terça-feira, 31 de julho de 2012

Direito Romano: análise de quatro tópicos sob influência aristotélica

Introdução

O Direito Romano é fruto da civilização que, além de contribuir para o surgimento do idioma no qual este trabalho foi escrito, teve importante influência na gênese da legislação vigente em diversos países do mundo, dentre os quais o Brasil. Ao longo dos séculos, o espírito prático dos romanos levou-os a adotar uma filosofia simples e sólida, com origem grega, mas adaptada à realidade romana pela experiência e observação de seus jurisconsultos.

Nesse sentido, nota-se no Direito Romano a índole de autonomia familiar, de proteção do indivíduo, de poder e prestígio do paterfamilias, por exemplo. É sabido também que algumas normas jurídicas romanas foram perdendo a eficácia e sendo reprovadas pelas civilizações subsequentes, como a escravidão e a evidente distinção entre pessoas.

Apesar disso, o Direito Romano é símbolo da evolução do pensamento jurídico ocidental. Além de seu conteúdo, a arte romana preocupou-se com a forma e a linguagem, buscando clareza, simplicidade e exatidão vocabular. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar brevemente quatro aspectos do Direito Romano com influência da doutrina aristotélica, quais sejam: equidade, justiça comutativa x justiça distributiva, preocupação em aplicar apenas o direito, e direito natural.

1. DIREITO ROMANO

Desde a origem de Roma (séc. VIII a.C.) até a morte de Justiniano (565 d.C.) houve normas jurídicas que conduziram os romanos. Ao conjunto dessas normas chama-se Direito Romano, cujas fontes são numerosas e de natureza diversa. Segundo Giordani (1968), dentre elas, destacam-se, as obras dos jurisconsultos a seguir: as Instituições de Gaio, modelo para as Instituições de Justiniano; o Livro das Regras, de Ulpiano; o Livro das Sentenças, de Paulo; Fragmento Dositeano; Fragmenta Vaticana, de Paulo, Ulpiano, Papiniano e constituições imperiais, como o Digesto de Justiniano, cuja obra com o tempo ficou conhecida como Corpus Iuris Civilis; e os Fragmentos de Sinai.

A fronteira entre o Direito público e o privado era bem nítida entre os romanos. Essa divisão era feita com base na finalidade. Assim, o publicum ius era o que organizava a República Romana e o privatum ius era o destinado a regulamentar as relações entre particulares. Por ter este último várias divisões, citam-se ilustrativamente o Direito Civil, voltado para o cidadão romano e conhecido também como Ius Quiritum, em alusão aos ancestrais que se autodenominavam Quirites; o Direito das Gentes, com domínio mais amplo que o Direito Civil por ser voltado a todos os povos do mundo romano, cidadãos ou não (D.1.1.9); e o Direito Natural, por vezes visto como o direito ensinado a homens e animais pela natureza ou como o direito que é comum a todos os homens baseado na razão, diferenciando-o de instinto (D.1.1.1.4).

1.1 Suas fontes

O Direito Romano foi produzido por várias pessoas, de variadas formas, e teve diferentes manifestações. Giffard (Apud GIORDANI 1968, p. 257) divide a história das fontes do Direito Romano em quatro períodos: origens, antigo direito, período clássico e período do Baixo Império.

No primeiro período, coincidente com a Realeza (753 a.C. – 510 a.C.), os costumes dos antepassados eram a principal fonte de direito. Para evitar a incerteza e arbitrariedade de uma legislação não escrita, diz-se que os comícios curiatos, formados por patrícios que escolhiam reis e demais funcionários do governo, julgavam as disputas e declaravam a guerra ou a paz, votaram as chamadas leis régias.

No período do antigo direito (até 150 a.C.), destacou-se a Lei das XII Tábuas, conhecida como fonte de todo o direito público e privado, conjunto de todo o direito romano, escrita para codificar o direito costumeiro e evitar arbitrariedades de patrícios contra plebeus. Como exemplo da proteção oferecida a estes, lembre-se do exposto na Tábua I, III, que trata do chamamento a juízo: “Se a doença ou idade o impossibilitarem, fornece-lhe condução, mas nunca uma carruagem, a não ser que queiras ser benevolente”. Isso evitaria que um patrício se recusasse a ser levado a juízo por um plebeu que não possuísse recursos para alugar-lhe uma carruagem.

Sabe-se que houve a criação de leis posteriores à Lei das XII Tábuas, como a Lei Canuleia, que permitiu o casamento entre patrícios e plebeus e outras relacionadas a temas agrários e de contratos, conforme as modificações socioeconômicas pelas quais a sociedade romana passou.

No período clássico (150-284 a.C.), iniciou-se a Lex Aebutia, que instituiu o processo formulário, dando origem a novas fórmulas de que as partes necessitavam para conseguir efeitos jurídicos, e enriqueceu o direito. Assim, nesse período, as leis, o costume, os editos dos magistrados, as respostas dos juriscunsultos, os senatus-cunsultos e as constituições imperiais eram as fontes de direito. Entre o início do reinado de Constantino (312-337 d.C.) e a morte de Justiniano (565) tem-se o período do Baixo Império, quando o imperador legislava e interpretava a lei. Portanto, nesse período, as fontes do direito eram as constituições imperiais e o direito clássico que teve origem nos juriscunsultos, depois de passar pelo crivo do imperador.

2. VISÃO JURÍDICA DE ARISTÓTELES

A tendência universalista é uma característica marcante na filosofia grega, envolvendo moral, política, física e metafísica, dentre outros. Com a intenção de dar conta de tudo o que existisse, o filósofo grego preocupava-se em entender o homem, a natureza e Deus sem fazer diferença entre as ciências particularmente (MENDES, 1903).

Aristóteles (384-322 a.C.) deu importante contribuição à organização do pensamento grego, com posterior impacto no pensamento ocidental. Para ele, a função primordial das ciências seria descobrir a essência dos seres e defini-la em termos reais. A realidade ofereceria a diversidade dos seres percebidos pelos sentidos como elementos do real. Assim, tudo o que fosse captado pelos sentidos faria parte da realidade, divergindo, portanto de seu mestre Platão, que entendia ser mera distorção da realidade encontrada no mundo das ideias.

A observação dos fatos, dos fenômenos da natureza, do homem e da sociedade, por meio de um raciocínio indutivo, levou Aristóteles a conhecer as leis o os princípios que os regiam. Segundo Cotrim (2010, p. 191), o empirismo aristotélico era um processo de conhecimento que caminharia do individual e específico para o universal e genérico. Em suma, Aristóteles fundamentou seu método na experiência e na observação, entendendo o direito como produto das demandas da sociedade, como uma necessidade orgânica.

Ao estudar as manifestações da justiça no seio da sociedade, Aristóteles dividiu-a em justiça geral e justiça particular. A primeira seria a soma de todas as virtudes para o benefício aos outros homens. Tratava-se, portanto, de uma virtude essencialmente social, que incluía tudo o que concorre para a prosperidade da vida em sociedade. A segunda seria uma parte da virtude geral. Por sua importância para a preservação da ordem social, sua observância é estabelecida por lei. Como afirma Mendes (1903), “A justiça particular foi dividida por Aristóteles em várias espécies: justiça comutativa e justiça distributiva; justiça positiva e justiça natural; justiça comum e justiça singular, justiça escrita e justiça não escrita, etc.”.

A justiça natural, por exemplo, é fundada na natureza, logo, não depende da opinião das pessoas comuns, nem dos legisladores, por seu caráter universal e imutável. Já a justiça legal está relacionada à ideia de que ser justo é respeitar a lei, porque tudo que é de acordo com a lei, é voltado para o bem comum estabelecido pelos diversos povos. Assim, o conceito de justiça, inicialmente, é obedecer às leis da pólis. Apesar disso, a justiça positiva, às vezes, precisa ser corrigida pela equidade.

Visto que as leis dos povos são genéricas, podem ocorrer casos específicos em que a aplicação da lei provoque um mal maior. Nesses casos, o direito positivo poderia ser retificado com base na equidade, que é a característica de quem tem a virtude e a prática de fazer o bem, em uma invocação ao direito natural. Para Aristóteles, a virtude consiste no meio-termo ou justa medida de equilíbrio entre o excesso e a falta de uma qualidade qualquer. Não basta que um indivíduo tenha uma virtude, é necessário que a pratique (COTRIM, 2010, p. 195).

A frase Suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu), atribuída a Ulpiano, dependendo dos indivíduos envolvidos em cada caso concreto, pode dizer respeito à justiça distributiva ou à comutativa. A primeira consiste no tratamento desigual das pessoas na medida de sua desigualdade, está relacionado à proporção geométrica. Os direitos e deveres dependem das características de cada um. A segunda iguala os indivíduos e está presente nas trocas em geral, em que não se deve considerar a qualidade das pessoas, mas o valor das coisas trocadas ou negociadas (CHAUI, 2010, p. 327). Ela considera a proporção aritmética.

Considerando a importância do pensamento de Aristóteles para o desenvolvimento do raciocínio jurídico, a seguir se fará uma sucinta análise de quatro elementos de sua doutrina presentes no Direito Romano.

2.1 Equidade

Equidade é o corretivo da justiça legal, ou seja, é uma correção da lei. Apesar de a lei ser prevista para todos os indivíduos, e de refletir aquilo que agradou o príncipe (MADEIRA, p. 53), há casos em que sua aplicação seria de alguma forma injusta. Assim, conforme o caso concreto, pode-se usar a equidade para, fugindo da justiça legal, dar a melhor solução.

A equidade aristotélica, porém, não deve ser usada a qualquer momento para corrigir leis sempre. Ela deve observar a lei positiva o máximo possível e não deve ser usada para piorar a situação do mais fraco, haja vista que em uma relação entre o Estado e um particular, um homem e uma mulher ou um senhor e um escravo, por exemplo, os últimos seriam sempre o polo mais fraco.

Segundo o Digesto de Justiniano (D.1.1.1pr.), “é preciso que aquele que há de se dedicar ao direito primeiramente saiba de onde descende o nome ‘direito’. [...] direito é a arte do bom e do justo”. Ou seja, o operador do direito não deveria sujeitar-se à lei cegamente. Desde que fosse para evitar uma injustiça maior, seria possível ignorar uma norma imposta.

Com a divisão do processo formulário em duas partes, intentio e condemnatio, nesta parte o pretor escrevia mensagens para que o juiz, que não era especializado, tratasse uma das partes de maneira específica, ligeiramente diferente da convencional. Exemplificando, caso alguém vendesse algo diferente do acordado, o pretor escreveria ao juiz que o vendedor deveria ser condenado apenas em caso de dolo, caso se comprovasse a má-fé.

Portanto, a equidade seguiria os seguintes parâmetros: tratar desigualmente os casos desiguais, na medida de sua desigualdade; levar em consideração todas as circunstâncias relevantes; e ter por base uma aplicação generosa, benevolente, da lei. Visto isso, nota-se que a equidade pressupõe o direito positivado, pois no contexto jurídico de povos sem escrita ela não seria aplicável.

2.2 Justiça comutativa x justiça distributiva

O preceito suum cuique tribuere reflete as ideias de Pitágoras, Sócrates, Platão e, principalmente, Aristóteles, sobre o justo e o injusto. Este preceito indica a função própria da justiça, que Ulpiano caracterizou como a vontade constante e perpétua de atribuir a cada um o seu direito. Semelhantemente, no Digesto (D.1.1.10pr.), vê-se que “Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito”.

Então, entende-se que a justiça comutativa ordena as trocas, para que duas coisas sejam trocadas da forma mais justa possível, mas para que isso se dê, é preciso que as duas tenham o mesmo valor. Em relações comerciais, troca-se dinheiro por mercadorias; em relações trabalhistas, a remuneração por trabalho; em relações de direito civil, o dano pela indenização adequada; no direito penal, o crime pela punição. Ou seja, a regulação se dá entre iguais.

Por sua vez, na justiça distributiva, a autoridade pública responsabiliza-se pela distribuição de obrigações e direitos, para que cada um receba o que lhe for devido a partir de critérios variáveis segundo a multiplicidade das situações ou conforme os pontos de vista. Portanto, é uma regulação entre desiguais.

A expansão do Império Romano fez com que a administração criasse mecanismos jurídicos que protegessem e amparassem também os estrangeiros, o Ius Gentium. Este ficou conhecido como direito híbrido, pois era uma mistura do Direito Romano e o direito dos povos conquistados (D.1.1.9). Para que as relações entre romanos e estrangeiros não fossem desiguais, prevalecia o ius gentium. Nota-se aí a aplicação da justiça corretiva de Aristóteles.

No processo quiritário, por sua vez, não havia preocupação com a intenção do ato, mas com a ação em si. O Estado puniria o réu baseado no ato concreto, independentemente do dolo. Isso está relacionado à justiça distributiva.

2.3 Preocupação em aplicar apenas o direito

Aristóteles traçou uma fronteira entre direito e moral. Enquanto, para Platão, direito e moral eram indissociáveis, para Aristóteles, o direito estava contido na moral, ao lado da justiça geral. Esta, por sua vez, seria excelência moral. Porém, dentro da moral existiria um viés que caberia à justiça particular. Como consta no Digesto, “os preceitos do direito são estes: viver honestamente, não lesar outrem, dar a cada um o seu” (D.1.1.10pr.).

Em Roma, tinha-se como característica o direito de fronteiras bem determinadas, só era julgado o que era direito. Outra característica importante era a rigidez do formalismo, pois funcionava como um filtro. Apenas o que fosse direito chegaria ao pretor; para isso, usavam-se fórmulas específicas para cada conflito, evitando que se desvirtuasse o objetivo do processo.

2.4 Direito natural

Sabe-se que o direito não é um fenômeno cultural, mas social, por isso pode variar conforme o lugar e o tempo. Segundo Aristóteles, natureza tem dois sentidos: um geral (cosmos, harmonia) e outro particular, que seria a essência de cada ser. Assim, o ser humano deve esforçar-se para colocar em prática aquilo que lhe foi dado pela natureza como potência, ou possibilidade de ser (COTRIM, 2010, p. 20).

A ética de Aristóteles mostra que, apesar de a prática contínua de uma vida teórica seja imprescindível, para que se alcance a felicidade isso não é suficiente. A felicidade seria uma vida dedicada à contemplação teórica, associada ao exercício de outras virtudes humanas e apoiada pelo bem-estar material e social.

Segundo o Digesto, direito natural é aquilo que sempre é justo e bom. Além disso, aquilo que é útil a todos ou a muitos em uma cidade (D.1.1.11; D.1.1.1.4). Para o filósofo grego, direito natural e direito positivo seriam complementares. Desse modo, nota-se que o Direito Romano não considerava apenas a lei positiva, mas também os costumes dos antepassados, que tinham relação com o direito natural. Ainda no Digesto (D.1.3.2), diz-se que “toda lei é uma descoberta e um dom de Deus”, por isso as devem conduzir aqueles que a natureza quis que convivessem civilmente.

CONCLUSÃO

Dada a importância do Direito Romano para a formação da mentalidade jurídica ocidental, faz-se oportuno estudá-lo e reconhecer a influência da filosofia grega nele contida. Resultado do esforço intelectual de inúmeros indivíduos ao longo de vários séculos, para compreendê-lo, deve-se acompanhar sua evolução histórica (MARKY, 2007, p. 3).

Os elementos de influência aristotélica encontrados no Direito Romano e abordados aqui, em parte ainda podem ser encontrados no direito vigente de muitos países. Obviamente, do mesmo modo que os jurisconsultos romanos adaptaram a contribuição helênica às necessidades de seu tempo, os legisladores atuais atualizam o legado deixado pelos romanos e usam-no em parte para a resolução de conflitos que surgem ao longo do tempo.

Sem a pretensão de ter esgotado o tema, espera-se que este trabalho tenha sido uma reflexão inicial a respeito da influência do Direito Romano na criação de leis, sem desprezar a influência da visão jurídica de base aristotélica, e uma contribuição para a formação de estudantes de direito.

BIBLIOGRAFIA

CHAUI, Marilena. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2012.

COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2010.

GIORDANI, Mário Curtis. História de Roma. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1968.

__________. Iniciação ao Direito Romano. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1991.

MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

MADEIRA, Hélcio Maciel Franca. Digesto de Justiniano. Liber Primus. 2. ed. Editora Revista dos Tribunais.

MENDES, José. Ensaios de Philosofia do Direito. São Paulo: Duprat & C., 1903. Disponível em: http://helciomadeira.sites.uol.com.br/PDF/AULAS/HD1/Princ_D_R.pdf. Acesso em: 20 mai. 2012.


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