sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O medo da gripe

Em tempos de gripe suína, há que se tomar cuidado com hábitos que até pouco tempo passavam despercebidos por boa parte da população. Devemos evitar, dizem os especialistas, o aperto de mão do formal; o beijo no rosto do respeitoso; o abraço do falso; os dois beijos dos amigos e os três beijos dos que querem casar. Há quem diga: “São três beijinhos pra casar!”. Para casar com quem, com a pessoa beijada ou com outra?! Não importa, costume é costume.

Se quisermos nos prevenir contra a gripe suína, a gripe A H1N1, ou seja lá o que for, precisamos evitar atividades que nos obriguem a ficar em ambientes fechados ou que nos obriguem a compartilhar utensílios com alguém, pelo risco de entrar em contato com algum fluido corporal contaminado pelo vírus.

Primeiro, não sei para que a Organização Mundial da Saúde mudou o nome da gripe. A nova gripe com nome de suína não fez com que eu deixasse de comer meu carré com salada. Já que vivemos em um mundo globalizado e valorizamos tanto a cultura norte-americana, deveriam ter batizado a nova epidemia com o nome de gripe do pig. Segundo, será que todos conhecem o significado de “fluidos corporais”? O povão conhece os fluidos corporais de vista, mas não por esse nome... De qualquer modo, vida que segue.

Sei que nessas horas aparecem vários especialistas. Devemos dar-lhes crédito, mas não podemos nos desesperar. Conheço pessoas que não oferecem mais um golinho do refrigerante ou cerveja por medo da gripe; não vão ao cinema ou teatro por medo da gripe; desmancharam com a namorada por medo da gripe... Por favor, não é possível que todo lugar fechado e todo fluido passe gripe! Como não sou médico ou epidemiologista, isso não é da minha alçada. Deixe para lá, devo preocupar-me com o acento agudo no i do suína, só isso.

Amigos, só sei dizer que a prima pobre da gripe espanhola está dando o que falar. Para você ter uma ideia, ela, a gripe, foi a culpada por mais um arranca-rabo da Linha 2 do metrô.

Há uns 15 dias eu estava naquela lata de sardinha chamada Linha 2, rezando para chegar logo ao meu destino. Gosto de ler na condução, mas com o vagão lotado uma pessoa que está em pé dificilmente consegue ler alguma coisa. Sobra uma das mãos para segurar o livro, mas falta espaço para mantê-lo afastado do nariz. Como não se tem paisagem para se ver através da janela, só nos resta acompanhar as coisas que acontecem dentro do próprio vagão.

Alguns comportamentos são de praxe, comuns: pessoas que não vão descer, mas ficam paradas na porta; pessoas que carregam a casa dentro de suas enormes bolsas; gente que não sabe o que é um desodorante há tempo, etc. Mas o mais interessante e diversificado é o papo dos passageiros. São reclamações de marido, esposa, chefe e vizinho; planos para festas e viagens; debates acadêmicos e outros. De todos, o que mais atrai audiência e desperta do sono é o bate-boca. Quando as ofensas e ameaças começam o sono termina. Os palavrões chegam e nossa estação, não; mas não importa, agora temos diversão.

Realmente não se deve mexer com quem está quieto. Uma senhora cheia de bolsas já estava no vagão quando entrei. Ela segurava uma bolsa com a mão esquerda e se segurava com a outra. Com as pernas ela apoiava mais umas duas bolsas que estavam no chão. No meio do trajeto, um dos assentos perto da mulher ficou vago. Como ela não mostrou a intenção de se sentar, mais do que depressa um cara se espremeu, passou pelas pessoas, pela mulher e bolsas e sentou. Não critico a pressa para conseguir o lugar, apesar de ele ter empurrado todo mundo, mas que ele podia ter saído do metrô sem ouvir o que ouviu, podia.

Do nada, a mulher das bolsas espirrou. Tudo bem que ela não colocou a mão na frente e uma coisinha ou outra caiu no cara que acabara de se sentar, mas, poxa, não era uma bomba atômica; era apenas um espirro. Tudo bem que poderia ser uma bomba de gripe suína, mas temos que acreditar que lá em cima existe alguém olhando por nós também, gente.

Os demais passageiros se afastaram, esperando por um próximo tiro certeiro, quer dizer, espirro, mas ele não veio. A mulher ficou sem graça. Ninguém espirra porque quer, muito menos nestes dias de epidemia em que as pessoas olham quem espirra como uma fonte de bactérias ou vírus. Depois de um tempinho todos ficaram confiantes e voltaram para seu lugar, mas eis que o cara que fora alvo dos perdigotos olhou para a mulher e começou a alfinetar.

— O lencinho! — E a mulher fez que não era com ela. Aí o cara reforçou.
— Quando for assim, antes de cuspir nos outros, a senhora pega um lenço ou bota a mão na frente!

Naquele vagão não havia lugar para mais nada. A mulher procurou lugar para enfiar a cara e não achou.

— O senhor acha que espirrei por querer?! Alguém espirra porque quer?! — E o tom de voz foi aumentando.

O cara podia ter ficado calado. A discussão estava no um a um, mas ele não quis...

— Não é possível que dentro dessas bolsas todas a senhora não tenha um lencinho... — Dizendo isso ele assinou sua sentença. A esse momento eu já tinha até esquecido da estação em que desceria. Quem estava com seu MP3 no ouvido tratou de tirá-lo depois que as caras e bocas começaram.

— Sabe de uma coisa, moço, eu não estou gripada, não. Isso deve ser alergia. Olha que eu estava boazinha, mas, de repente, comecei a sentir cheiro de roupa velha e guardada. Não foi o senhor quando passou, não!? Meu problema não foi falta de lenço. O senhor não está vendo que só tenho duas mãos? Com uma seguro a bolsa e com a outra me seguro.

O homem ficou vermelho de raiva, e a mulher falou tudo o mais que lhe veio à mente, até que o cara resolveu descer e a paz voltou a reinar no vagão. Como não havia mais nada para me distrair, fui obrigado a retornar à realidade e tomar cuidado para não passar da minha estação. Pois é, o medo da gripe pode causar mais problemas do que eu imaginava.

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