo pronome de tratamento, Vossa Sublimidade, e atribuí-lo a seu chefe. <br /><br />Os nomes dos assessores representam as vogais inicial e final do alfabeto grego, dessa forma sentiam-se competentes para qualquer questão linguística. Isso sugere que as brilhantes ideias começavam com Alfa e terminavam com Ômega antes de o regente colocá-las em prática. Eis aí uma amostra de hierarquização do poder na sociedade. Mesmo entre servos, há os de maior e os de menor prestígio. <br /><br />Tendo o controle da cidade em mãos, na tentativa de perpetuar sua dinastia, Bernardão quis casar-se. Não obstante muitas moças terem se candidatado, Estrelada, a desejada dos homens da cidade, foi a que mais chamou a atenção do casadouro real. Mesmo sendo de origem popular, ele se sentiu atraído por uma jovem de características nobres e gosto apurado, fiel à antiga dinastia deposta e com nome afinado com seu estilo de vida. <br /><br />O rei inexperiente, por entender que tinha certa desvantagem em relação à amada, ofereceu-lhe muitas riquezas e, para sua sorte, contava com o apoio dos familiares dela, que viam nele oportunidade de riqueza e poder. <br /><br />Como tinha em mente um poeta para noivo, Estrelada sugeriu que seus pretendentes competissem na composição de um madrigal — poesia concisa que exprime pensamento fino, terno ou galante e que, em geral, se destina a ser musicada, nascida na Itália, no século XIV. O preferido da mulher, por sua experiência poética, venceu todas as etapas do concurso, anulado várias vezes por decreto, segundo os critérios do déspota.<br /><br />Após esses acontecimentos o título do conto começa a fazer sentido, visto que, para dificultar a produção do madrigal por seus concorrentes, Bernardão mandou que Alfa e Ômega produzissem o Dicionário de Babel, no qual havia completa confusão das letras e distanciamento da língua falada. Apenas seus criadores seriam capazes de compreendê-lo, mas foi decretado que ele seria a base da língua oficial e dos madrigais. Ainda assim, após nova competição, o verdadeiro amado de Estrelada venceu novamente. <br /><br />Em meio à melancolia, Bernardão leu alguns versos do poema satírico “Sobre a Imitação dos Antigos”, do poeta português Pedro António Correia Garção. Nesse ponto o leitor tem um exemplo de intertextualidade, tanto de O Dicionário com Sobre a Imitação dos Antigos, como desta obra com A Poética, de Aristóteles. Com maestria Machado ignora tempo e espaço e aproxima sua obra de Garção e de Aristóteles, estabelecendo diálogo entre as artes literária e plástica. <br /><br />Existe alguma semelhança entre o protagonista de O Dicionário e Simão Bacamarte, personagem principal de O Alienista. O primeiro, um homem simples que conquista o poder, mostra não ser digno dele por causa da inconstância e da incoerência de seus atos. O segundo muda constantemente sua opinião sobre o que seria loucura e o tratamento mais adequado para cada caso. Na medida em que analisava suas teorias, alterava o tratamento empregado aos pacientes. Chegou ao ponto de, após conquistar a confiança de seu povo, colocar a maior parte da cidade no hospício que criou, considerando que seus critérios para a loucura tornaram-se muito amplos. <br /><br />Aos apreciadores dos textos machadianos, acostumados com sua ironia e críticas, vale a pena ler e relembrar seu estilo peculiar. Para quem ainda não leu algo escrito pelo fundador da Academia Brasileira de Letras, essa pode ser a oportunidade de começar a se familiarizar com sua obra. <br /><br />Em O Dicionário, o leitor encontrará uma crítica de Machado à insensatez de governantes, à hierarquização da sociedade, à subordinação descabida, às disputas amorosas entre outras. Este é um conto de poucos parágrafos, rico em detalhes e ainda atual, apesar de seus mais de cem anos. Pode ser lido em poucos minutos por pessoas que se interessem por temas relacionados ao comportamento humano em sociedade.<br /><br />É uma leitura simples — com exceção de algumas palavras que caíram em desuso, para as quais se recomenda um dicionário — que, com certa valorização da cultura clássica, pode levar o leitor a momentos de reflexão sobre temas que sempre farão parte da sociedade, sobre os quais dificilmente seremos unânimes.Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-13676538076035183582010-07-28T13:17:00.001-03:002010-11-13T22:35:34.853-02:00Por uma amizade bem temperada<p align=justify>No dia 19 de julho, véspera do dia do amigo, fui ao bar Arco-Íris da Lapa, com um grupo de amigos. Naquela segunda-feira, nosso objetivo não era comemorar o dia do amigo, não nos lembrávamos disso, mas descontrair, jogar conversa fora. Os fins de semana costumam ser muito corridos e nem sempre há como fazer tudo o que se pretende. Perceba que “leves bebericagens acompanhadas de boa conversa e petiscos razoáveis são permitidos durante a semana também” (Alfredus Petrus, In: Porções de Pensamento).<br /><br />Dentre os vários bares na região da Lapa, demos preferência ao Arco-Íris, um “pé-sujo” na Avenida Mem de Sá onde pessoas de todas as tribos se encontram antes de qualquer evento, desde os anos 60 do século passado. O que mais me chamou a atenção na descrição que me fizeram do bar foi a história do “pé-sujo”. Com isso, fiz uma associação à idéia de bom preço e concordei com a sugestão. <br /><br />Parados na porta, avistamos uma mesa estratégica, no canto e de frente para a televisão. É claro que temos TV em casa, mas enquanto o papo não engrena ou entre um e outro, não custa dar uma espiada. De cara pedi uma malzbier, ao que o garçom respondeu que tinha acabado desde a tardinha. Por ser levemente adocicada e possuir baixo teor alcoólico, há quem diga que malzbier é cerveja de mulher. Como eu mesmo pago quando peço uma e desconheço de quem seja a fábrica, para mim é de homem! <br /><br />Todos sabem que não se bebe de barriga vazia, então pedimos o cardápio. A primeira coisa que nos veio à mente foi batata frita, que é sempre uma boa pedida. Abriu-se o cardápio e percebemos que tínhamos três opções: batata frita, batata frita Arco-Íris e batata frita Arco-Íris especial. A primeira é uma porção simples; a segunda vem temperada com alho; a terceira é igual à segunda, acrescida de linguiça calabresa frita e queijo derretido. Ou seja, a melhor delas. Quanto mais coisas para “entulhar” o prato, melhor para a clientela. E foi esse o pedido feito.<br /><br />A bandeja veio que veio, transbordando e fumegando, exalando o cheiro de calabresa e queijo. Dá água na boca só de lembrar. O garçom deixou o pedido e prometeu voltar com guardanapos, azeite, sal e palitos. Aproveitei para pedir pimenta, que, a propósito, só não combina com pudim de leite. <br /><br />O rapaz voltou com a pimenta e ficou parado ao lado da mesa, como se esperasse que terminássemos de usar logo. Olhei para ele e fingi que não estava entendendo, pretendia ficar com o vidro enquanto durassem as batatas. Então ele deu um sorriso amarelo e disse que precisava daquela pimenta para servir as outras mesas também. Aquele era o último vidro da casa...<br /><br />A essa altura meu humor já havia mudado. Será que o gerente não ficara sabendo da falta da cerveja e da pimenta, ou pior, que na opinião dele ninguém pediria isso até o fim do expediente??? Deixa pra lá. Eu não era o administrador, nem o vendedor, nem o promotor, tampouco o advogado da mesa, era o professor. Por isso, disse ao garçom algo que, na minha opinião, não era do conhecimento do gerente e lhe seria útil para sua atividade profissional: “O supermercado Mundial fecha às 22:00h. Diga ao gerente, como ele não toma conta de nada mesmo, que vá comprar a pimenta e a malzbier, porque, se eu for, compro e consumo os produtos na minha casa. Com isso o restaurante perde clientes e pode até fechar...” <br /><br />Ainda bem que estava cercado de amigos. A turma do “deixa-disso” sempre engata em um novo assunto e a gente esquece o ocorrido. Há coisas com as quais não adianta se estressar. Devemos levar tudo no bom humor se quisermos viver bastante. Afinal, o prato principal era a batata. Na verdade eu já estava envenenado pela falta da malzbier, foi isso.<br /><br />Longe de mim fazer propaganda, positiva ou negativa, do dito estabelecimento. Depois disso posso até ter sido muito bem tratado, mas as experiências ruins acabam apagando as boas. Meu objetivo é apenas retratar o ambiente que serve de pano de fundo para a exposição das reflexões que aqui serão relatadas. Chega de explicações, vou ao ponto. A conversa fiada entre amigos está só começando.<br /><br />É impossível parar em um bar com todas as mesas ocupadas e não ouvir nada do que está sendo dito em alguma outra mesa. Conforme o tempo vai passando, o teor etílico vai subindo. Com isso as pessoas ouvem um pouco menos e as outras pessoas precisam elevar o tom de voz. É isso ou quase. Talvez seja esta a fórmula que dá vida a um bar: álcool + comida + amigos que conversam sobre as coisas comuns ou nem tanto + tempo que passa (não necessariamente nessa mesma ordem).<br /><br />Em meio a conversas nossas e alheias, demo-nos conta de que o dia seguinte seria o “dia do amigo”. Um tempo depois ouvi dizer que a data comemorativa em questão teria sido criada em Buenos Aires em 1979. Mesmo sem saber se portenhos têm amigos, acreditei na história e, com meus amigos de fato, comecei a refletir sobre o que seria a amizade.<br /> <br />A questão central de nosso debate foi a seguinte: amigo é aquele que está conosco quando mais precisamos ou é aquele de todas as horas? Muita coisa se falou a respeito disso, mas vou privilegiar o que eu disse à mesa. Os amigos vão me perdoar, mas este texto é meu. (Que tirano!!!)<br /><br />Consegui formular a teoria de que amigo é aquele que está conosco em algumas horas. O conjunto dessas horas é que vai formar o sempre e fazer de alguém o “amigo de todas as horas”. Não acredito que a única condição para ser amigo alguém seja estar ao seu lado sempre. Às vezes dá, outras não, mas a sintonia é a mesma. <br /><br />Há pessoas que são ótimas quando se quer ter uma visão do mercado de trabalho, do melhor investimento ou da melhor pós-graduação a fazer. Já quando se quer praticar um esporte, ir à academia e falar sobre os aminoácidos da moda (não bomba), há pessoas peritas no assunto a quem se deve recorrer.<br /><br />É geralmente nas sextas-feiras à tarde que nos lembramos daqueles amigos que conhecem todo o mundo e que, com certeza, podem nos apresentar alguém que passará a eternidade de sexta para sábado conosco. Ainda existem pessoas que, no seu ponto de vista, são totalmente diferentes de você, por isso você sempre se pergunta o motivo dessa amizade. Eu também não sei, porque não conheço você nem sua amizade. Nem tudo tem explicação.<br /><br />Além desses citados e de tantos outros, existem aquelas pessoas que não estão do seu lado para fazer nada específico, mas pelo simples prazer de sua companhia. Se pintar um papo-cabeça e transcendental, a pessoa está lá. Se o assunto for o mundo artístico, uma viagem, a nova capa da Playboy, o mais novo antigo engarrafamento da Avenida Brasil ou o último crime da Baixada, pode contar, você tem com quem conversar. Não importa o que se converse, o importante é que seja com você.<br /><br />Às vezes se consegue juntar todo mundo em um churrasco e fazer uma salada com a multiplicidade de contribuições que essas pessoas dão em nossas vidas, mas sempre rola aquele que não come carne ou que não gosta de música alta... Não importa, amigos são aqueles que estão conosco quando podem e que, mesmo longe, não nos tiram da cabeça, ainda que às vezes vacilemos e descuidemos da planta amizade. <br /><br />Parafraseando um antigo ditado, digo que, como Deus não pode estar pessoalmente em todos os lugares, Ele criou os amigos. Aos de perto ou de longe, aos que me conhecem bem ou só por foto ou telefone, meu carinho, meu reconhecimento e uma oração.Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-86381498466930429662010-05-21T13:13:00.002-03:002010-11-13T22:35:46.735-02:00A culpa não foi da Eva<p align=justify>Tenho refletido nesses últimos dias que a vida em sociedade se torna cada vez mais difícil à medida que o indivíduo se esquece de suas responsabilidades e as atribui ao outro. Desde o começo da humanidade, a história é a mesma. Lembremos do que ocorreu no Jardim do Éden: alguém recebeu uma responsabilidade, não a desempenhou como deveria e, quando foi cobrado, atribuiu culpa à pessoa mais próxima.<br /><br />Deus confiou a Adão, primeiro representante da obra-prima de Sua criação, a incumbência de crescer, frutificar e cuidar do jardim. Sobre tudo teria domínio, de tudo poderia comer, exceto do fruto da árvore que lhe daria conhecimento do bem e do mal. Além de todos os benefícios oferecidos, Adão ganhou uma companheira, Eva, para que não se sentisse muito só no Jardim das Delícias.<br /><br />Certo dia, no horário de costume, o Criador perguntou a Adão se ele tinha comido do fruto proibido. Adão respondeu conforme sua conveniência e disse: “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi”. Eva, por sua vez, disse que a serpente, a mais astuta de todos os animais terrestres, tinha-lhe oferecido o fruto, e ela comeu. Como a serpente não conseguiu se defender, passou a representar o mal. <br /><br />Comportamentos semelhantes ao descrito acima são encontrados a todo momento. Pessoas gostam de poder, benefícios, companhia, mas não gostam de assumir responsabilidades. Percebe-se que a insubordinação e o individualismo destroem relacionamentos sociais e profissionais, além das próprias pessoas em longo prazo. <br /><br />Atribuir a si próprio a responsabilidade de resolver problemas, achar soluções e auxiliar o próximo não é tarefa fácil, mas é uma maneira segura de resolver problemas que se arrastam na sociedade há anos. Nem sempre a culpa é do outro. E nesse engano seguem ideologias que atribuem ao carma a origem de insatisfações e desventuras. Muitas vezes somos os únicos responsáveis por insucessos, mas somos incapazes de admitir o fracasso.<br /><br />Levando-se em consideração que o homem é um ser dotado de raciocínio, apesar de saber que alguns não gostam de raciocinar, é comum que se questionem normas e regulamentos estabelecidos pela sociedade, porém a simples ignorância não tem o poder de alterar uma realidade estabelecida. Deve-se questionar tudo aquilo com que não se concorda, de forma lógica e convincente, buscando a melhor maneira de se adaptar ao sistema do qual se faz parte, a não ser que se queira viver sozinho na lua.<br /><br />Há uma máxima que diz que as regras existem para serem quebradas. Será isso adequado? Um pouco desse pensamento se deve à cultura do indivíduo, haja vista os exemplos de povos europeus ou asiáticos que se orgulham de cumprirem o que foi estabelecido para o benefício da coletividade. Nessas sociedades, o coletivo se sobrepõe ao pessoal e os interesses coletivos acabam conduzindo os interesses individuais. Não se está afirmando que esse modelo social seja ideal, mas se reconhece que essas sociedades têm apresentado melhores resultados socioeconômicos e melhores índices de satisfação ou qualidade de vida que outras. <br /><br />Quando alguém assume uma postura ativa na vida, especialmente na resolução de problemas, a tendência é que se pare de culpar o outro e se apresente uma saída para que ele ou ela não erre mais. Quando reconhecemos nossos erros, temos a oportunidade de transformar nosso comportamento e mudar o ambiente em que vivemos. Aprender com os erros, nossos e dos outros, é positivo no sentido de fazer com que a vida seja melhor. Devemos reconhecer nossos erros, cada um o seu, e ajudar naquilo que for possível. Lembrar que a culpa não foi da Eva faz de cada Adão um ser mais consciente.Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-736715262268600638.post-37264909021516846192010-03-09T13:05:00.005-03:002010-12-08T10:42:14.664-02:00D2sv4g1l^2s<p align=justify>F1z m53t4 t2mp4 q52 p2ns23 2m 5m1 m1n23r1 d3f2r2nt2 d2 2scr2v2r 5t3l3z1nd4 1 pr´4pr31 l´3ng51 p4rt5g52s1 c4m l3g23r1 1lt2r1ç~14. 23s q52 s5rg35 4 “d2sv4g1l^2s”, q52 ´2 4 pr´4pr34 p4rt5g5^2s s2m 1s v4g13s. N4 l5g1r d2l1s, c4l4c1m-s2 4s n´5m2r4s. C4m4 t2m4s c3nc4 gr1f2m1s q52 r2pr2s2nt1m 1s v4g13s, t2m4s 4s n´5m2r4s d2 5m 1 c3nc4 n1s p1l1vr1s d2st1 gr1f31 n4v1.<br /><br />C4m4 s23 q52 1 c5r34s3d1d2 h5m1n1 ´2 3nf3n3t1, cr234 q52 m53t1 g2nt2 t2nt1r´1 d2sc4br3r 4 q52 2st´1 2scr3t4 1q53. 2st1v1 2scr2v2nd4 c43s1s m53t4 s´2r31s 2 r2s4lv3 br3nc1r 5m p45c4. V4c^2 d2v2 t2r p2rc2b3d4 q52 n4 f5nd4 n~14 2st´1 2scr3t4 n1d1, m1s q52 ´2 l2g1l, ´2. C1s4 t2nh1 l3d4 t5d4, f1ç1 5m1 pr4p1g1nd1 d2st2 bl4g, v1l25?!Alfredus Petrushttp://www.blogger.com/profile/02507718643413730005noreply@blogger.com2