segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quando será a hora de descer?

Estou começando a acreditar que minha memória não é tão ruim quanto pensava. Acabo de lembrar de um passeio que fiz com meus pais a Petrópolis. Long, long time ago. Foi um dia muito agradável, em que visitamos o Museu Imperial, o Palácio de Cristal e a Encantada, a Casa de Santos Dumont. Dizem que naquela cidade sempre faz frio, mas naquele dia a temperatura estava amena.

Na volta, entramos em um ônibus da extinta empresa Luxor, que iria pela dita estrada velha e não pela Rodovia Washington Luis. Nessa época os passageiros entravam pela porta de trás e o cobrador também ficava lá atrás do veículo. A porta se abria, o passageiro subia a escada e logo encontrava a roleta.

Pois bem, a viagem estava tranquila, até que dois passageiros fizeram sinal e entraram no ônibus. O primeiro deles passou a roleta, pagou a passagem e sentou-se. O outro não passou, ficou em pé na escada, entre a porta e a roleta.

Essa era uma atitude que logo chamava a atenção dos passageiros. Logo pensávamos que a pessoa não tinha o dinheiro da passagem, por isso estava esperando a melhor oportunidade para pedir ao cobrador para pular a roleta ou descer pela porta de trás. Ou..., na pior das hipóteses, poderia ser uma tentativa de assalto.

O milésimo sentido feminino fez com que minha mãe começasse a acompanhar os movimentos do passageiro suspeito, prestando atenção em cada detalhe. O que mais chamou sua atenção foi o fato de o homem estar com uma jaqueta pesada e fechada, apesar de o dia não estar tão frio e de já termos nos afastado consideravelmente de Petrópolis.

Como se não bastasse a desconfiança, eis que o motorista dá uma freada relativamente brusca, obrigando os passageiros a se segurarem, inclusive o não-pagante antes da roleta. Para isso, ele teve que esticar o braço e, sem querer, acabou deixando à mostra o que tanto queria esconder: uma pistola.

Além de não ter passado a roleta, não ter pagado a passagem, estar com um agasalho mais pesado que os demais e com uma pistola na cintura, o homem conversava em códigos com o amigo que estava sentado:

– Quando chegar o ponto, não esquece de mim. Me avisa a hora!
– Pode deixar que te dou um toque.

A essa altura, não era mais desconfiança, era quase certeza, o ônibus corria o risco de ser assaltado a qualquer momento.

Discretamente, minha mãe cochichou com meu pai:

– Alfredo, disfarça e coloca a carteira embaixo do banco. Este ônibus vai ser assaltado.

Provavelmente ele não ouviu nada do que foi dito antes em relação ao “disfarça”, logo ele que sempre falou em tom baixo. Para raiva de minha mãe, ele diz em plenos pulmões:

– É o quê?! O meu ninguém leva!
– Fala baixo, meu marido...

É claro que isso fez com que os supostos ladrões percebessem que algumas pessoas estavam desconfiando da atitude deles. Por isso, tentaram disfarçar e pararam de conversar, como se isso fosse fazer com que esquecêssemos a desconfiança.

Meu pai finalmente resolveu dar ouvidos à minha mãe. Disfarçou e colocou a carteira embaixo do banco. Nós estávamos sentados no último banco (era o único em que os três poderiam sentar juntos), por isso, hoje em dia, acredito que os suspeitos nem tenham visto a movimentação.

Minha mania de observar tudo que está ao meu redor já existia naquela época, mas não tinha desconfiado dos caras. Quando vi meu pai soltando sorrateiramente a carteira sob o banco, achei tudo muito estranho e soltei o verbo:

– Pai, sua carteira está debaixo do banco!

Minha mãe me olhou com olhar de reprovação. Ainda bem que ela não tinha veneno nos olhos, senão eu não escreveria esta história. Não entendi o olhar de censura. Sempre ouvi que a família deveria ser unida, que um deveria se preocupar com os problemas dos outros e tentar resolvê-los, etc. Não ficaria com a consciência tranquila se chegássemos a casa e meu pai descobrisse que tinha perdido sua carteira. Por achar que não tinha sido compreendido, enfatizei:

– Pai, depois não vai dizer que não presto atenção em nada. Sua carteira está debaixo do banco e você não viu...

Mais que depressa minha mãe interveio:

– FICA QUIETO, NÃO ESTÁ VENDO QUE O ÔNIBUS VAI SER ASSALTADO?!

Arregalei os olhos e fiquei surpreso. Os outros passageiros fizeram o mesmo e começaram a se perguntar:

– O ônibus vai ser assaltado?!
– Quem vai assaltar o ônibus?
– Tem ladrão aqui???

Os caras não sabiam onde enfiar a cara. Tinha chegado a hora de anunciar o assalto ou desistir de vez e fingir que essa nunca tinha sido a intenção deles.

Começou um tumulto dentro da condução, e o suspeito que estava sentado se levantou. Quando ele olhou para o colega, viu lá fora uma joaninha com dois policiais. Naquela época o Fusca era um dos carros utilizados pela Polícia Militar. Este era a joaninha. Não parecia que os PMs estivessem à procura destes caras especificamente, mas a presença deles amedrontou os passageiros suspeitos.

Assim que teve oportunidade, o suspeito que pagou a passagem puxou a cigarra e desceu. O cobrador, por medo de que algo acontecesse, pediu que o motorista abrisse a porta de trás. Com isso, o segundo suspeito desceu e saiu correndo ao encontro de seu amigo.

Os demais passageiros se sentiram aliviados e começaram a trocar impressões sobre o ocorrido. Meus pais finalmente me explicaram o que tinha acontecido e o porquê de colocar a carteira sob o banco.

No final desse dia aprendi algumas coisas:
Primeiro: Devo desconfiar de pessoas com roupas pesadas e fechadas em dias de calor;
Segundo: Devo estar atento ao que acontece no ambiente e entender as sutilezas da linguagem não-verbal; e
Terceiro: Não devo contar com ninguém para saber a hora de descer. O passageiro suspeito não avisou seu amigo...

sábado, 13 de novembro de 2010

A retórica em "O Alienista", de Machado de Assis

1. INTRODUÇÃO

Desde a Antiguidade, acreditava-se que a argumentação bem fundamentada tem o poder de fazer com que o indivíduo que a domina tenha êxito em seus intentos. Além de conseguir o que deseja, caso consiga convencer o próximo, o indivíduo que domina a arte da retórica dificilmente será ludibriado por falácias e palavras vãs. Em suma, o discurso persuasivo pode manipular pessoas, mas também pode ser um importante instrumento de comunicação. Nesse período histórico, criaram-se tradições de estudo a respeito de técnicas retóricas.

Cícero afirmava que existiam três modos de persuadir, a conhecida Tria Officia, que consistia em convencer, por meio da lógica; comover, por meio da emoção; e agradar, por meio da estética. Antes do citado senador romano, os sofistas, mestres gregos itinerantes, se notabilizaram pelo ensino da oratória persuasiva. Por esse motivo, foram duramente criticados por Platão, que via neles falta de compromisso com a ética, verdade ou justiça em troca do dinheiro.

Entretanto, estudos arqueológicos e filosóficos demonstram que Platão menosprezou a preciosidade técnica da persuasão. Por sua vez, Aristóteles, seu discípulo, sistematizou em sua Arte Retórica fatores com os quais se deveria influenciar o público, a saber: o êthos, que diz respeito ao caráter e à credibilidade do orador; o páthos, relacionado aos apelos da emoção; e o lógos, pertinente à construção do argumento com base na razão e na lógica.

Um argumento consistente deve ser bem fundamentado, apresentar provas, se não verdadeiras, ao menos convincentes. Para que seja consistente, devem-se levar em conta os interlocutores. Caso contrário, o locutor pode ser rejeitado pela plateia, se tentar impor sua opinião. Por isso é importante conduzir o público gradativamente, por meio da lógica, até que se alcance o entendimento comum.

Espera-se definir minimamente os conceitos relacionados à retórica e analisar como ela se aplica em O Alienista, protagonizado por Simão Bacamarte, do qual se analisará, basicamente, o êthos, o páthos e o lógos. Considerando a brevidade deste trabalho, apenas o primeiro capítulo do conto será utilizado para a seleção exemplos.


2. O QUE É RETÓRICA?

Retórica – parte do trivium ensinado em faculdades da Idade Média, que consistia em gramática, dialética e retórica – é a arte ou técnica de convencimento por meio da oratória e outros meios de comunicação, inclusive, não-verbais, que se instalou na cultura grega como disciplina essencial e depois na romana (REBOUL, 2004, p. 71).

Dessa forma, a oratória é um dos campos de atuação da retórica, visto que ela também pode manifestar-se por meio das artes plásticas, da música, etc. A retórica tenta fazer com que o interlocutor se convença de que o emissor está certo, por meio de seu próprio raciocínio. Assim, o objetivo da retórica é dar ferramentas ao interlocutor para que este consiga julgar se o que foi dito é verdade ou não.

Considerando tratar-se de uma técnica, há comportamentos que devem ser observados: a identificação do público, inclusive de seus valores, comportamentos e anseios; a formulação de uma tese que delimite os resultados desejados; a utilização de linguagem clara, que se identifique com a plateia; a seleção de argumentos baseados na lógica que reforcem e sejam coerentes com a tese a ser defendida; a conscientização de que, para o sucesso de uma argumentação, há importantes fatores extralinguísticos que se devem considerar, como escolha de roupas adequadas, ilustrações, impostação da voz e tudo aquilo que for útil para atrair a atenção do público (REBOUL, op. cit., pp. 195 e 246).

Apesar de se conhecerem as técnicas da retórica, a eloquência – capacidade de falar e expressar-se com desenvoltura – segundo Cícero, não tem a ver com receitas:

[...] se ela é autêntica, ocorre naturalmente no orador, desde que ele seja dotado, experiente e culto, ou seja, instruído em todas as áreas essenciais: direito, filosofia, história, ciências. As receitas retóricas, os “truques” para se impor são ineficazes (REBOUL, op. cit., p. 72).

Assim, a autenticidade do orador, associada às técnicas retóricas podem atingir melhores resultados em um discurso. A seguir, será vista uma breve apresentação do conto O Alienista, seguida de breve análise do comportamento de Simão Bacamarte, o protagonista, no desenrolar da história.


2.1 O Alienista

O Alienista é um conto representativo da produção realista de Machado de Assis, especialmente no que se refere à crítica social e à análise psicológica. A sátira que se emprega nessa obra mistura, confunde e desfaz os limites entre razão e loucura. Nela se vê a personalidade dos indivíduos influenciada por fatores sociais e a sociedade influenciada por fatores psicológicos. Dessa forma, nota-se que Itaguaí, cidade em que a história acontece, e seus moradores representam toda a civilização. Em seguida, será feita uma apresentação concisa do protagonista dessa trama.

2.2 Simão Bacamarte

Simão Bacamarte, médico diplomado em Portugal, escolheu Itaguaí, no Rio de Janeiro, para criar um hospício e estudar a fronteira entre razão e loucura. Analisava a saúde psicológica dos moradores de sua cidade e o grau de influência dela nas relações sociais. Suas análises tinham metodologia científica próprias dele, o qual muitas vezes mudou seus critérios de avaliação.

Apesar disso, ele tinha o apoio estatal para tudo o que fazia e ganhou um auxílio da Câmara de Vereadores por cada internação durante muito tempo. As primeiras indicações de internação foram apoiadas pela sociedade itaguaiense, visto que eram pessoas consideradas loucas por todos. Porém, como o passar do tempo, a população começou a questionar as decisões de Simão Bacamarte, que passou a ser visto como um déspota traiçoeiro que lucrava com o aumento do número de internações. Com o tempo, essa ideia foi descartada, pois o médico abriu mão do valor que recebia por cada louco internado.

Depois de inúmeras teorias, após ver 75% dos moradores aprisionados em seu hospício, o médico mudou mais uma vez seus critérios. Mandou soltá-los e considerou loucos apenas aqueles que mantiveram sua personalidade reta ao longo do tempo. Ao ver que este seu último critério era falho e que ele próprio era o único que se manteve “íntegro” até o fim, soltou todos os loucos da Casa Verde e encerrou-se lá até seu último dia.

2.2.1 Êthos

Em relação ao caráter e à credibilidade de Simão Bacamarte, pode-se dizer que era o maior médico do Brasil, de Portugal e das Espanhas, bem formado, reconhecido pelos conterrâneos itaguaienses e, inclusive, pelo rei de Portugal, que tentou convencê-lo a ficar lá, cuidando dos interesses da monarquia. Para ele, a ciência estava acima dos bens materiais ou dos prazeres. “A Ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo” (ASSIS, 2004, p.11). A integridade do médico e seu visível compromisso com a Ciência garantiram, no começo da história, a adesão da população e dos vereadores à criação da Casa Verde, a casa de loucos.

2.2.2 Páthos

Apesar da competência e da confiança que despertava nos cidadãos de Itaguaí, em alguns momentos, usava de sua astúcia para justificar suas decisões, com atitudes que mexiam com a emoção dos ouvintes. Certa vez, para ocultar sua predileção por textos árabes e evitar o choque de ideias com os princípios religiosos do padre Lopes, atribuiu uma inscrição do Alcorão, gravada na fachada de seu hospício, a Benedito VIII. O padre, por desconhecimento, falsa erudição ou fé em demasia, contou histórias sobre a vida daquele eminente pontífice e não percebeu a pia fraude (ASSIS, op. cit., p. 14). A saída encontrada por Bacamarte mexeu com a emoção do padre, visto que este dificilmente seria contra uma citação de um papa.

2.2.3 Lógos

A razão e a lógica permeavam o discurso do médico e o afastavam do sentimentalismo. A escolha de sua esposa, por exemplo, obedeceu a critérios lógicos baseados na ciência e não na afetividade. “[...] Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista [...]” (ASSIS, op. cit., pp. 11,12). Considerando que sua intenção era perpetuar a dinastia dos Bacamartes, aquela seria a mulher ideal para dar-lhe filhos.

Além disso, como os loucos de Itaguaí não recebiam tratamento adequado e a Câmara de Vereadores não fazia nada para ajudá-los, Bacamarte viu a oportunidade de que precisava. Pediu à Câmara para abrigar e tratar no prédio que construiria todos os loucos de sua cidade e das vizinhanças, mediante um valor que a Câmara lhe daria, caso a família não pudesse fazer.

Dali foi à Câmara, onde os vereadores debatiam a proposta, e defendeu-a com tanta eloquência, que a maioria resolveu autorizá-lo ao que pedira, votando ao mesmo tempo um imposto destinado a subsidiar o tratamento, alojamento e mantimento dos doidos pobres (ASSIS, op. cit., p. 13).

Os argumentos apresentados pelo médico foram ao encontro das necessidades dos cidadãos. Baseado na razão e na lógica, conseguiu apoio estatal para a construção daquela que seria seu laboratório pessoal para o estudo da lucidez e da loucura, a Casa Verde.

3. CONCLUSÃO

A retórica vem sendo desenvolvida, ensinada e aprendida ao longo dos anos em diversos ambientes, com diversas finalidades. Entretanto, sempre relacionada à tentativa de convencer o leitor ou ouvinte de algo que beneficie os interesses do orador ou da coletividade.

Atualmente a retórica não é mais tão associada à produção de discursos, mas à interpretação deles, associando-se, assim, à gramática dos antigos. O ensino das técnicas para se fazer um discurso tem sido identificado com a formação literária e filosófica, deixando de ser vista como retórica. Ela não se limita mais aos três gêneros oratórios da Antiguidade, mas anexa discursos persuasivos modernos, criando, dessa forma, retóricas específicas, como a cinematográfica, a musical e a publicitária, dentre outras (REBOUL, op. cit., p. 82).

É importante observar que, apesar do uso indiscriminado dos dois termos, convencer e persuadir têm sentidos próximos, mas não iguais. O primeiro envolve o público com argumentos lógicos, por meio da indução e da dedução; o segundo, apela para a emoção da plateia quando seleciona e apresenta argumentos.

Simão Bacamarte soube utilizar elementos da retórica para concluir seu plano de construir um hospício e estudar a loucura em sua cidade. Provavelmente, sua cultura trazida da Europa o ajudou na tarefa de persuadir e convencer toda a cidade de que suas ideias faziam algum sentido, pelo menos no começo. A boa argumentação do médico fui um dos materiais que construíram a Casa Verde.

Este trabalho não esgota os temas relacionados à retórica, tampouco dá conta de toda a subjetividade do conto analisado. Entretanto, espera-se que tenham sido minimamente apresentados ao leitor e exemplificados com textos retirados de O Alienista, uma das obras machadianas que, apesar de publicada há mais de 120 anos, continua despertando o interesse dos leitores, levando-os à reflexão sobre o que seria loucura.


4. BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Machado de. O Alienista. São Paulo: Martin Claret, 2004.

DICIONÁRIO Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.

ESTEVÃO, Roberto da Freiria. Retórica e Direito : A importância jusfilosófica da argumentação retórica. 2007. 219 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário Eurípedes de Marília, Marília, SP, 2007. Disponível em: http://www.fundanet.br/servico/aplicativos/mestrado_dir/dissertacoes/Ret%C3%B3rica_e_direito_-_a_import%C3%A2ncia_jusfilos%C3%B3fica_da_argume_1103_pt.pdf. Acesso em: 29 out. 2010.

GUERREIRO, Carmen. A atração pelo argumento. Revista Língua Portuguesa. Edição 60. São Paulo: Editora Segmento, 2010. Disponível em: Acesso em: 25 out. 2010.

LIMA, Luiz Costa. O palimpsesto de Itaguaí. In: Pensando nos trópicos. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.

REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. Tradução de Ivone Castilho. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2004.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Do apiedar-se

Apiedei-me de vós quando pensastes que estaríeis mais seguros se vos cercásseis de confederados. Vosso pelotão foi preparado para guerrear contra qualquer um que se pusesse à frente. E para isso não poupastes ninguém. Mentiras foram implantadas, mentes foram convencidas. Transformastes o bem em mal e carreiras foram destruídas.

Se quisésseis que os antigos combatentes mudassem as estratégias aplicadas, simplesmente os teríeis orientado melhor. Mas vosso objetivo era outro. Ampliar vossa área de atuação e conquistar outros territórios foi vossa meta. Destes ordem e um rolo compressor passou por cima dos que foram indiferentes a vosso ineficaz comando. Para cada baixa, uma substituição a vosso bel-prazer.

Convocastes soldados que estivessem dispostos a acatar vosso controle e participar de cada batalha vossa. O tempo se passou e os novos combatentes não mostram a que vieram, tampouco tivestes competência para guiá-los pelo melhor caminho. O desinteresse pela vossa causa surpreendeu-vos, mas isso não é incomum. A vida costuma surpreender os distraídos.

A expressão de humanidade que há em vós se configura pela sucessão de estratégias equivocadas que criais. Em nada causais inveja aos que têm uma visão ampla e colocam em prática as táticas que o supremo comandante ensinou. Apiedo-me de vós, que fazeis questão de caminhar sem saber que caminhais em círculos. E a guerra continua...

sábado, 30 de outubro de 2010

Breve reflexão sobre a Ética do Discurso

A ética do discurso surgiu no final dos anos 1960, apresentando a ideia de que a linguagem é a base das normas morais. A verdade, portanto, deixaria de ser a relação entre o mundo real e o que é dito e passaria a ser vista como algo consensual.

Dessa forma, um predicado passa a ser adequado ao sujeito se todos os envolvidos no discurso assim o quiserem, abrindo espaço para exceções, desde que racionalmente justificadas. Insere-se aqui a necessidade de coerência em um conjunto de crenças para que algo seja considerado verdadeiro.

O conceito de ética depende da sociedade em que se viva. Visto isto, basear a ética em conceitos puramente políticos, econômicos ou religiosos tende ao insucesso, pois o que é positivo e esperado em um grupo pode não ser em outro.

A linguagem, de certa forma, faz o homem, por isso o discurso em si é o que iguala as diversas sociedades “criadas” por diferentes linguagens, podendo criar juízos universais.

Entretanto, nem sempre se quer alcançar a verdade por meio da linguagem, pelo contrário, há momentos em que esta é usada para ocultar ou manipular aquela. Haja vista as técnicas de oratória, aprendidas e ensinadas há tantos séculos, em que o orador aprende a conquistar e prender a atenção da plateia, ainda que para isso precise mentir ou deformar a verdade.

Partindo do pressuposto de que tudo o que é dito tem alguma relação com alguma ação, nota-se que quando um réu ou seu advogado mentem diante de um juiz, o uso estratégico de sua linguagem visa à absolvição, mas também pode resultar em condenação, caso se percebam inconsistências.

Nesse tipo de situação, a linguagem não tem compromisso, necessariamente, com a verdade, mas com o convencimento dos ouvintes e com a verossimilhança. Por ser possível, algo pode ser tomado como verdade, quando um corpo de jurados inocenta alguém, por exemplo.

Conhecer estratégias textuais da língua e aplicá-las às necessidades específicas de situações do cotidiano é fundamental para que se consiga convencer o ouvinte ou leitor, tendo um discurso ético como base.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Dicionário, de Machado de Assis

Machado de Assis, conhecido por sua ironia e pela sutileza de suas críticas à sociedade de seu tempo, ao escrever o conto O Dicionário, deixou-nos uma obra que, apesar de publicada no final do século XIX, mostra-se bem atual. À semelhança de O Alienista, outra obra representativa do Realismo, o protagonista é um homem que acredita poder mudar o rumo da sociedade em que vive baseado na subjetividade de seus próprios valores.

O narrador onisciente de O Dicionário, em terceira pessoa, inicia sua história com a locução “Era uma vez”, comum em narrativas curtas de tradições orais. Nas primeiras linhas apresenta características psicológicas e físicas de Bernardino, o personagem principal. Nomes próprios que caracterizam a personalidade de indivíduos são comuns nas obras do “Bruxo do Cosme Velho” e nesse caso não foi diferente.

Bernardo, adjetivo relativo à ordem de Cister criada por Bernardo de Clairvaux, por extensão de sentido e em uso pejorativo, significa indivíduo gordo e estúpido. Ao longo da narração podem-se encontrar vários exemplos da estupidez de Bernardino, o pequeno estúpido que, com a progressiva perda de senso, autodenomina-se Bernardão.

De origem simples, Bernardino era um fabricante de tonéis e barris, com ares de politizado, que almejava ver o poder nas mãos do povo. Após tomar o poder à força, percebeu não ser possível que a multidão se sentasse em um único trono e, por confundir-se com o próprio povo, sentou-se no assento real e proclamou-se soberano. A partir daí, uma série de atos e decretos que só faziam sentido para o demagogo ex-tanoerio começaram a mudar a rotina dos habitantes desse lugar que em nenhum momento é mencionado pelo narrador.

O primeiro de seus atos foi voltar-se contra seus confrades, dando fim à profissão dos tanoeiros, aos quais concedeu o título de Magníficos. Rapidamente aprendeu que um governante possui meios de comprar o silêncio dos governados. O segundo ato foi trocar seu nome, em que há sufixo indicativo de diminutivo por Bernardão. Embora usasse palavrório rebuscado, sua falsa erudição não o deixou perceber que adequara seu nome ao volume de sandices que estava por fazer.

Curiosamente, após assumir o comando de seu povo, o personagem encomenda aos sábios uma rebuscada genealogia que o associa à descendência de um suposto famoso general romano do século IV, Bernardus Tanoarius. Queria que a lembrança de sua origem humilde fosse apagada da memória dos súditos, por isso a associação a um antepassado com nome latino, que costuma dar nobreza àquele que o ostenta.

O terceiro ato foi obrigar que seus subservientes se tornassem calvos, para assumir a aparência dele, sob pretexto de que a unidade moral do Estado exigia a uniformidade exterior de seus concidadãos. Durante a descrição dessa passagem, Machado utiliza uma metáfora que representa a juventude: verdes anos. O quarto ato, igualmente sábio — e aí se nota mais uma ironia machadiana — estabeleceu que todos os sapatos do pé esquerdo deveriam apresentar um buraco na altura do dedo mínimo, dessa forma se assemelhariam aos do insano reinante que padecia de calosidade.

Depois de dois anos no trono, Bernardão precisou usar óculos para corrigir um problema de vista. Nessa ocasião, seus dois ministros, Alfa e Ômega, assemelharam-no a Homero ou a Aníbal, e então foi despertada a vocação poética do monarca.

Seus conselheiros eram bajuladores, por isso relacionaram a deficiência ocular dele a uma suposta semelhança com Aníbal, general cartaginês conhecido por ser um dos maiores táticos militares da história, ou Homero, poeta épico grego, autor da Ilíada e da Odisseia. Aqueles aduladores eram peritos em iludir, a ponto de criarem um novo pronome de tratamento, Vossa Sublimidade, e atribuí-lo a seu chefe.

Os nomes dos assessores representam as vogais inicial e final do alfabeto grego, dessa forma sentiam-se competentes para qualquer questão linguística. Isso sugere que as brilhantes ideias começavam com Alfa e terminavam com Ômega antes de o regente colocá-las em prática. Eis aí uma amostra de hierarquização do poder na sociedade. Mesmo entre servos, há os de maior e os de menor prestígio.

Tendo o controle da cidade em mãos, na tentativa de perpetuar sua dinastia, Bernardão quis casar-se. Não obstante muitas moças terem se candidatado, Estrelada, a desejada dos homens da cidade, foi a que mais chamou a atenção do casadouro real. Mesmo sendo de origem popular, ele se sentiu atraído por uma jovem de características nobres e gosto apurado, fiel à antiga dinastia deposta e com nome afinado com seu estilo de vida.

O rei inexperiente, por entender que tinha certa desvantagem em relação à amada, ofereceu-lhe muitas riquezas e, para sua sorte, contava com o apoio dos familiares dela, que viam nele oportunidade de riqueza e poder.

Como tinha em mente um poeta para noivo, Estrelada sugeriu que seus pretendentes competissem na composição de um madrigal — poesia concisa que exprime pensamento fino, terno ou galante e que, em geral, se destina a ser musicada, nascida na Itália, no século XIV. O preferido da mulher, por sua experiência poética, venceu todas as etapas do concurso, anulado várias vezes por decreto, segundo os critérios do déspota.

Após esses acontecimentos o título do conto começa a fazer sentido, visto que, para dificultar a produção do madrigal por seus concorrentes, Bernardão mandou que Alfa e Ômega produzissem o Dicionário de Babel, no qual havia completa confusão das letras e distanciamento da língua falada. Apenas seus criadores seriam capazes de compreendê-lo, mas foi decretado que ele seria a base da língua oficial e dos madrigais. Ainda assim, após nova competição, o verdadeiro amado de Estrelada venceu novamente.

Em meio à melancolia, Bernardão leu alguns versos do poema satírico “Sobre a Imitação dos Antigos”, do poeta português Pedro António Correia Garção. Nesse ponto o leitor tem um exemplo de intertextualidade, tanto de O Dicionário com Sobre a Imitação dos Antigos, como desta obra com A Poética, de Aristóteles. Com maestria Machado ignora tempo e espaço e aproxima sua obra de Garção e de Aristóteles, estabelecendo diálogo entre as artes literária e plástica.

Existe alguma semelhança entre o protagonista de O Dicionário e Simão Bacamarte, personagem principal de O Alienista. O primeiro, um homem simples que conquista o poder, mostra não ser digno dele por causa da inconstância e da incoerência de seus atos. O segundo muda constantemente sua opinião sobre o que seria loucura e o tratamento mais adequado para cada caso. Na medida em que analisava suas teorias, alterava o tratamento empregado aos pacientes. Chegou ao ponto de, após conquistar a confiança de seu povo, colocar a maior parte da cidade no hospício que criou, considerando que seus critérios para a loucura tornaram-se muito amplos.

Aos apreciadores dos textos machadianos, acostumados com sua ironia e críticas, vale a pena ler e relembrar seu estilo peculiar. Para quem ainda não leu algo escrito pelo fundador da Academia Brasileira de Letras, essa pode ser a oportunidade de começar a se familiarizar com sua obra.

Em O Dicionário, o leitor encontrará uma crítica de Machado à insensatez de governantes, à hierarquização da sociedade, à subordinação descabida, às disputas amorosas entre outras. Este é um conto de poucos parágrafos, rico em detalhes e ainda atual, apesar de seus mais de cem anos. Pode ser lido em poucos minutos por pessoas que se interessem por temas relacionados ao comportamento humano em sociedade.

É uma leitura simples — com exceção de algumas palavras que caíram em desuso, para as quais se recomenda um dicionário — que, com certa valorização da cultura clássica, pode levar o leitor a momentos de reflexão sobre temas que sempre farão parte da sociedade, sobre os quais dificilmente seremos unânimes.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Por uma amizade bem temperada

No dia 19 de julho, véspera do dia do amigo, fui ao bar Arco-Íris da Lapa, com um grupo de amigos. Naquela segunda-feira, nosso objetivo não era comemorar o dia do amigo, não nos lembrávamos disso, mas descontrair, jogar conversa fora. Os fins de semana costumam ser muito corridos e nem sempre há como fazer tudo o que se pretende. Perceba que “leves bebericagens acompanhadas de boa conversa e petiscos razoáveis são permitidos durante a semana também” (Alfredus Petrus, In: Porções de Pensamento).

Dentre os vários bares na região da Lapa, demos preferência ao Arco-Íris, um “pé-sujo” na Avenida Mem de Sá onde pessoas de todas as tribos se encontram antes de qualquer evento, desde os anos 60 do século passado. O que mais me chamou a atenção na descrição que me fizeram do bar foi a história do “pé-sujo”. Com isso, fiz uma associação à idéia de bom preço e concordei com a sugestão.

Parados na porta, avistamos uma mesa estratégica, no canto e de frente para a televisão. É claro que temos TV em casa, mas enquanto o papo não engrena ou entre um e outro, não custa dar uma espiada. De cara pedi uma malzbier, ao que o garçom respondeu que tinha acabado desde a tardinha. Por ser levemente adocicada e possuir baixo teor alcoólico, há quem diga que malzbier é cerveja de mulher. Como eu mesmo pago quando peço uma e desconheço de quem seja a fábrica, para mim é de homem!

Todos sabem que não se bebe de barriga vazia, então pedimos o cardápio. A primeira coisa que nos veio à mente foi batata frita, que é sempre uma boa pedida. Abriu-se o cardápio e percebemos que tínhamos três opções: batata frita, batata frita Arco-Íris e batata frita Arco-Íris especial. A primeira é uma porção simples; a segunda vem temperada com alho; a terceira é igual à segunda, acrescida de linguiça calabresa frita e queijo derretido. Ou seja, a melhor delas. Quanto mais coisas para “entulhar” o prato, melhor para a clientela. E foi esse o pedido feito.

A bandeja veio que veio, transbordando e fumegando, exalando o cheiro de calabresa e queijo. Dá água na boca só de lembrar. O garçom deixou o pedido e prometeu voltar com guardanapos, azeite, sal e palitos. Aproveitei para pedir pimenta, que, a propósito, só não combina com pudim de leite.

O rapaz voltou com a pimenta e ficou parado ao lado da mesa, como se esperasse que terminássemos de usar logo. Olhei para ele e fingi que não estava entendendo, pretendia ficar com o vidro enquanto durassem as batatas. Então ele deu um sorriso amarelo e disse que precisava daquela pimenta para servir as outras mesas também. Aquele era o último vidro da casa...

A essa altura meu humor já havia mudado. Será que o gerente não ficara sabendo da falta da cerveja e da pimenta, ou pior, que na opinião dele ninguém pediria isso até o fim do expediente??? Deixa pra lá. Eu não era o administrador, nem o vendedor, nem o promotor, tampouco o advogado da mesa, era o professor. Por isso, disse ao garçom algo que, na minha opinião, não era do conhecimento do gerente e lhe seria útil para sua atividade profissional: “O supermercado Mundial fecha às 22:00h. Diga ao gerente, como ele não toma conta de nada mesmo, que vá comprar a pimenta e a malzbier, porque, se eu for, compro e consumo os produtos na minha casa. Com isso o restaurante perde clientes e pode até fechar...”

Ainda bem que estava cercado de amigos. A turma do “deixa-disso” sempre engata em um novo assunto e a gente esquece o ocorrido. Há coisas com as quais não adianta se estressar. Devemos levar tudo no bom humor se quisermos viver bastante. Afinal, o prato principal era a batata. Na verdade eu já estava envenenado pela falta da malzbier, foi isso.

Longe de mim fazer propaganda, positiva ou negativa, do dito estabelecimento. Depois disso posso até ter sido muito bem tratado, mas as experiências ruins acabam apagando as boas. Meu objetivo é apenas retratar o ambiente que serve de pano de fundo para a exposição das reflexões que aqui serão relatadas. Chega de explicações, vou ao ponto. A conversa fiada entre amigos está só começando.

É impossível parar em um bar com todas as mesas ocupadas e não ouvir nada do que está sendo dito em alguma outra mesa. Conforme o tempo vai passando, o teor etílico vai subindo. Com isso as pessoas ouvem um pouco menos e as outras pessoas precisam elevar o tom de voz. É isso ou quase. Talvez seja esta a fórmula que dá vida a um bar: álcool + comida + amigos que conversam sobre as coisas comuns ou nem tanto + tempo que passa (não necessariamente nessa mesma ordem).

Em meio a conversas nossas e alheias, demo-nos conta de que o dia seguinte seria o “dia do amigo”. Um tempo depois ouvi dizer que a data comemorativa em questão teria sido criada em Buenos Aires em 1979. Mesmo sem saber se portenhos têm amigos, acreditei na história e, com meus amigos de fato, comecei a refletir sobre o que seria a amizade.

A questão central de nosso debate foi a seguinte: amigo é aquele que está conosco quando mais precisamos ou é aquele de todas as horas? Muita coisa se falou a respeito disso, mas vou privilegiar o que eu disse à mesa. Os amigos vão me perdoar, mas este texto é meu. (Que tirano!!!)

Consegui formular a teoria de que amigo é aquele que está conosco em algumas horas. O conjunto dessas horas é que vai formar o sempre e fazer de alguém o “amigo de todas as horas”. Não acredito que a única condição para ser amigo alguém seja estar ao seu lado sempre. Às vezes dá, outras não, mas a sintonia é a mesma.

Há pessoas que são ótimas quando se quer ter uma visão do mercado de trabalho, do melhor investimento ou da melhor pós-graduação a fazer. Já quando se quer praticar um esporte, ir à academia e falar sobre os aminoácidos da moda (não bomba), há pessoas peritas no assunto a quem se deve recorrer.

É geralmente nas sextas-feiras à tarde que nos lembramos daqueles amigos que conhecem todo o mundo e que, com certeza, podem nos apresentar alguém que passará a eternidade de sexta para sábado conosco. Ainda existem pessoas que, no seu ponto de vista, são totalmente diferentes de você, por isso você sempre se pergunta o motivo dessa amizade. Eu também não sei, porque não conheço você nem sua amizade. Nem tudo tem explicação.

Além desses citados e de tantos outros, existem aquelas pessoas que não estão do seu lado para fazer nada específico, mas pelo simples prazer de sua companhia. Se pintar um papo-cabeça e transcendental, a pessoa está lá. Se o assunto for o mundo artístico, uma viagem, a nova capa da Playboy, o mais novo antigo engarrafamento da Avenida Brasil ou o último crime da Baixada, pode contar, você tem com quem conversar. Não importa o que se converse, o importante é que seja com você.

Às vezes se consegue juntar todo mundo em um churrasco e fazer uma salada com a multiplicidade de contribuições que essas pessoas dão em nossas vidas, mas sempre rola aquele que não come carne ou que não gosta de música alta... Não importa, amigos são aqueles que estão conosco quando podem e que, mesmo longe, não nos tiram da cabeça, ainda que às vezes vacilemos e descuidemos da planta amizade.

Parafraseando um antigo ditado, digo que, como Deus não pode estar pessoalmente em todos os lugares, Ele criou os amigos. Aos de perto ou de longe, aos que me conhecem bem ou só por foto ou telefone, meu carinho, meu reconhecimento e uma oração.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A culpa não foi da Eva

Tenho refletido nesses últimos dias que a vida em sociedade se torna cada vez mais difícil à medida que o indivíduo se esquece de suas responsabilidades e as atribui ao outro. Desde o começo da humanidade, a história é a mesma. Lembremos do que ocorreu no Jardim do Éden: alguém recebeu uma responsabilidade, não a desempenhou como deveria e, quando foi cobrado, atribuiu culpa à pessoa mais próxima.

Deus confiou a Adão, primeiro representante da obra-prima de Sua criação, a incumbência de crescer, frutificar e cuidar do jardim. Sobre tudo teria domínio, de tudo poderia comer, exceto do fruto da árvore que lhe daria conhecimento do bem e do mal. Além de todos os benefícios oferecidos, Adão ganhou uma companheira, Eva, para que não se sentisse muito só no Jardim das Delícias.

Certo dia, no horário de costume, o Criador perguntou a Adão se ele tinha comido do fruto proibido. Adão respondeu conforme sua conveniência e disse: “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi”. Eva, por sua vez, disse que a serpente, a mais astuta de todos os animais terrestres, tinha-lhe oferecido o fruto, e ela comeu. Como a serpente não conseguiu se defender, passou a representar o mal.

Comportamentos semelhantes ao descrito acima são encontrados a todo momento. Pessoas gostam de poder, benefícios, companhia, mas não gostam de assumir responsabilidades. Percebe-se que a insubordinação e o individualismo destroem relacionamentos sociais e profissionais, além das próprias pessoas em longo prazo.

Atribuir a si próprio a responsabilidade de resolver problemas, achar soluções e auxiliar o próximo não é tarefa fácil, mas é uma maneira segura de resolver problemas que se arrastam na sociedade há anos. Nem sempre a culpa é do outro. E nesse engano seguem ideologias que atribuem ao carma a origem de insatisfações e desventuras. Muitas vezes somos os únicos responsáveis por insucessos, mas somos incapazes de admitir o fracasso.

Levando-se em consideração que o homem é um ser dotado de raciocínio, apesar de saber que alguns não gostam de raciocinar, é comum que se questionem normas e regulamentos estabelecidos pela sociedade, porém a simples ignorância não tem o poder de alterar uma realidade estabelecida. Deve-se questionar tudo aquilo com que não se concorda, de forma lógica e convincente, buscando a melhor maneira de se adaptar ao sistema do qual se faz parte, a não ser que se queira viver sozinho na lua.

Há uma máxima que diz que as regras existem para serem quebradas. Será isso adequado? Um pouco desse pensamento se deve à cultura do indivíduo, haja vista os exemplos de povos europeus ou asiáticos que se orgulham de cumprirem o que foi estabelecido para o benefício da coletividade. Nessas sociedades, o coletivo se sobrepõe ao pessoal e os interesses coletivos acabam conduzindo os interesses individuais. Não se está afirmando que esse modelo social seja ideal, mas se reconhece que essas sociedades têm apresentado melhores resultados socioeconômicos e melhores índices de satisfação ou qualidade de vida que outras.

Quando alguém assume uma postura ativa na vida, especialmente na resolução de problemas, a tendência é que se pare de culpar o outro e se apresente uma saída para que ele ou ela não erre mais. Quando reconhecemos nossos erros, temos a oportunidade de transformar nosso comportamento e mudar o ambiente em que vivemos. Aprender com os erros, nossos e dos outros, é positivo no sentido de fazer com que a vida seja melhor. Devemos reconhecer nossos erros, cada um o seu, e ajudar naquilo que for possível. Lembrar que a culpa não foi da Eva faz de cada Adão um ser mais consciente.

terça-feira, 9 de março de 2010

D2sv4g1l^2s

F1z m53t4 t2mp4 q52 p2ns23 2m 5m1 m1n23r1 d3f2r2nt2 d2 2scr2v2r 5t3l3z1nd4 1 pr´4pr31 l´3ng51 p4rt5g52s1 c4m l3g23r1 1lt2r1ç~14. 23s q52 s5rg35 4 “d2sv4g1l^2s”, q52 ´2 4 pr´4pr34 p4rt5g5^2s s2m 1s v4g13s. N4 l5g1r d2l1s, c4l4c1m-s2 4s n´5m2r4s. C4m4 t2m4s c3nc4 gr1f2m1s q52 r2pr2s2nt1m 1s v4g13s, t2m4s 4s n´5m2r4s d2 5m 1 c3nc4 n1s p1l1vr1s d2st1 gr1f31 n4v1.

C4m4 s23 q52 1 c5r34s3d1d2 h5m1n1 ´2 3nf3n3t1, cr234 q52 m53t1 g2nt2 t2nt1r´1 d2sc4br3r 4 q52 2st´1 2scr3t4 1q53. 2st1v1 2scr2v2nd4 c43s1s m53t4 s´2r31s 2 r2s4lv3 br3nc1r 5m p45c4. V4c^2 d2v2 t2r p2rc2b3d4 q52 n4 f5nd4 n~14 2st´1 2scr3t4 n1d1, m1s q52 ´2 l2g1l, ´2. C1s4 t2nh1 l3d4 t5d4, f1ç1 5m1 pr4p1g1nd1 d2st2 bl4g, v1l25?!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Língua Latina e Língua Portuguesa: Analogias e Contrastes III

“Para se saber sintaxe, deve-se conhecer bem a morfologia”. Com essas palavras, a professora Flora iniciou sua aula do dia 27/02/2010, observando que Fonologia + Morfologia + Sintaxe = Gramática. Inicialmente far-se-á uma revisão da morfologia com análise sintática de frases simples, e só depois, quando a sintaxe for estudada, é que se analisarão frases mais complexas. Os principais tópicos abordados nesse dia foram: sujeito, complemento nominal com a preposição de, objeto indireto com as preposições a e para, objeto direto e verbos de ligação.

A primeira frase analisada nesse dia foi O livro de Maria é interessante , em que o O é um adjunto adnominal do sujeito; livro é o núcleo do sujeito; de Maria pode ser um complemento nominal ou um adjunto adnominal preposicionado, considerando que Maria pode ser autora, leitora, portadora ou proprietária do livro. Fez-se questão de nomear de Maria como um adjunto adnominal preposicionado, para diferenciá-lo de um adjunto adnominal formado por um adjetivo, como em interessante.

Ressalta-se que não é simples a diferenciação entre adjunto adnominal e complemento nominal. Em certos casos, por ser a frase ambígua, faz-se necessário que se entenda o real significado para uma análise adequada, como no exemplo A resposta do aluno foi satisfatória. Caso se interprete a frase como “O aluno respondeu”, do aluno será um adjunto adnominal. Caso se interprete a frase como “O aluno foi respondido”, do aluno será um complemento nominal. Para se escrever bem uma redação, com lógica e concatenação de ideias, devem-se conhecer os instrumentos da morfossintaxe.

O exemplo O livro do meu menino é interessante trata da diferente classificação que o Latim tem para o vocábulo meu. Em Português, meu é classificado morfologicamente como um pronome possessivo; do menino é um adjunto adnominal preposicionado ou um complemento nominal. Em Latim, meu é um adjetivo possessivo, visto que acompanha o substantivo. No exemplo O livro do meu menino é ruim, mas o teu é interessante,o vocábulo teu é um pronome possessivo em Latim, visto que substitui o substantivo livro.

Em certo momento, a professora pediu que seus alunos citassem exemplos de frases com objeto indireto. Os exemplos foram: 1) Necessito de uma nova gramática; 2) Preciso de sua ajuda; 3) Gosto de teu vestido; 4) Comprei flores para minha mãe e 4) Entreguei o livro ao Paulo. Para a maior parte dos gramáticos brasileiros, “de uma nova gramática”, “de sua ajuda” e “de teu vestido” tratam-se de objetos indiretos, com exceção de Bechara, que os vê como complementos relativos, visto que não podem ser substituídos pelo pronome oblíquo lhe. Segundo a gramática latina, dos cinco exemplos citados acima, os verdadeiros objetos indiretos são “à pátria” e “ao menino”, por serem os seres a quem se destina a ação verbal.

Semelhantemente, nos exemplos 1) Eu sou útil à pátria e 2) Agi contrariamente às regras, tem-se objetos indiretos em “à pátria” e “às regras”. Em Português, à pátria e às regras são complementos nominais. Já no exemplo Eu falo de você, tem-se em de você um objeto indireto do Português, mas um adjunto adverbial de argumento do Latim.

Ao término da aula, fez-se uma lista dos verbos de ligação e em seguida analisaram-se frases em que esses mesmos verbos têm outra transitividade, como se vê nos exemplos seguintes. Em João ficou em Roma, o verbo ficou, que tradicionalmente é de ligação aparece como intransitivo. Observou-se que em Latim não há tantos verbos de ligação como em Português. Apenas o verbo sum, es, esse, fui, que pode ser traduzido como ser, estar, haver, existir ou morar é de ligação em Latim.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Língua Latina e Língua Portuguesa: Analogias e Contrastes II

Em sua segunda aula, 13/02/2010, a professora Flora Simonetti entregou a seus alunos a ementa de sua disciplina e teceu comentários sobre a bibliografia e o conteúdo programático. Deste, os três itens comentados foram introdução, fonologia e morfologia. A introdução foi feita na aula anterior, quando se falou sobre o Latim Vulgar como a origem do Português. A fonologia será estudada de forma geral e a morfologia será o próximo ponto alto das aulas, visto que conhecimentos morfológicos são necessários para se entender a sintaxe.

A professora fez um breve comentário sobre as diversas classes gramaticais e suas semelhanças e diferenças em Língua Latina e em Língua Portuguesa. Em relação aos verbos, foi explicado por que o verbo pôr pertence à segunda conjugação do Português. O Latim possuía quatro conjugações. A primeira, com a terminação āre; a segunda com ēre; a terceira, com ĕre e a quarta com ĭre. Com o passar do tempo, a quantidade da terceira conjugação latina mudou de breve para longa e, com isso, os verbos foram abarcados pela segunda conjugação.

O verbo pôr e seus derivados pertencem em Português à segunda conjugação porque o verbo latino ponĕre passou pelas seguintes transformações: ponĕre - ponēre - poner - poer - pôr. Da primeira para a segunda fase exposta acima houve uma mudança na quantidade da vogal e de breve para longa; da segunda para a terceira, houve uma apócope; da terceira para a quarta, houve a supressão da consoante nasal e da quarta para a quinta, a vogal e foi assimilada pela vogal o.

Ressalta-se que o acento circunflexo foi colocado para que se diferencie o verbo pôr da preposição por. A maioria dos acentos diferenciais foi abolida pelo novo acordo ortográfico, mas os pares pôr (verbo) / por (preposição e pôde (pretérito) / pode (presente) permanecerão obrigatórios. Em síntese, a terceira conjugação latina foi absorvida pela segunda. Todos os verbos derivados do verbo pôr pertencem à segunda conjugação portuguesa.

Ao falar sobre o pronome, que deriva do Latim pro nomine, algumas frases com pronomes relativos foram criadas para posterior análise. A primeira frase foi Os meninos, que eu encontrei, são meus amigos. Neste caso, o pronome relativo que introduz uma oração subordinada adjetiva explicativa e tem a função sintática de um objeto direto. A segunda frase foi Os meninos, que estudaram muito, foram aprovados. Novamente o pronome relativo que introduz uma oração subordinada adjetiva explicativa, porém sua função sintática, neste caso, é de sujeito da oração a que pertence. Dentre outros exemplos, fez-se a distinção entre o pronome relativo que e a conjunção integrante que, no caso das orações subordinadas substantivas.

Ainda sobre os pronomes relativos, a professora pediu um exemplo de oração com o relativo cujo. O exemplo dado por um aluno, que inclusive foi questão de concurso, foi: Ele é o homem de cujos méritos não se podem duvidar. Em seguida, criou-se um debate acerca da preposição de diante do relativo cujo no exemplo dado, porque alguns a acharam dispensável, visto que o relativo cujo e suas flexões já expressam ideia de posse.

Lembra-se que em alguns casos faz-se necessário que se coloque diante do relativo cujo e suas flexões a preposição exigida pelo verbo em função da regência, conforme pode ser visto na gramática de Evanildo Bechara*. Por exemplo: 1) O jogo, a cujo final não assistimos, acabou empatado. 2) O funcionário em cujas palavras não acreditei está de partida. 3) O professor de cujas experiências discordo está lecionando na cidade. 4) O jogo por cujo resultado ansiamos está na iminência de acabar. 5) O cantor com cujas músicas você simpatiza é bem versátil.

Por fim, a professora pediu que os alunos pesquisassem sobre o tema acima e que preparassem para a próxima aula algumas frases com pronome relativo, verbos de ligação em função diferente da tradicional e adjunto adnominal.

* BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. 16ª reimpressão. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2006. Edição Revista e Ampliada. p. 202.

Língua Latina e Língua Portuguesa: Analogias e Contrastes I

No primeiro dia de aula, 06/02/20010, Flora Simonetti fez a apresentação de sua disciplina, Língua Latina e Língua Portuguesa: analogias e contrastes sintáticos, falando sobre os principais temas que serão abordados ao longo do curso.

Um dos primeiros pontos abordados foi o resquício do particípio presente latino no Português. A professora deu o exemplo dos adjetivos derivados de verbos que possuem nt em sua terminação, como fervente (que ferve) e amante (que ama). Foi destacado que o português conserva o particípio passado, como amada no exemplo “Flora, amada por todos, chegou”.

Ainda falando sobre formas verbais, críticas foram feitas em relação à maneira como se denominam certas formas verbais em português. Por exemplo, orai é uma forma genuinamente imperativa, visto que quem diz isso está dando uma ordem, fazendo um pedido ou dando uma sugestão aos ouvintes. Entretanto, a forma verbal oremos não se trata de modo imperativo, mas da 3ª pessoa do presente do indicativo exortativo. É possível que o falante opte pela forma oremos na tentativa de dar um tom menos impositivo à sua fala.

Segundo análise da professora, o futuro do pretérito não deveria pertencer ao modo indicativo, visto que este modo dá conta das certezas e não das possibilidades. No exemplo “Iria à escola se não chovesse”, a forma iria deixa claro que a ida à escola não dependia apenas da vontade do falante, mas de um fator externo, no caso a ausência de chuva. Registra-se que havia nas gramáticas de português no Brasil o modo condicional, que apresenta a ação, a qualidade ou o estado como dependentes de uma condição.

Observou-se também que o aposto nunca será um adjetivo, mas sempre um substantivo. No exemplo “Lula, presidente do Brasil, está terminando seu mandato”, tem-se o substantivo presidente como núcleo do aposto.

Outro ponto interessante desta aula foi a ressalva de que, para se analisar precisamente uma oração reduzida, faz-se necessário transformar o que está implícito em uma forma explícita. Por exemplo, para analisar a oração “Tendo feito exercícios, fui aprovado no exame”, é necessário que se desenvolva o que está reduzido. A oração desenvolvida Depois que eu fiz exercícios indica que tal oração é subordinada adverbial temporal.

Para encerrar, foi feito um esclarecimento sobre o que seria latim clássico e latim vulgar. A professora explicou que o Latim era uma única língua e não duas, como muitos pensam. O latim clássico era a modalidade usada nos ambientes que cultivavam a forma mais apurada da língua e o Latim vulgar era a língua que o povo usava nas situações do cotidiano. Destacou-se que o Latim eclesiástico trata-se do Latim clássico ligeiramente alterado em sua sintaxe, visto que o objetivo da Igreja era oferecer uma linguagem fácil, para que o Evangelho atingisse o maior número possível de pessoas.

Ao falar sobre as pronúncias do Latim, a professora Flora deixou claro que a pronúncia reconstituída, como qualquer coisa reconstituída, possui algo das pessoas que fizeram a reconstituição e se distancia da pronúncia original. Ficou claro que é leviano dizer que os italianos falam Latim como se fosse italiano, porque esta língua deriva daquela. Portanto, o italiano tem sua pronúncia originária do Latim, e não o inverso.

No final da aula, a professora disse que em momento oportuno disponibilizará bibliografia e apostila para que se acompanhem suas aulas de forma mais organizada. No encerramento, foi dito aos alunos que resumos de cada aula devem sem feitos e entregues à professora na aula seguinte, como instrumento de avaliação. Este resumo trata-se do primeiro a ser apresentado.