quarta-feira, 28 de julho de 2010

Por uma amizade bem temperada

No dia 19 de julho, véspera do dia do amigo, fui ao bar Arco-Íris da Lapa, com um grupo de amigos. Naquela segunda-feira, nosso objetivo não era comemorar o dia do amigo, não nos lembrávamos disso, mas descontrair, jogar conversa fora. Os fins de semana costumam ser muito corridos e nem sempre há como fazer tudo o que se pretende. Perceba que “leves bebericagens acompanhadas de boa conversa e petiscos razoáveis são permitidos durante a semana também” (Alfredus Petrus, In: Porções de Pensamento).

Dentre os vários bares na região da Lapa, demos preferência ao Arco-Íris, um “pé-sujo” na Avenida Mem de Sá onde pessoas de todas as tribos se encontram antes de qualquer evento, desde os anos 60 do século passado. O que mais me chamou a atenção na descrição que me fizeram do bar foi a história do “pé-sujo”. Com isso, fiz uma associação à idéia de bom preço e concordei com a sugestão.

Parados na porta, avistamos uma mesa estratégica, no canto e de frente para a televisão. É claro que temos TV em casa, mas enquanto o papo não engrena ou entre um e outro, não custa dar uma espiada. De cara pedi uma malzbier, ao que o garçom respondeu que tinha acabado desde a tardinha. Por ser levemente adocicada e possuir baixo teor alcoólico, há quem diga que malzbier é cerveja de mulher. Como eu mesmo pago quando peço uma e desconheço de quem seja a fábrica, para mim é de homem!

Todos sabem que não se bebe de barriga vazia, então pedimos o cardápio. A primeira coisa que nos veio à mente foi batata frita, que é sempre uma boa pedida. Abriu-se o cardápio e percebemos que tínhamos três opções: batata frita, batata frita Arco-Íris e batata frita Arco-Íris especial. A primeira é uma porção simples; a segunda vem temperada com alho; a terceira é igual à segunda, acrescida de linguiça calabresa frita e queijo derretido. Ou seja, a melhor delas. Quanto mais coisas para “entulhar” o prato, melhor para a clientela. E foi esse o pedido feito.

A bandeja veio que veio, transbordando e fumegando, exalando o cheiro de calabresa e queijo. Dá água na boca só de lembrar. O garçom deixou o pedido e prometeu voltar com guardanapos, azeite, sal e palitos. Aproveitei para pedir pimenta, que, a propósito, só não combina com pudim de leite.

O rapaz voltou com a pimenta e ficou parado ao lado da mesa, como se esperasse que terminássemos de usar logo. Olhei para ele e fingi que não estava entendendo, pretendia ficar com o vidro enquanto durassem as batatas. Então ele deu um sorriso amarelo e disse que precisava daquela pimenta para servir as outras mesas também. Aquele era o último vidro da casa...

A essa altura meu humor já havia mudado. Será que o gerente não ficara sabendo da falta da cerveja e da pimenta, ou pior, que na opinião dele ninguém pediria isso até o fim do expediente??? Deixa pra lá. Eu não era o administrador, nem o vendedor, nem o promotor, tampouco o advogado da mesa, era o professor. Por isso, disse ao garçom algo que, na minha opinião, não era do conhecimento do gerente e lhe seria útil para sua atividade profissional: “O supermercado Mundial fecha às 22:00h. Diga ao gerente, como ele não toma conta de nada mesmo, que vá comprar a pimenta e a malzbier, porque, se eu for, compro e consumo os produtos na minha casa. Com isso o restaurante perde clientes e pode até fechar...”

Ainda bem que estava cercado de amigos. A turma do “deixa-disso” sempre engata em um novo assunto e a gente esquece o ocorrido. Há coisas com as quais não adianta se estressar. Devemos levar tudo no bom humor se quisermos viver bastante. Afinal, o prato principal era a batata. Na verdade eu já estava envenenado pela falta da malzbier, foi isso.

Longe de mim fazer propaganda, positiva ou negativa, do dito estabelecimento. Depois disso posso até ter sido muito bem tratado, mas as experiências ruins acabam apagando as boas. Meu objetivo é apenas retratar o ambiente que serve de pano de fundo para a exposição das reflexões que aqui serão relatadas. Chega de explicações, vou ao ponto. A conversa fiada entre amigos está só começando.

É impossível parar em um bar com todas as mesas ocupadas e não ouvir nada do que está sendo dito em alguma outra mesa. Conforme o tempo vai passando, o teor etílico vai subindo. Com isso as pessoas ouvem um pouco menos e as outras pessoas precisam elevar o tom de voz. É isso ou quase. Talvez seja esta a fórmula que dá vida a um bar: álcool + comida + amigos que conversam sobre as coisas comuns ou nem tanto + tempo que passa (não necessariamente nessa mesma ordem).

Em meio a conversas nossas e alheias, demo-nos conta de que o dia seguinte seria o “dia do amigo”. Um tempo depois ouvi dizer que a data comemorativa em questão teria sido criada em Buenos Aires em 1979. Mesmo sem saber se portenhos têm amigos, acreditei na história e, com meus amigos de fato, comecei a refletir sobre o que seria a amizade.

A questão central de nosso debate foi a seguinte: amigo é aquele que está conosco quando mais precisamos ou é aquele de todas as horas? Muita coisa se falou a respeito disso, mas vou privilegiar o que eu disse à mesa. Os amigos vão me perdoar, mas este texto é meu. (Que tirano!!!)

Consegui formular a teoria de que amigo é aquele que está conosco em algumas horas. O conjunto dessas horas é que vai formar o sempre e fazer de alguém o “amigo de todas as horas”. Não acredito que a única condição para ser amigo alguém seja estar ao seu lado sempre. Às vezes dá, outras não, mas a sintonia é a mesma.

Há pessoas que são ótimas quando se quer ter uma visão do mercado de trabalho, do melhor investimento ou da melhor pós-graduação a fazer. Já quando se quer praticar um esporte, ir à academia e falar sobre os aminoácidos da moda (não bomba), há pessoas peritas no assunto a quem se deve recorrer.

É geralmente nas sextas-feiras à tarde que nos lembramos daqueles amigos que conhecem todo o mundo e que, com certeza, podem nos apresentar alguém que passará a eternidade de sexta para sábado conosco. Ainda existem pessoas que, no seu ponto de vista, são totalmente diferentes de você, por isso você sempre se pergunta o motivo dessa amizade. Eu também não sei, porque não conheço você nem sua amizade. Nem tudo tem explicação.

Além desses citados e de tantos outros, existem aquelas pessoas que não estão do seu lado para fazer nada específico, mas pelo simples prazer de sua companhia. Se pintar um papo-cabeça e transcendental, a pessoa está lá. Se o assunto for o mundo artístico, uma viagem, a nova capa da Playboy, o mais novo antigo engarrafamento da Avenida Brasil ou o último crime da Baixada, pode contar, você tem com quem conversar. Não importa o que se converse, o importante é que seja com você.

Às vezes se consegue juntar todo mundo em um churrasco e fazer uma salada com a multiplicidade de contribuições que essas pessoas dão em nossas vidas, mas sempre rola aquele que não come carne ou que não gosta de música alta... Não importa, amigos são aqueles que estão conosco quando podem e que, mesmo longe, não nos tiram da cabeça, ainda que às vezes vacilemos e descuidemos da planta amizade.

Parafraseando um antigo ditado, digo que, como Deus não pode estar pessoalmente em todos os lugares, Ele criou os amigos. Aos de perto ou de longe, aos que me conhecem bem ou só por foto ou telefone, meu carinho, meu reconhecimento e uma oração.