terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Do medo do erro à adequação vocabular

Certa vez um professor de português foi assaltado no centro do Rio e, para pedir socorro, gritou: “Peguem-no, peguem-no!”. Como nenhum dos populares sabia quem era “no”, o ladrão fugiu e sumiu no meio da multidão... Isso ilustra como o apego à norma culta pode criar ruído na comunicação. Quando alguém ensina ou aprende algo, o objetivo é atingir um padrão de excelência a que comumente se chama “o certo”. Entretanto, quando se trata de ensino-aprendizagem de uma língua, devem-se considerar as diversas situações de interação das quais o aluno faz parte.

O ensino tradicional de língua portuguesa privilegia a modalidade culta em detrimento dos demais níveis de fala. Nesse contexto, passa-se ao aluno a ilusão de que se deve escrever e falar o “bom português” em todas as relações sociais. Todavia, o português exigido é o de Camões e de Machado, cujos textos figuram em gramáticas que se dizem contemporâneas, não se sabe de quem. Por isso, o padrão erro/acerto deveria ser substituído pelo adequado/inadequado em um ensino que se proponha contextualizado.

Há alunos que dizem não gostar de escrever. Apesar disso, escreve em sites de relacionamento, deixa comentários em blogs de amigos ou tem um diário guardado. É função do professor interpretar essas informações e perceber que alguém com esse perfil gosta de escrever, mas tem medo do rigor gramatical. Deve-se cuidar para que o medo do erro não bloqueie a criatividade do aluno que precisa se expressar. Desse modo, um ensino mais atrativo deveria considerar os textos do interesse do educando, para que, depois, discutam-se os contextos sociais mais adequados.

Um parente do governador não deveria chamar Sua Excelência de Serginho no lugar de trabalho. Por outro lado, em uma festa de família, chamá-lo de Excelência soaria deboche ou ironia. Tanto o diminutivo que expressa afetividade quanto o pronome de tratamento formal fazem parte da gramática, mas não se deve esquecer o contexto e a intenção. Fala e escreve bem aquele que, de forma mais precisa, adapta seu discurso ao contexto.

Dificilmente um aluno internalizará uma construção gramatical apresentada fora de contexto, visto que o indivíduo adota para si aquilo com que se identifica. Para que a dita norma culta seja aprendida, deve-se, ainda que hipoteticamente, conduzir o estudante a uma situação em que ela faça sentido.

Dessa forma, independentemente do contexto em que alguém fale ou escreva, o produto deve transmitir de forma clara e convincente aquilo que o gênio humano pensou. Além disso, a norma culta não deve ser um instrumento de opressão que discrimina pessoas. Conclui-se que professores devem conhecer o aluno; o que escreve, se escreve; para quem escreve; e ajudá-lo a fazer isso cada vez melhor, ajudando-o a incrementar o exercício de sua cidadania.

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