segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quando será a hora de descer?

Estou começando a acreditar que minha memória não é tão ruim quanto pensava. Acabo de lembrar de um passeio que fiz com meus pais a Petrópolis. Long, long time ago. Foi um dia muito agradável, em que visitamos o Museu Imperial, o Palácio de Cristal e a Encantada, a Casa de Santos Dumont. Dizem que naquela cidade sempre faz frio, mas naquele dia a temperatura estava amena.

Na volta, entramos em um ônibus da extinta empresa Luxor, que iria pela dita estrada velha e não pela Rodovia Washington Luis. Nessa época os passageiros entravam pela porta de trás e o cobrador também ficava lá atrás do veículo. A porta se abria, o passageiro subia a escada e logo encontrava a roleta.

Pois bem, a viagem estava tranquila, até que dois passageiros fizeram sinal e entraram no ônibus. O primeiro deles passou a roleta, pagou a passagem e sentou-se. O outro não passou, ficou em pé na escada, entre a porta e a roleta.

Essa era uma atitude que logo chamava a atenção dos passageiros. Logo pensávamos que a pessoa não tinha o dinheiro da passagem, por isso estava esperando a melhor oportunidade para pedir ao cobrador para pular a roleta ou descer pela porta de trás. Ou..., na pior das hipóteses, poderia ser uma tentativa de assalto.

O milésimo sentido feminino fez com que minha mãe começasse a acompanhar os movimentos do passageiro suspeito, prestando atenção em cada detalhe. O que mais chamou sua atenção foi o fato de o homem estar com uma jaqueta pesada e fechada, apesar de o dia não estar tão frio e de já termos nos afastado consideravelmente de Petrópolis.

Como se não bastasse a desconfiança, eis que o motorista dá uma freada relativamente brusca, obrigando os passageiros a se segurarem, inclusive o não-pagante antes da roleta. Para isso, ele teve que esticar o braço e, sem querer, acabou deixando à mostra o que tanto queria esconder: uma pistola.

Além de não ter passado a roleta, não ter pagado a passagem, estar com um agasalho mais pesado que os demais e com uma pistola na cintura, o homem conversava em códigos com o amigo que estava sentado:

– Quando chegar o ponto, não esquece de mim. Me avisa a hora!
– Pode deixar que te dou um toque.

A essa altura, não era mais desconfiança, era quase certeza, o ônibus corria o risco de ser assaltado a qualquer momento.

Discretamente, minha mãe cochichou com meu pai:

– Alfredo, disfarça e coloca a carteira embaixo do banco. Este ônibus vai ser assaltado.

Provavelmente ele não ouviu nada do que foi dito antes em relação ao “disfarça”, logo ele que sempre falou em tom baixo. Para raiva de minha mãe, ele diz em plenos pulmões:

– É o quê?! O meu ninguém leva!
– Fala baixo, meu marido...

É claro que isso fez com que os supostos ladrões percebessem que algumas pessoas estavam desconfiando da atitude deles. Por isso, tentaram disfarçar e pararam de conversar, como se isso fosse fazer com que esquecêssemos a desconfiança.

Meu pai finalmente resolveu dar ouvidos à minha mãe. Disfarçou e colocou a carteira embaixo do banco. Nós estávamos sentados no último banco (era o único em que os três poderiam sentar juntos), por isso, hoje em dia, acredito que os suspeitos nem tenham visto a movimentação.

Minha mania de observar tudo que está ao meu redor já existia naquela época, mas não tinha desconfiado dos caras. Quando vi meu pai soltando sorrateiramente a carteira sob o banco, achei tudo muito estranho e soltei o verbo:

– Pai, sua carteira está debaixo do banco!

Minha mãe me olhou com olhar de reprovação. Ainda bem que ela não tinha veneno nos olhos, senão eu não escreveria esta história. Não entendi o olhar de censura. Sempre ouvi que a família deveria ser unida, que um deveria se preocupar com os problemas dos outros e tentar resolvê-los, etc. Não ficaria com a consciência tranquila se chegássemos a casa e meu pai descobrisse que tinha perdido sua carteira. Por achar que não tinha sido compreendido, enfatizei:

– Pai, depois não vai dizer que não presto atenção em nada. Sua carteira está debaixo do banco e você não viu...

Mais que depressa minha mãe interveio:

– FICA QUIETO, NÃO ESTÁ VENDO QUE O ÔNIBUS VAI SER ASSALTADO?!

Arregalei os olhos e fiquei surpreso. Os outros passageiros fizeram o mesmo e começaram a se perguntar:

– O ônibus vai ser assaltado?!
– Quem vai assaltar o ônibus?
– Tem ladrão aqui???

Os caras não sabiam onde enfiar a cara. Tinha chegado a hora de anunciar o assalto ou desistir de vez e fingir que essa nunca tinha sido a intenção deles.

Começou um tumulto dentro da condução, e o suspeito que estava sentado se levantou. Quando ele olhou para o colega, viu lá fora uma joaninha com dois policiais. Naquela época o Fusca era um dos carros utilizados pela Polícia Militar. Este era a joaninha. Não parecia que os PMs estivessem à procura destes caras especificamente, mas a presença deles amedrontou os passageiros suspeitos.

Assim que teve oportunidade, o suspeito que pagou a passagem puxou a cigarra e desceu. O cobrador, por medo de que algo acontecesse, pediu que o motorista abrisse a porta de trás. Com isso, o segundo suspeito desceu e saiu correndo ao encontro de seu amigo.

Os demais passageiros se sentiram aliviados e começaram a trocar impressões sobre o ocorrido. Meus pais finalmente me explicaram o que tinha acontecido e o porquê de colocar a carteira sob o banco.

No final desse dia aprendi algumas coisas:
Primeiro: Devo desconfiar de pessoas com roupas pesadas e fechadas em dias de calor;
Segundo: Devo estar atento ao que acontece no ambiente e entender as sutilezas da linguagem não-verbal; e
Terceiro: Não devo contar com ninguém para saber a hora de descer. O passageiro suspeito não avisou seu amigo...

3 comentários:

Márcia Soares disse...

Essa história divertida e atrapalhada me fez lembrar dos olhares que minha mãe faz até hj pra mim rsrs. Acabou que vcs impediram o assalto, com todo esse jeito desatento e atrapalhado seu e do seu pai, enquanto sua mãe, a única ligada nessa divertida e arriscada história que graças a Deus terminou bem! Morri de rir!

Márcia Soares disse...

Essa história divertida e atrapalhada me fez lembrar dos olhares que minha mãe faz até hj pra mim rsrs. Acabou que vcs impediram o assalto, com todo esse jeito desatento e atrapalhado seu e do seu pai, enquanto sua mãe, a única ligada nessa divertida e arriscada história que graças a Deus terminou bem! Morri de rir!

Alfredus Petrus disse...

Que bom que você gostou. Valeu.