sexta-feira, 27 de março de 2009

Passou e vai passar

Pelo pouco que fizeste, pelo tanto que simulaste e pelo muito que evitaste, nunca saberei se me amaste; não porque não pudeste e sim porque não quiseste.

Dentro em breve, ainda que dure a brevidade de décadas, lamentar-me-ei pelo que poderias ter sido e chorarás pelo que fui e rejeitaste. O tempo far-te-á considerar, mas este não volta atrás.

Indiferença no primeiro olhar, desejo no segundo, esperança e precaução no terceiro, insatisfação no quarto e conformação no quinto.

Para cada olhar uma lágrima e depois das lágrimas o sorriso meu. Ninguém me disse que seria fácil, eu sabia, mas agora passou e vai passar.

"Depois de mim virá quem de mim bom fará".

domingo, 22 de março de 2009

O próximo trem

A ansiedade e a mania de controlar a vida são duas companheiras que caminham juntas. A primeira faz com que eu corra atrás de algo como se sempre fosse o último trem que vai passando, e a segunda me dá a ilusão de poder parar esse trem a qualquer momento.

A ansiedade quer que eu entre no trem, qualquer trem, mesmo que eu desconheça o destino. Ela me inebria. Mostra-me um trem com velocidade constante, seguindo seu rumo sobre trilhos novos e brilhantes. Os passageiros aparecem felizes e, com seus convidativos sorrisos, dizem-me: “Vem!”. A fumaça que sai da locomotiva é sempre branca, e o maquinista não se preocupa com a lotação, porque lá cabem todos.

Dentro do trem só há alegrias, e já não me preocupo em descobrir seu destino. Tudo lá é bom e me embriaga. Sento-me à janela e vejo o verde das àrvores floridas que ficam para trás, prometendo seus frutos. Ouço vozes de crianças, que cantam e fazem planos, porque acreditam no impossível, assim como os adultos deveriam ser. Sem paradas, o trem avança rumo a seu destino.

Enquanto me distraía com a paisagem lá de fora, alguém se sentou ao me lado sem que eu percebesse. Por curiosidade, olhei por trás do jornal que meu novo companheiro de viagem lia e me surpreendi quando percebi que era eu mesmo. Era eu, mas não era eu. Era eu outro. Isso aí, era outro.

O outro ficou calado por um bom tempo, até que resolvi puxar conversa. O outro fechou o jornal, mas continuou marcando a página com o dedo. Acho que pretendia continuar lendo. Eu sabia que o trem não havia parado em nenhuma estação. Deduzi que o eu outro estava em outro vagão entretido com sua leitura, sem ter visto o que vi pela janela ou ter atentado para as músicas e sorrisos. Resolvi contar-lhe tudo o que tinha visto.

Após contar-lhe tudo, percebi que o outro era meio ácido, não ligava para nada daquilo que eu havia contado ou que estava acontecendo naquele trem. Achei melhor cortar o papo e concentrei-me na viagem. O outro começou a folhear seu periódico e olhava admirado para as fotos das reportagens. Esboçava um sorriso quando via as fotos de àrvores cultivadas em belos campos e, em volta delas, pessoas fazendo piquenique.

No começo, não entendi o motivo de alguém ver as fotos do jornal, se era possível olhar tudo pela janela. A felicidade das fotos estava viva no trem, mas, para isso, era necessário que se prestasse atenção. Não entendi porque o outro havia entrado naquele trem se não gostava daquela atmosfera. Só então compreendi que ele não olhava para as fotos do jornal por opção, mas por receio de se envolver com o ambiente do trem. Tinha medo de ser contagiado com aquela alegria e precisar descer, quando chegasse ao destino.

Quando voltei de meus pensamentos, o outro já não estava sentado ao meu lado. Cocei os olhos e quem já não estava no trem era eu. Eis que me vejo sentado no banco de uma estação. Agora sou em quem segura o jornal, que está dobrado e em baixo do braço. Aguardo um trem que virá, talvez não seja o próximo. Não sei se o mesmo de meus pensamentos, mas quero embarcar. Sei que não será o último, quero apostar.

Entendi que dentro do trem posso me sentar à janela e ver belos campos, como posso me sentar ao corredor e abrir um jornal. Às vezes, posso até levantar-me e ocupar o lugar do maquinista, por certo tempo, não sempre. E, aí, sim, poderei parar o trem quando desejar. Na verdade, almejar o controle do trem dá mais trabalho e é arriscado. É melhor voltar para um dos vagões e me adaptar ao que acontece. Quando os atrativos externos forem maiores, eu olho para fora. Quando o trem passar por lugares pouco atrativos, prestarei atenção no que acontece em seu interior. Em último caso, abrirei um jornal, talvez uma revista, e esperarei o quadro mudar.

A esperança deve ser o trilho que conduz ao destino, ainda que incerto. O medo deve ser a fumaça que sai da chaminé, aparece e some. Posso ouvir o som do trem se aproximando e tento enxergar seu destino. Se tudo der certo, eu embarco...

Amor, cachorro-quente e ódio: nem sempre nessa ordem

Dentre tantas relações conflituosas que tenho vivido, apresento-lhe a que maior relação tem com minhas necessidades gastronômicas, se é que merece esse nome bonito. Tenho vivido um sentimento de amor e ódio pela tia do cachorro quente. Tudo bem, sei que essa relação é de mais ódio e menos amor, mas nunca se deve demonstrar esse tipo de sentimento por quem prepara nossa comida. Coisas maravilhosas e terríveis podem sair da mesma cozinha, tudo depende de seu grau de amizade com quem cozinha.

Na Rua do Riachuelo há várias barracas e carrocinhas de lanches, dentre os quais o que mais atrai meu paladar é o cachorro-quente. A higiene no armazenamento dos ingredientes e no preparo dos lanches é quase nula. Mas, como dizem: “quem quer ter luxo, vai ao restaurante fino”.

Canso de ver ambulantes chegarem aos pontos habituais de venda por volta das 17 horas, com grandes pacotes de pão, potes com salsicha, hambúrguer, tomate, cebola e tudo o mais que a receita do molho pedir. Tudo bem que picar cebola não é a melhor das atividades para quem cozinha, mas ver os ambulantes picando os itens do molho tem o poder de levar qualquer cristão às lágrimas, e não é por causa do cheiro da cebola...

Qualquer lugar é lugar para estacionarem carrocinhas. Desde que fique em um lugar movimentado, não importa se é em cima de um bueiro ou perto de latões de lixo. Carrocinha no lugar e mãos à obra. Cortam-se pães, picam-se tomates e cebolas, abrem-se latas de milho e de ervilha. Tudo é manuseado com a maior velocidade possível e com a limpeza que der.

Talvez o que faça o cachorro-quente da rua ser mais saboroso que o caseiro seja esse misto de ingredientes, encontrados apenas naquelas calçadas. Poeira, fumaça de automóveis e talvez alguns fios de cabelo, não muitos. Seria muito pessimismo pensar que todos os lanches estejam impregnados pelos brindes supracitados, isso pode acontecer com um ou outro.

Mesmo tendo consciência de tudo isso, não resisto a um bom cachorro-quente, por isso, após inspecionar visualmente algumas carrocinhas de lanches, elegi a da tia da esquina das ruas do Riachuelo e Gomes Freire como a predileta. Aparentemente a carrocinha é limpinha e está sempre arrumada. As panelas são pequenas porque a dona leva pouca quantidade para a rua, consequentemente, nada deve sobrar para o outro dia, evitando os problemas com o armazenamento de alimentos prontos.

O nome da tia é tia mesmo e o meu nome, para ela, é meu querido, meu bem, filho, moço, etc., depende da quantidade de álcool que a tia tiver bebido, visto que ela trabalha molhando o bico. Não me importa que ela beba em serviço, afinal, ela é dona de seu próprio negócio, só não gosto quando ela se atrapalha com o cigarro, com a latinha de Skol e com o dinheiro. Ela acaba esquecendo qual é a mão que está segurando o quê e segura tudo com as duas. Ainda não é isso que me aborrece.

Sempre que chego, a cumprimento e peço um cachorro-quente de salsicha completo para viagem, viro para o lado e acabo me distraindo com o movimento da rua. Prefiro levar para casa e comer com calma. Não pense que dou mais trabalho, porque a diferença é que o para viagem é colocado em uma sacolinha plástica. A tia, muito ágil, começa a preparar o lanche. “Salsicha, né?!”, ela pergunta. Com um sorriso digo que sim. A partir daí sei que ela vai fazer um inferno em minha cabeça com uma série de perguntas que não servem para nada.

Qual será a parte que ela não entende? Já tentei falar cachorro-quente de salsicha completo e cachorro-quente completo de salsicha, mas não adiantou. Não conheço outra combinação possível. Agora não dá mais, a dificuldade de entender é dela. Tal qual o alcoólatra, que não pode dar o primeiro gole, a tia não pode fazer a primeira pergunta que desembesta com várias outras.

Já pensei que isso pode ser uma tática para economizar ingredientes. Se o cliente diz que quer um completo e ela não diz o que tem para colocar, ela acaba usando todos os ingredientes. Mas se ela diz item por item, ainda resta a esperança de o cliente repensar seu desejo e rejeitar algo.

— Molho de cebola, tomate e pimentão?
— Sim.
— Ovinho de codorna e azeitona?
— Por favor.
— Batata palha?
— Quero.
— Catchup, mostarda e maionese?
— Hum, hum.
— Os três?
— Isso...

A essa altura já estou sem saco. Não é possível, é muita falta de atenção comigo e excesso de atenção na pessoa ao lado, que nunca é cliente. Todas as vezes em que cheguei lá, ela estava conversando com alguém: um senhor, uma mulher com um menino ou uma mulher sozinha. Que gente à-toa para atrapalhar! E o pior é que sempre chego no auge do papo e por isso a tia não consegue prestar atenção em meu pedido. Ou paro de comer lá ou enxoto essa gente que conversa com ela. Das duas, uma.

Nunca fiz um pedido difícil, a não ser o último do qual ainda me arrependo. Sábado passado em especial, não estava com a barriga muito boa, por isso pedi que ela não colocasse em meu cachorro-quente ovo de codorna ou azeitona, a eterna culpada da indigestão. Acreditando na teoria do “economizar ingredientes”, nem me preocupei. Quando penso que não ela começa.

— Molho de cebola, tomate e pimentão?
— Sim.
— Batata palha?
— Quero.
— Catchup, mostarda e maionese?
— Hum, hum.

Enfim o lanche está pronto. Pensei que estaria livre das perguntas e pronto para matar a fome. Paguei, peguei o troco e, excepcionalmente, dei a primeira mordida ali mesmo. Adivinhe o que consegui achar de primeira? O ovo de codorna e a azeitona. Ela não perguntou e colocou assim mesmo. Esqueceu-se de perguntar porque estava entretida com o papo. Desisti de comprar nela, mas, como não consigo desistir do cachorro-quente, continuo comprando. A tia é como é (uma perguntona) eu é que preciso me adaptar. Vamos ver qual será a próxima.