sábado, 19 de março de 2011

Breve Histórico da Sociolinguística

A Sociolinguística, como campo de estudo ou disciplina em si, é algo recente. Provavelmente, o interesse pelos aspectos sociais da linguagem e a interseção entre linguagem e sociedade exista desde o começo da humanidade, porém seu estudo formal e organizado é datado no final do século XX.

Nessa época, produziram-se muitos trabalhos com o objetivo de entender as relações entre os traços linguísticos e sociais em diferentes comunidades nos Estados Unidos e na Europa, porém aqui se enfocarão as contribuições de Willian Labov* para as pesquisas entre o linguístico e o social, visto que a partir delas estabeleceu-se um novo paradigma de investigação na área.

A interferência da língua na sociedade e vice-versa não é tão óbvia quanto possa parecer, haja vista que, “[...] segundo Chomsky (1965), o objetivo dos estudos linguísticos é a competência linguística do falante-ouvinte ideal, pertencente a uma comunidade linguisticamente homogênea” (TARALLO, 2003, p. 06). Essa afirmação pode ser questionada quando se nota que em cada contexto de fala a língua se mostra heterogênea e diversificada. É essa mesma situação heterogênea que deveria ser submetida à sistematização.

Ao partir da constatação da heterogeneidade e da ampla diversificação da língua falada, Labov inicia seu trabalho, com o intuito de comprovar relações entre traços linguísticos e sociais no real desempenho linguístico dos falantes nas comunidades socioculturais. Ele acreditava que as variações pelas quais uma língua passa não são capazes de impedir a comunicação entre falantes que compartilham do mesmo sistema. Assim, percebeu que o caráter heterogêneo faz parte da estrutura e, por isso, poderia ser submetido à sistematização(CHIAVEGATTO, 1999, p. 48).

Labov desenvolveu suas pesquisas a partir da hipótese de que em meio a um caos aparente, demonstrado pela diversidade nas línguas, existiriam regularidades que deveriam ser encontradas. Seu intento era comprovar a hipótese geral de que existiriam razões sociais que condicionam a ocorrência das variações na língua, tanto nos distintos grupos socioculturais que há no interior das comunidades, como nos casos de interação que permitem suas atualizações.

Dentre os vários e significativos resultados que os estudos sociolinguísticos conseguiram, destaca-se a possibilidade de comprovação de que a heterogeneidade linguística é marca essencial das línguas naturais. Dessa forma, percebe-se que as comunidades humanas utilizam simultaneamente variações nos diversos níveis de linguagem. Entretanto, ressalta-se que essas variações não ocorrem ao acaso. Elas dependem de fatores socioculturais e subdividem a língua de acordo com as diferentes faixas etárias, religiões, profissões, classes sociais, anos de estudo e até mesmo gênero sexual.

Visto isso, entende-se que a língua usada por uma comunidade é um conjunto de variações condicionadas pela própria sociedade, sobre as quais recai juízo de valor. É por isso que há variedades linguísticas prestigiadas, estigmatizadas ou neutras. Apesar disso, os falantes de cada uma dessas variações pode se movimentar de uma variedade desprestigiada para uma mais prestigiada, de acordo com seus interesses de pertencer a um novo grupo social ou pela simples adaptação de sua fala a dado contexto social. Com isso, nota-se que a maneira como um indivíduo fala pode associá-lo a certos segmentos da sociedade e mostrar seu grau de identificação com um grupo.

O conhecimento linguístico, que é transmitido pelas gerações ao longo do tempo, é um tipo de aprendizado que se dá informalmente, na maioria das vezes. As crianças aprendem com seus pais e familiares as construções basilares da língua em um primeiro momento, e, em seguida, começam a entender regras de constituição de sentenças e de construção de palavras. Esse conhecimento acontece predominantemente de maneira assistemática, pelo contato com outros falantes da língua.

A aquisição da linguagem não se dá geneticamente, mas a capacidade fisiológica e neurológica da fala sim. As línguas são adquiridas ao longo das interações socioculturais e a transmissão dessa linguagem ao longo das gerações sucessivas é o que gera as mudanças linguísticas. Prova disso é que, caso um grupo seja separado geograficamente, as muitas variações podem chegar ao ponto de tornar a comunicação impossível. Quando as mudanças acontecem em uma mesma área geográfica, as variações desenvolvem identidades socioculturais que se associam aos traços linguísticos já existentes.

Conclui-se que a linguagem tem o poder de alterar o progresso da humanidade, considerando que se podem transmitir os conhecimentos e as experiências adquiridas por meio da linguagem, que tem como um de seus atributos a função de transmitir a cultura desenvolvida no interior de uma sociedade. Espera-se que este trabalho tenha apresentado, ainda que minimamente, a relação e interferência mútua entre língua e sociedade.

*O modelo teórico-metodológico de Labov ficou conhecido como Sociolinguística Quantitativa, que, apesar de considerar os aspectos socioculturais para suas análises, tem em foco a língua, buscando sistematizar, por meio de mecanismos científicos, o que antes foi considerado desvio, erro ou corrupção da língua. Por outro lado, há também a Sociolinguística Qualitativa, cujo enfoque não está na língua como sistema, mas na relação dos sujeitos com a linguagem.


Bibliografia

CHIAVEGATTO, Valéria Coelho. Linguagem, Sociedade e Cultura. In: CARNEIRO, Marísia (org.). Pistas e Travessias. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999, p. 29-61.

TARALLO, F. A relação entre língua e sociedade. In: A pesquisa sócio-linguística. São Paulo: Ática. 2003.

Um comentário:

Natty disse...

Nossa! Relato deliciosamente elaboradíssimo. É sempre uma delícia falarmos de Linguística, ainda mais relacionarmos os conceitos Gerativistas e Sociolinguistas.

Muito bom!