domingo, 22 de março de 2009

O próximo trem

A ansiedade e a mania de controlar a vida são duas companheiras que caminham juntas. A primeira faz com que eu corra atrás de algo como se sempre fosse o último trem que vai passando, e a segunda me dá a ilusão de poder parar esse trem a qualquer momento.

A ansiedade quer que eu entre no trem, qualquer trem, mesmo que eu desconheça o destino. Ela me inebria. Mostra-me um trem com velocidade constante, seguindo seu rumo sobre trilhos novos e brilhantes. Os passageiros aparecem felizes e, com seus convidativos sorrisos, dizem-me: “Vem!”. A fumaça que sai da locomotiva é sempre branca, e o maquinista não se preocupa com a lotação, porque lá cabem todos.

Dentro do trem só há alegrias, e já não me preocupo em descobrir seu destino. Tudo lá é bom e me embriaga. Sento-me à janela e vejo o verde das àrvores floridas que ficam para trás, prometendo seus frutos. Ouço vozes de crianças, que cantam e fazem planos, porque acreditam no impossível, assim como os adultos deveriam ser. Sem paradas, o trem avança rumo a seu destino.

Enquanto me distraía com a paisagem lá de fora, alguém se sentou ao me lado sem que eu percebesse. Por curiosidade, olhei por trás do jornal que meu novo companheiro de viagem lia e me surpreendi quando percebi que era eu mesmo. Era eu, mas não era eu. Era eu outro. Isso aí, era outro.

O outro ficou calado por um bom tempo, até que resolvi puxar conversa. O outro fechou o jornal, mas continuou marcando a página com o dedo. Acho que pretendia continuar lendo. Eu sabia que o trem não havia parado em nenhuma estação. Deduzi que o eu outro estava em outro vagão entretido com sua leitura, sem ter visto o que vi pela janela ou ter atentado para as músicas e sorrisos. Resolvi contar-lhe tudo o que tinha visto.

Após contar-lhe tudo, percebi que o outro era meio ácido, não ligava para nada daquilo que eu havia contado ou que estava acontecendo naquele trem. Achei melhor cortar o papo e concentrei-me na viagem. O outro começou a folhear seu periódico e olhava admirado para as fotos das reportagens. Esboçava um sorriso quando via as fotos de àrvores cultivadas em belos campos e, em volta delas, pessoas fazendo piquenique.

No começo, não entendi o motivo de alguém ver as fotos do jornal, se era possível olhar tudo pela janela. A felicidade das fotos estava viva no trem, mas, para isso, era necessário que se prestasse atenção. Não entendi porque o outro havia entrado naquele trem se não gostava daquela atmosfera. Só então compreendi que ele não olhava para as fotos do jornal por opção, mas por receio de se envolver com o ambiente do trem. Tinha medo de ser contagiado com aquela alegria e precisar descer, quando chegasse ao destino.

Quando voltei de meus pensamentos, o outro já não estava sentado ao meu lado. Cocei os olhos e quem já não estava no trem era eu. Eis que me vejo sentado no banco de uma estação. Agora sou em quem segura o jornal, que está dobrado e em baixo do braço. Aguardo um trem que virá, talvez não seja o próximo. Não sei se o mesmo de meus pensamentos, mas quero embarcar. Sei que não será o último, quero apostar.

Entendi que dentro do trem posso me sentar à janela e ver belos campos, como posso me sentar ao corredor e abrir um jornal. Às vezes, posso até levantar-me e ocupar o lugar do maquinista, por certo tempo, não sempre. E, aí, sim, poderei parar o trem quando desejar. Na verdade, almejar o controle do trem dá mais trabalho e é arriscado. É melhor voltar para um dos vagões e me adaptar ao que acontece. Quando os atrativos externos forem maiores, eu olho para fora. Quando o trem passar por lugares pouco atrativos, prestarei atenção no que acontece em seu interior. Em último caso, abrirei um jornal, talvez uma revista, e esperarei o quadro mudar.

A esperança deve ser o trilho que conduz ao destino, ainda que incerto. O medo deve ser a fumaça que sai da chaminé, aparece e some. Posso ouvir o som do trem se aproximando e tento enxergar seu destino. Se tudo der certo, eu embarco...

Um comentário:

Beto Paiva disse...

Gostaria de saber qual foi sua inspiração para escrever tal texto?
Pois não preciso dizer que vc resumiu um período da minha vida.
Não sei ao certo se meu. Mas, identifico-me.
Adorei seu texto,Parabéns. Aproveite esse dom de sensibilidade que possui para continuar observando seu mundo à volta e escrevendo com lindas palavras textos desse tipo.
Admiro você como letrologo, letrista,... profissional de Letras. E muito + como um amigo que fiz apesar das circuntâncias.

Saudades...
Abs

BetoPaiva