quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Autoconhecimento, amigos e livros

No dia 24 de junho de 1996, Deus resolveu chamar meu pai. Eu tinha quinze anos, estava terminando o antigo segundo grau e, por um momento, senti falta do chão debaixo dos meus pés. Talvez tenha esquecido, ainda que por um breve tempo, de que aquele mesmo Deus tudo pode. Deixarei os detalhes dessa perda para uma outra oportunidade, prefiro contar o que aconteceu depois dela. Lá vai. Compreendi que precisava ser forte por mim e por minha mãe. Não podia demonstrar abatimento para que o dela não ficasse maior. Continuei a vida de acordo com os ensinamentos paternos. Terminei o atual ensino médio e pensei o que fazer. Naquela altura, não fazia a menor idéia.

Certo dia, recebi um folheto na rua. Naquele papel havia a propaganda de um curso preparatório para concursos militares. Imediatamente, pensei que esse caminho seria uma boa idéia. Caso fosse aprovado na prova, teria formação profissional, estabilidade e salário razoável, ou seja, um sonho para alguém com quinze anos. Esse curso preparatório ficava no Centro do Rio de Janeiro, a mensalidade era acessível, porém não me adaptei à metodologia empregada. Resolvi sair e estudar por conta própria. Em pouco tempo percebi a dificuldade e a necessidade de disciplina para estudar em casa. Não gostei do curso barato, também não poderia pagar um caro. Que surpresa o futuro me reservou...

Além do emprego que minha mãe já tinha há uns sete anos, ela arrumou um segundo. Ela era enfermeira do Sr. Duval de Moraes e Barros, que, por causa da idade avançada, precisava de cuidados especiais. Era outubro de 96, um domingo de manhã, dia de eleições municipais. O plantão de minha mãe era noturno e às sete da manhã, horário em que ela sairia, cheguei ao prédio no qual ela trabalhava para acompanhá-la até sua seção eleitoral.

Uma das filhas do seu Duval, Lucinha, disse para minha mãe que eu subisse, pois gostaria de me conhecer. Cheguei, apresentei-me, tomamos café e começamos a conversar. Perguntou-me se eu estudava, disse-lhe que terminara o segundo grau e que gostaria de continuar estudando. Perguntou-me o quê? Não tinha muita convicção, mas disse-lhe que ainda não queria entrar para a faculdade. Gostaria de fazer prova para o Exército ou para a Aeronáutica.

Para minha surpresa, Lucinha disse-me que seu pai era general, seu tio almirante e um irmão, capitão. Caso me interessasse pela vida militar, estava no lugar certo. Imediatamente, ligou para Brasília e perguntou para seu irmão qual seria o melhor curso preparatório em sua opinião. Ele disse que era o Tamandaré e lá estava eu com uma bolsa de estudos nas mãos.

Fui matriculado no colégio-curso Tamandaré, Rua Evaristo da Veiga, na turma da manhã. Percebi que teria dificuldades para sair de Caxias e chegar ao Centro do Rio às oito da manhã – na época, morava em Duque de Caxias. Disse isso para Lucinha e para Maria Helena, a outra filha do general. Prontamente, disseram-me que poderia ficar no apartamento delas enquanto estudasse. Do apartamento à escola, havia uma distância de cinco estações do metrô. Elas moravam em Botafogo, o curso ficava na Cinelândia.

Essas duas irmãs de coração generoso – que Deus as retribua – deram-me bolsa de estudos de dois anos, material didático, moradia, alimentação e transporte. Dessa forma vi a solução de vários problemas ao mesmo tempo. Ocuparia meu tempo estudando, ficaria mais tempo perto de minha mãe, morando no trabalho dela e começaria a traçar meu futuro.

Estudei por um ano, fiz a prova e não passei. Na verdade, com aquela idade, não fazia idéia do grau de dificuldade, achava que seria moleza. Não sei se foi por culpa da reprovação ou da confusão de minha cabeça, mas resolvi parar de estudar no Tamandaré. Talvez tenha sido a primeira decisão importante de minha vida, independentemente de ter sido correta ou não. Quando informei às minhas “madrinhas” sobre a decisão, percebi que ficaram um pouco chocadas. Elas me compreenderam e me deram um cheque com o valor das dez mensalidades que faltavam para que a bolsa de dois anos terminasse, conforme prometeram. Usei o dinheiro em outros cursos, como de informática e de inglês.

Afinal, o que havia dado errado? Até hoje não sei, mas tenho certeza de que cada esforço, meu e delas, valeu a pena. Naquela fase, apaixonei-me realmente pelos estudos e toquei minha vida. Continuei a estudar e, alguns anos depois, em 2003, fui aprovado no vestibular da UERJ. Primeira tentativa e fui aprovado. Hoje, não consigo afastar-me dos livros, dos conhecimentos gerais, dos museus e das pesquisas pela internet.

Que eu descubra em mim a força de que preciso para estudar sempre. Preciso estudar meu minhas forças, potencialidades e fraquezas. Preciso de disciplina para os estudos acadêmicos dos quais não pretendo afastar-me. Que venha o futuro, acompanhado de autoconhecimento, amigos e livros. Por enquanto, é só.

Nenhum comentário: