domingo, 22 de março de 2009

Amor, cachorro-quente e ódio: nem sempre nessa ordem

Dentre tantas relações conflituosas que tenho vivido, apresento-lhe a que maior relação tem com minhas necessidades gastronômicas, se é que merece esse nome bonito. Tenho vivido um sentimento de amor e ódio pela tia do cachorro quente. Tudo bem, sei que essa relação é de mais ódio e menos amor, mas nunca se deve demonstrar esse tipo de sentimento por quem prepara nossa comida. Coisas maravilhosas e terríveis podem sair da mesma cozinha, tudo depende de seu grau de amizade com quem cozinha.

Na Rua do Riachuelo há várias barracas e carrocinhas de lanches, dentre os quais o que mais atrai meu paladar é o cachorro-quente. A higiene no armazenamento dos ingredientes e no preparo dos lanches é quase nula. Mas, como dizem: “quem quer ter luxo, vai ao restaurante fino”.

Canso de ver ambulantes chegarem aos pontos habituais de venda por volta das 17 horas, com grandes pacotes de pão, potes com salsicha, hambúrguer, tomate, cebola e tudo o mais que a receita do molho pedir. Tudo bem que picar cebola não é a melhor das atividades para quem cozinha, mas ver os ambulantes picando os itens do molho tem o poder de levar qualquer cristão às lágrimas, e não é por causa do cheiro da cebola...

Qualquer lugar é lugar para estacionarem carrocinhas. Desde que fique em um lugar movimentado, não importa se é em cima de um bueiro ou perto de latões de lixo. Carrocinha no lugar e mãos à obra. Cortam-se pães, picam-se tomates e cebolas, abrem-se latas de milho e de ervilha. Tudo é manuseado com a maior velocidade possível e com a limpeza que der.

Talvez o que faça o cachorro-quente da rua ser mais saboroso que o caseiro seja esse misto de ingredientes, encontrados apenas naquelas calçadas. Poeira, fumaça de automóveis e talvez alguns fios de cabelo, não muitos. Seria muito pessimismo pensar que todos os lanches estejam impregnados pelos brindes supracitados, isso pode acontecer com um ou outro.

Mesmo tendo consciência de tudo isso, não resisto a um bom cachorro-quente, por isso, após inspecionar visualmente algumas carrocinhas de lanches, elegi a da tia da esquina das ruas do Riachuelo e Gomes Freire como a predileta. Aparentemente a carrocinha é limpinha e está sempre arrumada. As panelas são pequenas porque a dona leva pouca quantidade para a rua, consequentemente, nada deve sobrar para o outro dia, evitando os problemas com o armazenamento de alimentos prontos.

O nome da tia é tia mesmo e o meu nome, para ela, é meu querido, meu bem, filho, moço, etc., depende da quantidade de álcool que a tia tiver bebido, visto que ela trabalha molhando o bico. Não me importa que ela beba em serviço, afinal, ela é dona de seu próprio negócio, só não gosto quando ela se atrapalha com o cigarro, com a latinha de Skol e com o dinheiro. Ela acaba esquecendo qual é a mão que está segurando o quê e segura tudo com as duas. Ainda não é isso que me aborrece.

Sempre que chego, a cumprimento e peço um cachorro-quente de salsicha completo para viagem, viro para o lado e acabo me distraindo com o movimento da rua. Prefiro levar para casa e comer com calma. Não pense que dou mais trabalho, porque a diferença é que o para viagem é colocado em uma sacolinha plástica. A tia, muito ágil, começa a preparar o lanche. “Salsicha, né?!”, ela pergunta. Com um sorriso digo que sim. A partir daí sei que ela vai fazer um inferno em minha cabeça com uma série de perguntas que não servem para nada.

Qual será a parte que ela não entende? Já tentei falar cachorro-quente de salsicha completo e cachorro-quente completo de salsicha, mas não adiantou. Não conheço outra combinação possível. Agora não dá mais, a dificuldade de entender é dela. Tal qual o alcoólatra, que não pode dar o primeiro gole, a tia não pode fazer a primeira pergunta que desembesta com várias outras.

Já pensei que isso pode ser uma tática para economizar ingredientes. Se o cliente diz que quer um completo e ela não diz o que tem para colocar, ela acaba usando todos os ingredientes. Mas se ela diz item por item, ainda resta a esperança de o cliente repensar seu desejo e rejeitar algo.

— Molho de cebola, tomate e pimentão?
— Sim.
— Ovinho de codorna e azeitona?
— Por favor.
— Batata palha?
— Quero.
— Catchup, mostarda e maionese?
— Hum, hum.
— Os três?
— Isso...

A essa altura já estou sem saco. Não é possível, é muita falta de atenção comigo e excesso de atenção na pessoa ao lado, que nunca é cliente. Todas as vezes em que cheguei lá, ela estava conversando com alguém: um senhor, uma mulher com um menino ou uma mulher sozinha. Que gente à-toa para atrapalhar! E o pior é que sempre chego no auge do papo e por isso a tia não consegue prestar atenção em meu pedido. Ou paro de comer lá ou enxoto essa gente que conversa com ela. Das duas, uma.

Nunca fiz um pedido difícil, a não ser o último do qual ainda me arrependo. Sábado passado em especial, não estava com a barriga muito boa, por isso pedi que ela não colocasse em meu cachorro-quente ovo de codorna ou azeitona, a eterna culpada da indigestão. Acreditando na teoria do “economizar ingredientes”, nem me preocupei. Quando penso que não ela começa.

— Molho de cebola, tomate e pimentão?
— Sim.
— Batata palha?
— Quero.
— Catchup, mostarda e maionese?
— Hum, hum.

Enfim o lanche está pronto. Pensei que estaria livre das perguntas e pronto para matar a fome. Paguei, peguei o troco e, excepcionalmente, dei a primeira mordida ali mesmo. Adivinhe o que consegui achar de primeira? O ovo de codorna e a azeitona. Ela não perguntou e colocou assim mesmo. Esqueceu-se de perguntar porque estava entretida com o papo. Desisti de comprar nela, mas, como não consigo desistir do cachorro-quente, continuo comprando. A tia é como é (uma perguntona) eu é que preciso me adaptar. Vamos ver qual será a próxima.

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